Isabella Sander, colaborou Juliano Tatsch
Enquanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos pune nações, o Tribunal Penal Internacional, em Haia, julga indivíduos. Mesmo assim, apesar de avanços, como a Lei Maria da Penha, criada a partir de uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Mazzuoli reconhece a dificuldade da aplicação interna do direito internacional dos direitos humanos, "que acaba sendo um refúgio de reclamações e queixas". A solução, para o professor, seria os estados entenderem que o prejuízo à sua imagem internacional diante do não cumprimento das sentenças é efetivo, e que cumprir as normas de direitos humanos é uma obrigação inegociável.
Qualquer pessoa pode acionar as cortes internacionais, desde que já tenha entrado na Justiça no Brasil e todas as instâncias judiciais possíveis dentro do País tenham se esgotado - algo demorado. Não é à toa que, quando chegam a ser julgados por um tribunal internacional, os casos já são antigos.
O caso do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto pela ditadura brasileira em outubro de 1975, por exemplo, só foi julgado pela Corte Interamericana mais de 40 anos após a ocorrência do assassinato. Outras grandes violações, como a não responsabilização dos culpados pelos rompimentos das barragens nos municípios mineiros de Mariana e Brumadinho, têm potencial de julgamento pela corte, mas as milhares de violações a direitos humanos cometidas diariamente no Brasil dependem muito mais de resoluções por juízes brasileiros do que internacionais.
Mazzuoli acredita que o maior desafio não é, propriamente, que as cortes internacionais condenem os estados, e sim que as denúncias cheguem até elas. Em seu livro Direitos humanos na jurisprudência internacional (Editora Método, 2019), o professor constatou que, de cada 3 mil casos que chegam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, menos de 20 são admitidos e nem todos são enviados para a Corte Interamericana de Direitos Humanos - o resultado é o julgamento, pela corte, de três a quatro casos por ano. "Percebe-se uma seletividade na Comissão Interamericana", avalia.
A professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Direito e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), Fernanda Bragato, salienta que nem sempre as decisões internacionais envolvem sentenças, mas, mesmo nos casos em que elas existem, é difícil que sejam cumpridas no Brasil. "Indenizações o governo vinha pagando tranquilamente, assim como publicações em jornais da decisão etc. Mas quando as decisões são no sentido de determinar reabertura de inquéritos, processamento de alguma ação na Justiça, os entraves são bem grandes", avalia.
Na prática, Fernanda vê que, mesmo criando-se um constrangimento para o governo federal, o cumprimento de uma obrigação internacional carece de mecanismos para que o Estado seja penalizado caso não o faça. "É como se a Justiça te condenasse a pagar uma indenização para mim, mas não tivesse meios de te coagir a fazer isso", explica. A criação de mecanismos não seria, segundo a pesquisadora, de interesse dos estados e, mesmo se fosse, estaria entrando em conflito com a soberania de cada país.
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