Michele Rolim
A companhia carioca Amok Teatro apresenta dentro da programação do Palco Giratório duas Áfricas muito diferentes: Salina (A última vértebra), neste sábado e domingo, às 19h, no Teatro Renascença e Os cadernos de Kindzu, na próxima terça e quarta-feira, às 19h, no Teatro do Sesc. O grupo dirigido por Ana Texeira e Stéphane Brodt já é conhecido dos porto-alegrenses. A última vez que esteve na Capital foi em 2011 com o espetáculo O dragão (2008), da Trilogia da Guerra, também no Palco Giratório.
Com esses dois novos trabalhos, Amok parte para uma nova pesquisa: a África em nós. "Apesar da vastidão e da complexidade do continente africano, o que poderíamos tratar de comum nas diferentes culturas é a oralidade, então se multiplicou diferentes formas e maneiras de se narrar uma história sempre acompanhada do ritmo da música como tudo na vida africana", explica Ana sobre o projeto.
Para isso, o grupo executou uma pesquisa extensa sobre as diferentes culturas africanas, intercâmbio com o grupo Odi, de Moçambique, além de um estudo em danças dos orixás, orientados por Tatiana Tibúrcio, que assina a coreografia. No espetáculo Salina, o grupo investiga a questão da ancestralidade, convocando atores de diferentes áreas do Rio de Janeiro, todos negros, para um processo de formação. Ao todo, 10 atores e o músico Fábio Simões Soares estão em cena. "A nossa África é uma África imaginária, mas ela não é por isso superficial, ela é um mergulho muito profundo nesse sentimento de pertencer a um continente cultural", comenta a diretora.
Já Os cadernos de Kindzu é uma criação do grupo a partir da obra Terra sonâmbula, de Mia Couto. O elenco foi formado por um encontro entre os atores de Salina e o elenco da Trilogia da Guerra, criando um espetáculo mais miscigenado. "Kindzu tinha ainda essa proposta de afirmar a integração entre novos atores dentro do Amok. O texto de Mia Couto também foi uma oportunidade de continuarmos na África, mas não mais na África ancestral, mas em uma África histórica", diz Ana sobre o espetáculo que se passa em Moçambique, no período pós-colonial, nos anos 1970, em plena guerra civil.
"Na verdade, esse texto de Mia Couto ia ser a última parte da trilogia da guerra. Só que por outras razões encontramos outro texto que nos levou a outro lugar", confessa Ana. O último espetáculo da trilogia acabou sendo Histórias de família (2012), da dramaturga sérvia Biljana Srbljanovic. Ela destaca que não foi trabalhada toda a obra do escritor e sim uma das histórias: "O encontro com Mia Couto já é para nós uma redescoberta da língua portuguesa, porque ele tem uma forma muito particular de escrever, é como se desse para língua portuguesa um perfume africano, e também parece que está falando do Brasil de hoje, pois escreve sobre uma realidade muito próxima".