Líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados em 2025, Marcelo Moraes (PL) terá o desafio de articular no Congresso Nacional temas de interesse do Rio Grande do Sul. Entre eles, as tratativas quanto ao Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados (Propag) e as ações que ainda são necessárias para a reconstrução do RS após as cheias de maio de 2024.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Moraes defende que o atual modelo de negociação da dívida com a União em que o Estado está inserido, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), é prejudicial à competitividade do RS em relação a outros entes federados, mas também que os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao texto do Propag aprovado no Congresso dificultam as finanças gaúchas.
Moraes também aborda assuntos relacionados às articulações do Partido Liberal para as eleições de 2026, tanto em nível estadual quanto nacional. Neste sentido, o parlamentar afirma haver a necessidade de um fortalecimento da sigla no RS, e não poupa críticas à atual presidência do partido.
Jornal do Comércio - Para 2025, acredita que o tema da reconstrução do Estado após as cheias de maio segue sendo a prioridade da bancada?
Marcelo Moraes - Com certeza. Temos muitos temas relacionados à reconstrução do Estado. Passamos por um momento muito difícil em 2024, e o governo federal deixou a desejar em relação ao envio de recursos para o estado, e acredito que a bancada gaúcha tem fundamental importância dentro dessa discussão. Estou falando isso não só em relação aos recursos, mas muitos projetos importantes tramitam aqui em Brasília. Posso dar alguns exemplos. O primeiro deles é o que trata da questão do Propag, que seria praticamente um refinanciamento das contas dos estados para com a União. Esse projeto foi apresentado, foi aprovado, e ele melhora a condição em relação ao Regime de Recuperação Fiscal, que é um calo para os gaúchos e gaúchas, é algo que atrapalha demais as finanças do Rio Grande do Sul. E o Propag teve alguns pontos que foram vetados pelo presidente Lula e que trazem prejuízo muito grande para o Rio Grande do Sul.
JC - Quais vetos valia como os mais prejudiciais para o Estado?
Moraes - Dois pontos são muito importantes. O primeiro deles é que o Estado teria que abrir mão desse perdão da dívida durante três anos, e isso representa ao redor de R$ 20 bilhões. Recursos esses que não podemos abrir mão, tendo em vista que estamos em um momento de recuperação. Outro ponto que me preocupa muito, e que foi vetado pelo presidente Lula, é a possibilidade de utilizar o recurso que hoje vai para o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste para pagar a conta. Isso gera ao redor de R$ 5 bilhões por ano. Então, imagina, são R$ 5 bilhões por ano que mandamos para desenvolver outros estados, e isso já acontece há muitos anos, sendo que estamos em uma situação em que precisamos de ajuda, não só pela enchente, mas porque ao longo dos anos as finanças do Rio Grande do Sul não conseguem se equilibrar, justamente porque temos uma conta que é praticamente impagável junto à União. É um empréstimo que começou com R$ 9 bilhões, já pagamos ao redor de R$ 50 bilhões, e estamos devendo quase R$ 100 bilhões. Quer dizer, é necessário utilizar esse recurso, que hoje serve para desenvolver os estados do Nordeste, é importante que a gente possa usar para desenvolver e recuperar o nosso Estado. Entre outros vetos, mas acredito que esses são os dois mais importantes que vamos ter que tratar dentro da bancada gaúcha, e também conversar com outros estados que têm interesse.
JC - E como estão as articulações para a derrubada dos vetos?
Moraes - Assumi a bancada faz pouco tempo, e vou ter uma reunião, já recebendo algumas entidades que trazem as suas necessidades, e acredito que a partir dali a gente começa a discutir esse tema. Até porque ele não está na pauta, ou seja, não está pronto para a votação. Essa votação dos vetos deve acontecer em uma sessão conjunta do Congresso. Temos que trabalhar a questão da bancada gaúcha, mas sempre entendendo que não serão só deputados a votar, mas também senadores da República. Então, já começamos a articular, a conversar com outros estados no sentido de buscar unanimidade. Claro que existem alguns rumores de que deputados ligados ao governo poderiam votar contra, mas não posso afirmar isso, porque não ouvi ninguém até agora se manifestando contrário à derrubada desses vetos. O que posso afirmar é que a bancada gaúcha, agora, na sequência, começa a tratar desse tema importante para o desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul.
JC - O senhor acredita que a dívida já foi paga?
