Reeleito para presidir a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS) no triênio 2025-2027, com 77% dos votos, Leonardo Lamachia avalia como positivas as entregas da OAB-RS para a advocacia gaúcha na gestão anterior e prospecta avanços para a que está iniciando. Além das reinvindicações para a categoria, a OAB-RS, sob Lamachia, tem pleiteado o debate da extinção da dívida do Estado com a União - atualmente, superior a R$ 100 bilhões -, com embasamento em uma Ação Cível Originária de 2012, que foi reforçada após as cheias que atingiram o RS em maio do ano passado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lamachia detalha as tratativas junto ao Supremo Tribunal Federal na questão da dívida do Rio Grande do Sul - a qual considera “ilegal, imoral e nefasta pros interesses” do Estado -, avalia a gestão anterior e a atual conjuntura jurídica do Brasil. O presidente da OAB-RS ainda defende a prerrogativa advocatícia da sustentação oral e critica a reforma tributária. Ele também analisa como muito difícil, mas não impossível, a possibilidade de, no futuro, assumir a Ordem em nível nacional assim como seu irmão, Claudio Lamachia, que foi o único presidente gaúcho na história da entidade.
Jornal do Comércio - Qual o balanço que fazes da gestão anterior?
Leonardo Lamachia - Esse balanço eu faço com muita satisfação, na medida em que nós tivemos a maior votação da história e vitória nas 107 subseções - nós ganhamos em todas. E eu recolho esse resultado das urnas como um reconhecimento que a advocacia gaúcha fez ao nosso trabalho. Uma gestão que foi muito dinâmica, muito aguerrida, com muitas entregas concretas, e essa eu destacaria que é uma marca da nossa gestão, que são as entregas concretas. Nós criamos programas de estruturantes para jovem advocacia e para mulher advogada. Nós tivemos uma atuação concreta na advocacia dativa, e aumentamos em 103% em média a tabela da advocacia dativa, e conseguimos sair de um orçamento de R$ 500 mil para R$ 14 milhões. A presença junto à advocacia, tanto da Capital quanto do interior. A presença no interior foi muito referida, mas na Capital também. Eu fui muito nas delegacias, eu fui muito nos foros, eu fui a muitas reuniões nos tribunais. Só com a Corregedoria-Geral da Justiça, eu, pessoalmente, fiz mais de 100 reuniões. Então, a presença é outra marca. Defesa de prerrogativas foi outra marca, e batemos o recorde no número de desagravos públicos realizados. Eu acho que é um balanço extremamente positivo desses três anos de gestão, e isso foi reconhecido pelas urnas.
JC – E quais as prioridades para esta nova gestão que está começando?
Lamachia - Eu acho que um dos principais temas que nós estamos tratando é a defesa da sustentação oral, que foi uma pauta que iniciou aqui no Rio Grande do Sul e que se nacionalizou. Então, o tema da sustentação eu acho que é bem relevante. Nós teremos que debater muito o tema da inteligência artificial, e esse é o outro item que vai estar na nossa pauta nesses três anos. Vamos seguir com uma defesa muito firme das prerrogativas. O projeto de lei que isenta custas na execução de honorários de sucumbência é uma pauta também dessa gestão, e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa o projeto de lei que isenta às custas dos honorários foi aprovado hoje na CCJ. Eproc, e as melhorias no sistema de processo eletrônico, é um outro item que vai estar na nossa pauta permanente. E melhorias, como um todo, na prestação jurisdicional, ou seja, medidas que nós possamos buscar e que signifiquem maior celeridade no andamento dos processos.
JC – Elabore esta defesa da sustentação oral:
Lamachia - Eu começaria dizendo o seguinte: uma advogada ou um advogado tem duas ferramentas de trabalho, que são a escrita e a palavra. Estão tentando nos retirar uma delas. O que esta resolução do CNJ diz? Em um dos seus dispositivos, ela diz que cabe ao relator a decisão de manter ou retirar o processo do plenário virtual, e é em relação a isso a nossa contrariedade. Por quê? Porque o plenário virtual, ele é uma boa ferramenta, desde que seja uma opção da parte representada pela sua advogada ou seu advogado. Então, além de ser uma prerrogativa nossa fazer o direito à sustentação oral, e esta prerrogativa está na nossa lei federal e está no próprio Código de Processo Civil, que faz 10 anos esse ano - o código é de 2015. Além de estar este direito garantido para advocacia e para parte no CPC, no Código de Processo Civil (CPC) e na nossa lei federal, a sustentação oral é mais do que isso. Ela é a materialização dos princípios de acesso à justiça e de ampla defesa, porque é a voz do cidadão no tribunal. Então, nós reputamos como gravíssima essa restrição e entendemos que nós não podemos, em nome da celeridade, restringir um direito desta natureza, desta importância para o jurisdicionado, para o cidadão e para a advocacia.
JC – E o que a OAB gaúcha está fazendo e pretende fazer para reverter este cenário?
Lamachia - Eu estive reunido com o ministro (do STF) Luís Roberto Barroso em Brasília, quando externei a posição da OAB do Rio Grande do Sul. Nós já peticionamos junto com o CNJ. Fizemos um grande ato público, que deu o tom também da nossa gestão, mais de 500 pessoas. E, deste ato público, nós extraímos uma carta aberta com dezenas de entidades da sociedade civil, que nós já protocolamos nos tribunais. E agora nós iniciamos um debate com os tribunais, no sentido de que eles não façam nenhuma implementação antes de nós conseguirmos ampliar esse debate. E o TJ, eu saúdo a decisão do TJ, já prorrogou o prazo de implementação, para que haja um amplo e um maior debate sobre o tema.
