Ricardo Gruner
Um hiato de 12 anos separa o disco Amor geral (2016), de Fernanda Abreu, do seu antecessor, Na paz (2004). E a vida da carioca passou por algumas turbulências ao longo deste período. Para mostrar as novidades e lembrar momentos de sua trajetória, a cantora e compositora carioca se apresenta no Opinião (José do Patrocínio, 834) neste sábado. O show está previsto para as 20h, com ingressos - já em terceiro lote - por valores a partir de R$ 65,00.
Em entrevista, a artista fala sobre o disco, o mais autobiográfico da carreira, e a respeito das mudanças no mercado da música na última década.
JC Viver - Por que fazer um disco sobre amor quando se fala muito de ódio e política?
Fernanda Abreu - O amor é a palavra-chave na política hoje em dia. Não estou falando da política partidária, estou falando da agenda mais humana e dos direitos do cidadão. Contra racismo, homofobia, pelo debate sobre o aborto, legalização das drogas, violência contra a mulher, formas diferentes de construir uma família, discussão de gênero. Tem uma agenda vibrante, humana e individual que chega no coletivo, na possibilidade de convívio mais tolerante, pacífico e amoroso entre as pessoas. É fundamental. Nesse sentido que o disco se chama Amor geral. Por mais que parta de um olhar mais pessoal, passa o tempo todo por uma reflexão sobre um convívio respeitoso.
Viver - Você aborda isso em primeira pessoa, deixando um pouco de lado a faceta de cronista. Aconteceu naturalmente?
Fernanda - Totalmente. É um disco mais autobiográfico, passei por transformações profundas nesses 10 anos. Tive a perda da minha mãe, mas antes ela esteve em coma durante 6 anos - situação pela qual nunca pensei em passar. Fora isso, me separei de um casamento de 27 anos, que era romântico e também de trabalho. Tenho duas filhas também. Foi a reconstrução de uma relação familiar. Quando você tem uma coisa muito pungente acontecendo na sua vida, é um pouco falso passar por cima disso e resolver escrever sobre sei lá o quê...
Viver - É tranquilo interpretar essas canções mais pessoais na frente de mil, duas mil pessoas? Ou no palco elas ganham outro contexto?
Fernanda - Acho que ganham outro contexto. Nesse show, escolhi Bidolibido, do CD Na paz, por exemplo. Eu vou torcer também. Não são tão conhecidas, mas fazem sentido na história do repertório. Você vai montando um show que conta uma história que tem a ver com Amor geral, mas também com sua carreira e seu momento.
Viver - Nesse período de uma década, muita coisa mudou na dinâmica de produção musical, como a popularização de algumas ferramentas. Você acompanhou esse processo?
Fernanda - Tudo. Foi um período em que só não fiz o disco de carreira. Muitos dos fonogramas que eu gravei durante esses 10 anos pretendo inclusive reunir no ano que vem, para que os fãs consigam entender o que produzi em estúdio nesse período. Conversei com muitos produtores sobre equalização, compreensão. Gosto de acompanhar as novidades tecnológicas e equipamentos.
Viver - O disco inclui faixas dançantes e outras mais intimistas. Como foi a pesquisa sonora?
Fernanda - Comecei querendo trabalhar em cima dos subgraves, uma coisa que me encantou nos últimos sete anos. Na produção musical de linguagem pop, a ampliação de frequências foi o que achei de mais interessante. Tínhamos só grave, médio e agudo. Agora, temos um subgrave forte nas produções. E ouvi muitas coisas novas, escolhendo o que achava mais interessante e colocando a minha assinatura. Não adianta fazer um disco sem a minha cara.
Viver - Com esse período de uma década entre os discos, pode parecer que você esteve reclusa, mas não houve nada disso, não é?
Fernanda - Não, mas eu entendo. A mídia só abre espaço maior quando você está com projeto inédito. Tem mais uma outra coisa importante desses 10 anos: foi um período de muita transformação radical da indústria fonográfica. Mudou completamente a maneira de consumir música, e isso afetou diretamente os artistas. As pessoas começaram a consumir de graça, e isso está quase acontecendo com os shows. Com essa coisa da Lei Rouanet, as pessoas estão muito habituadas a ver show de graça. Às vezes, pagam três cervejas por R$ 30,00, mas não pagam R$ 20,00 para ver um show. Acho que temos de prestar atenção nisso, porque é importante que se valorize a ideia de que se pode viver de música.