Moraes - Essa discussão se dá há muitos anos, desde o momento em que eu era deputado estadual.Fui presidente da Comissão de Finanças na Assembleia Legislativa e, desde aquele momento, a pauta maior era a discussão da dívida do Estado com a União, e, de várias maneiras, na minha opinião, essa dívida já foi paga sim. Primeiro porque, volto a dizer: contratamos R$ 9 bilhões, já pagamos ao redor de R$ 50 bilhões, e ainda estamos devendo quase R$ 100 bilhões. Ou seja, já pagamos essa dívida. Mas tem algo que também deveria entrar nessa discussão. No passado, foi aprovado um projeto de lei que foi a Lei Kandir, que isentava o ICMS, que é um imposto estadual, com a promessa de compensar os estados. Acredito que aquilo que a União deveria devolver para o Rio Grande do Sul ultrapassa a marca dos R$ 80 bilhões, R$ 90 bilhões. Ou seja, se passar a régua daquilo que eles nos devem em relação à Lei Kandir para aquilo que devemos, essa dívida ou não existe ou já estaria paga. O estado do Rio Grande do Sul hoje tem que ser competitivo em relação aos outros, como Santa Catarina, que é um estado superdesenvolvido, e o Paraná também. O RRF acaba nos deixando numa condição não tão competitiva, não podendo ter incentivos fiscais, que são para trazer empresas e gerar emprego aqui no RS. E também temos ainda mais de 50 municípios que sequer têm acesso asfáltico, e a gente não consegue ser competitivo em relação a buscar novas empresas e novos empregos, não conseguimos ser competitivos em relação à infraestrutura e não conseguimos ser competitivos em tantas outras áreas, justamente porque temos uma conta gigantesca para pagar, e isso tem influenciado negativamente no desenvolvimento do Estado.
JC - Em 2024, o líder da bancada gaúcha foi Dionilso Marcon (PT), que compõe o governo Lula. Neste ano, a liderança é do PL. O que muda com o líder da bancada sendo de oposição?
Moraes - Primeiro que o Marcon, assim como outros deputados que passaram pela bancada gaúcha, todos eles conseguiram deixar a questão ideológica um pouco de lado e trabalhar as pautas de interesse do estado do RS. Eu e o deputado Dionilso Marcon temos posições ideológicas totalmente diferentes, mas eu reconheço o trabalho que ele fez à frente da bancada no ano de 2024, em um momento difícil, em que muitas vezes nós deputados não conseguimos nem vir a Brasília por falta de aeroporto. E ele tentava ajudar em todos os momentos para que a gente pudesse continuar trabalhando aqui em Brasília, continuar buscando investimentos, e abriu muitas portas. Então, faço meu elogio ao deputado Dionilso Marcon, e que não foi diferente em relação a todos os deputados que passaram pela liderança da bancada gaúcha. O meu trabalho será o mesmo. Claro que não podemos deixar de ter os nossos posicionamentos ideológicos, e eles fazem parte da nossa essência como parlamentar, mas, dentro da bancada gaúcha, a nossa ideia é discutir temas que são de relevância e que têm consenso para tentar ajudar o Rio Grande do Sul a se desenvolver. A pauta ideológica lá dentro não é prioritária, e sim o desenvolvimento do Rio Grande.
JC - Sobre o PL, o partido passa por um momento em que seu principal nome, o ex-presidente Jair Bolsonaro, está prestes a ser julgado pelo STF. Como avalia a atual situação da sigla?
