Quando Maria Bethânia, 70 anos, olha o encarte do seu novo CD - registro ao vivo da turnê Abraçar e agradecer, que rodou o País em 2015 celebrando seus 50 anos de carreira - está claramente insatisfeita. "Essa foto não é a que eu escolhi, não. E essa aqui cortou meu pé, a foto é meu pé. Geeente... isso é um terror, não significou nada. O bonitinho é minha bunda no alto, o dedinho assim, saindo em cima, e o pé descalço", avisa ela, enquanto recebe a reportagem.
Conhecida pelo perfeccionismo ("Tomo conta de tudo", diz), a cantora ainda não tinha visto o livreto do CD, apenas o do DVD duplo, que é mesmo a estrela do pacote. Ele traz o show visto em Porto Alegre e outras capitais no ano passado, com 41 canções que repassam toda a trajetória da baiana, precedido de um minidocumentário.
O segundo disco compila as variadas homenagens que ela recebeu pela efeméride profissional. "Foi um ano doido e lindo. Trabalhei demais para minha idade, mas gosto de trabalhar. Realimenta, é inacreditável. Foi muito forte, um show grande, toda minha vida ali."
O ciclo das celebrações se fechou neste ano, com o desfile da Mangueira que a teve como tema e rendeu à escola o título do Carnaval do Rio de Janeiro. O DVD que chegou neste mês às lojas traz fotos e vídeos de sua passagem pela Sapucaí feitos pelos fãs, assim como registros de seu show. Bethânia elogia a iniciativa ("Isso é muito bonito, eles estão me dizendo como me veem"), mas também critica um dos males modernos dos espetáculos.
"As pessoas não olham para o palco não, elas veem aqui (aponta o celular). Tadinhos, eu tenho uma pena. Porque estão perdendo, né? Estão perdendo a única coisa, é ao vivo. E depois sai isso (o DVD). Todo mundo já tem, quem vai querer? Já está velho demais. Mas gosto do objeto, sou fã de muita gente, gosto de ter", analisa.
O lançamento atual registra um período feliz para a artista, mas que coincidiu com a decadência do País. "Me entristece. Tenho medo, não sei quando o Brasil vai respirar. Não falo economicamente, nisso sempre se dá um jeito. Aliás, tenho insistido: há uma preocupação tão grande com a economia e não olham o que importa para ela ir bem, que é a educação."
O estado de calamidade pelo qual passa o Rio de Janeiro, onde ela escolheu viver há cinco décadas, também a preocupa. "Foi muito rápido. Ontem estavam limpando as favelas, botando uns negócios, acabando com os bandidos, estava todo mundo com segurança nas ruas, com dinheiro no bolso. (Hoje) não tem nem para pagar uma parcela. Foi o quê, em dois anos? É um susto, me falta o ar."
Valendo-se de seu direito de não votar mais, pela idade, Bethânia não foi às urnas na eleição municipal. Do prefeito eleito, Marcelo Crivella, diz apenas saber que ele é "pastor de uma igreja". "Soube que ele falou muito mal de outras religiões, isso me assusta. Mas vi um discurso dele depois da vitória dizendo que ia governar para todos. Espero em Deus."
Dizendo-se em um momento de esvaziamento, no qual quer "ficar sem fazer nada, para que o que eu quero fazer chegue", ela busca vencer o temor. "Daqui a pouco a gente dá uma respirada, a gente não aguenta. O brasileiro tem essa inquietação de sair do ruim. Eu sou de Santo Amaro, Recôncavo Baiano, pobre, tudo festa. Difícil você ver uma pessoa do Recôncavo choramingar. Pode ser que a vida dê um tombo, mas primeiro acorda para a alegria."