Ambientado em uma fictícia cidade do interior da Argentina, Vermelho sol se passa em 1975, após a morte do presidente Juan Domingo Perón e a consecutiva ascensão ao cargo de sua vice e esposa, Isabelita Perón. O golpe de Estado que deporia a então presidente e que levou ao poder uma junta militar comandada pelo general Jorge Rafael Videla só aconteceria em março de 1976.
O longa, em cartaz nos cinemas, estreou no ano passado no Festival de San Sebástian, de onde saiu com os prêmios de melhor direção para Benjamin Naishtat, de melhor ator para Dario Grandinetti e de fotografia para o brasileiro Pedro Sotero (que tem no currículo, entre outros, Aquarius e O som ao redor).
Nesse contexto histórico, Vermelho sol acompanha a via crucis de um advogado (Grandinetti), que vive a rotina de um homem comum da classe média. No começo do filme, ele inicia uma discussão com um jovem enquanto espera a mulher para jantar em um restaurante. Mais tarde, o mesmo rapaz persegue o casal e o desfecho acaba em uma tragédia. Esta é a senha para uma sucessão de infortúnios que o coloca como alvo de um movimento repressor sobre o qual nem ele tinha conhecimento.
Segundo o diretor Naishtat, há muitos filmes sobre os anos 1970 na Argentina e sobre os aparelhos de repressão e de resistência. Mas poucos se perguntam sobre a sociedade civil, sobre o impacto nos cidadãos comuns. "A minha intenção era falar dessa imensa maioria silenciosa, que não se posicionou o suficiente, mas que foi central para estabelecer o terror. Fiz várias pesquisas sobre o homem comum dessa época. O filme tenta decifrar isso, as perspectivas do homem comum", relata.
Para o cineasta, os anos 1970 são muito importantes para entender o país hoje. "Não só por tudo que aconteceu, mas pelo modo como aquilo deu forma ao nosso presente. Até hoje, ressoam as tensões sociais e políticas daquela época. É um tema que não perde atualidade", completa.
Naishtat tem 33 anos. Portanto, nasceu depois do golpe militar argentino e da fase mais aguda da repressão. Mas cresceu em uma família que sofreu muito as consequências do que ele chama de "terrorismo de Estado". "Minha família esteve no exílio, na França, nos anos 1970. Uma parte voltou, mas outra não. Cresci nos anos 1980, mas sofri as consequências daqueles traumas", informa.
Muitas das experiências pessoais do diretor e de histórias que escutou estão espalhadas pela trama de Vermelho sol. Algumas delas, como a dos vaqueiros norte-americanos que se tornaram celebridades instantâneas ao passar por Córdoba, são contadas e adicionam um humor agridoce ao filme. Outras, como a das casas abandonadas que são saqueadas por vizinhos, são vistas com certa vergonha. "A casa da minha família em Córdoba foi queimada e saqueada pelos militares, que pegaram tudo que tinha lá, inclusive memórias perdidas para sempre. Sei que é horrível, mas isso era uma coisa muito comum nos anos 1970", relembra Naishat.
O diretor diz que tem encontrado dificuldade para fazer seu próximo longa. A razão, diz ele, tem a ver com cortes nos créditos para o financiamento dos projetos. "Atualmente, tivemos cortes enormes no INCAA (Instituto Nacional de Cinema e Artes Visuais, espécie de Ancine argentina). O cinema aqui está morto. Felizmente, tenho escrito roteiros para séries e outras coisas. A solução é encontrar dinheiro fora do país, mas sempre tínhamos que procurar um pouco de dinheiro localmente para completar o orçamento. Então está difícil", lamenta.