Moraes - Se o presidente Bolsonaro não participar da eleição de 2026, com certeza é o maior crime contra a democracia aqui no Brasil. Até porque os argumentos para ele não participar da eleições são rasos. Imagina que uma reunião com embaixadores, que nem sequer votam no Brasil, vai retirar os direitos políticos de alguém que tem o tamanho dele em relação à política brasileira. Da mesma forma, eu vejo a questão do processo que ele está respondendo em relação ao 8 de janeiro (de 2023). Lá dentro acusam ele de depredação de patrimônio público, mas ele nem no Brasil estava. No dia 8 de janeiro ele estava nos Estados Unidos. Acusam ele de ter montado a minuta de um golpe que nunca aconteceu e que, segundo quem acusa, não aconteceu porque um dos envolvidos não conseguiu pegar um táxi. São acusações absurdas. E essas acusações, na minha humilde opinião, são de alguém que quer muito prejudicar a direita, de quem quer muito que ele não volte à presidência da República, e aí tenta inventar argumentos rasos para tentar tirá-lo do processo. E a gente já viu isso no passado. É o mesmo argumento raso que tirou o Lula da cadeia. Imagina que, lá no passado, os mesmos que estão agora tentando tirar o Bolsonaro da eleição são os mesmos que inventaram um erro de CEP para tirar o Lula da cadeia para concorrer na última eleição. Então, eu acredito que a nossa democracia passa por um momento muito difícil. Quero aqui, inclusive, elogiar a postura do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que fica nos Estados Unidos lutando pela democracia. Ele também era um dos perseguidos por esse sistema que é liderado pelo Judiciário e que vem perseguindo os direitistas Brasil afora. E aí fazer uma comparação: é trágico a gente enxergar que pessoas que estavam na Praça dos Três Poderes, mas não entraram dentro dos prédios públicos, esses estão sendo condenados sistematicamente. E, ao mesmo tempo, estamos enxergando uma anistia, uma "descondenação" por parte de todos aqueles que foram réus confessos na Lava Jato, em que muitos deles confessaram os crimes e inclusive fizeram um ajuste para poder devolver o dinheiro roubado. Então esse é o Judiciário brasileiro, que entrega os rigores da lei para os direitistas e os benefícios da lei para os esquerdistas. Isso quando não cria lei que não está na Constituição para tentar perseguir aqueles que têm um pensamento mais à direita aqui no Brasil. É lamentável esse momento que nós estamos vivendo aqui no nosso País.
JC - E em âmbito estadual, como estão as tratativas do PL para as eleições de 2026?
Moraes - Acredito que tem que haver um fortalecimento do partido, para que a partir desse fortalecimento nós possamos começar a conversar com outros partidos. Claro que essa política da boa vizinhança, de conversa com outros partidos que tenham um pensamento ideológico parecido conosco, já acontece, inclusive no nosso dia a dia aqui em Brasília, mas nada que esteja já direcionado a compor a chapa com o nome A ou B para a próxima eleição. Até porque na eleição que vem nós vamos eleger, além de deputados estaduais e federais, governador e vice, vamos ter eleição com dois senadores, então isso amplia o leque de opções para o eleitor. O PL tem grandes nomes, claro que nós temos que passar por uma reestruturação. A presidência do deputado Cherini não tem somado muito para o crescimento do partido, porém, com a quantidade de mandatos de deputados que vieram para o partido, isso faz com que o partido cresça, independente da inoperância do deputado Cherini. Mas eu acredito que nós temos muitos nomes que podem estar disputando tanto o governo do estado quanto o Senado. Como, por exemplo, o deputado (Luciano) Zucco, o nosso sempre ministro Onyx Lorenzoni, nós temos a vinda de deputados que são renováveis com muita experiência, como, por exemplo, o deputado Osmar Terra, que sai do MDB para migrar para o PL na sequência, entre tantos outros nomes. Se eu continuar aqui falando eu vou talvez esquecer de algum nome, mas temos nomes fortes para concorrer tanto ao governo do estado quanto para o senado. E eu acredito que o PL não possa abrir mão de estar na cabeça de chapa, acredito que nós temos tamanho para isso e nós devemos buscar um time, uma coligação, buscar partidos de centro, buscar uma coligação forte para tentar fazer um governo totalmente diferente no estado do Rio Grande do Sul.
JC - Há articulações no PL gaúcho para mudança na presidência do partido?
Moraes - Conversamos sobre isso na véspera da eleição do ano passado. E aí, naquele momento, se preferiu deixar como estava, até porque estava na véspera de uma eleição, e depois não retomamos mais esse assunto. Mas é algo que, em algum momento, vamos ter que discutir dentro do partido. Até porque partido não é propriedade privada. Talvez ele (Giovani Cherini) não tenha entendido que o partido não é uma propriedade privada dele, e sim um ambiente em que todos tem voz e vez.
JC - E o senhor, quais os planos para 2026? Concorrer à reeleição?
Moraes - Eu sou um soldado do partido. Aquilo que eu for convidado a concorrer, estarei concorrendo. Claro que trabalho muito forte com a questão da reeleição, mas estou à disposição do partido para o cenário que for necessário e para a batalha que a gente tiver que enfrentar pela frente.
Perfil
Marcelo Moraes (PL) nasceu em Santa Cruz do Sul e é deputado federal pelo Rio Grande do Sul em segundo mandato. Em 2025, assumiu a liderança da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados. Foi deputado estadual de 2011 a 2018, tendo presidido, em 2017, a Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Também foi eleito vereador de Santa Cruz do Sul para o mandato 2009-2012, e atuou como secretário de Transportes e Serviços Públicos do município, de 2009 a 2010.