JC – No discurso de posse da reeleição, o senhor disse “ditadura nunca mais, nem a do fuzil, nem a da toga”. O que quis dizer com isso?
Lamachia - Eu quis dizer que a OAB do Rio Grande do Sul fez uma defesa integral da democracia. Quando ocorreram iniciativas de golpe militar, de implantação de uma ditadura, de rompimento da Constituição, nós dissemos: não. Porque o único caminho para uma sociedade ter prosperidade, paz e desenvolvimento é o caminho da democracia. Mas nós também repudiamos os excessos que foram e que estão sendo praticados pelo Supremo Tribunal Federal. Em algumas decisões, em especial no inquérito 4781, que é batizado de inquérito do fim do mundo, e que viola o devido processo legal e que, portanto, também se reveste num atentado ao Estado de Direito e à democracia. A Suprema Corte do País, que tem a função precípua de guardar a Constituição, de fazer valer a Constituição, quando ela viola a Constituição, isto é de uma gravidade, em relação ao Estado de Direito e à democracia, muito significativa. Por isso que eu quis dizer nenhum tipo de rompimento à Constituição, nem pela violência e pelo fuzil, e nem por decisões judiciais, que são flagrantemente inconstitucionais.
JC – Como avalia o atual cenário do STF no Brasil?
Lamachia - A nossa posição e a minha posição é que nós temos que ter pleno respeito à instituição Suprema Corte, que a Suprema Corte é fundamental para a manutenção da democracia, e exatamente visando a defesa da instituição Suprema Corte é que nós temos feito críticas quando ela está cometendo excessos. Agora, fazer uma avaliação macro é muito difícil, porque, como qualquer instituição, ela tem acertos e erros. O que se vê nos últimos anos em relação à Suprema Corte é um excesso de decisões dentre as quais muitas são classificadas como ativismo judicial. Por que isso tem acontecido? O poder judiciário não se manifesta se ele não for provocado, exceto no inquérito 4781, porque ali existem decisões de ofício. Mas tirando o 4781, a Suprema Corte, ela só se manifesta quando é provocada. O que tem acontecido nos últimos anos? Ela tem sido muito provocada por ações diretas de constitucionalidade, inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental, que é uma outra espécie de ação constitucional. E o que se verifica olhando os números? Houve um crescimento imenso do ajuizamento e do recebimento de ADPFs (Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental) nos últimos anos. O que eu quero dizer com isso? Que a Suprema Corte ampliou o seu entendimento, que antes era mais restrito para receber uma ADPF, e hoje esse entendimento está mais alargado. Então, a Suprema Corte está deixando que ela seja provocada. Me parece que essa é uma das principais causas de hoje a Suprema Corte estar atuando em tantos temas, que às vezes são de competência do Parlamento. Nós verificamos muitas vezes um debate no Parlamento, e um determinado partido ou uma determinada ideologia ali é derrotada, e leva o tema ao Supremo. Então, eu penso que aí é que tem que ser feito um debate técnico, distante das posições políticas ideológicas, um debate isento sobre quais as causas que estão levando a Suprema Corte a tomar tantas decisões em tantos temas distintos. Me parece que esse alargamento que a jurisprudência do Supremo fez em relação a recebimento de ADPFs é uma dessas causas.
JC - Após as cheias que atingiram o Rio Grande do Sul em maio passado, a OAB gaúcha reforçou a Ação Cível Originária (ACO) que contesta a dívida do Estado com a União. Ainda está pujante o debate de extinção da dívida?
Lamachia - A ACO 2059 foi ajuizada pelo presidente Cláudio Lamachia, em 2012, que teve essa visão na época. É uma dívida ilegal, imoral e nefasta pros interesses do Rio Grande do Sul. Ainda existe sim o debate. Nós, inclusive, tivemos uma reunião interna na OAB para debater a nossa estratégia em relação aos próximos passos desta ação. Nós acreditamos que não é fácil nós termos uma decisão positiva, porque diversos outros estados têm dívidas muito significativas também, então o impacto de uma decisão para o Rio Grande do Sul poderia ser usado por outros estados. Mas, por outro lado, nós estamos argumentando com o Supremo de que nenhum outro estado da Federação teve a maior tragédia climática da história do Brasil. E nós juntamos, inclusive, para o ministro (Luiz) Fux na última audiência, um documento do Conselho da República, que é um órgão institucional onde participam ministros de Estado e o presidente da República, e este documento no seu último artigo diz que o Rio Grande do Sul, em razão do que ocorreu da catástrofe climática, merece tratamento específico da União Federal em suas demandas. Isso está escrito neste documento. Bom, se nós temos um documento de um órgão formal da União Federal, chamado Conselho da República, um órgão que tem peso, e se este Conselho diz que o Rio Grande do Sul precisa de um tratamento específico, nós entendemos que o nosso processo deve ser analisado pelo Supremo à luz desta especificidade. Os outros estados usam argumentos parecidos com os nossos, mas nós temos um outro argumento a mais a partir da catástrofe, que é o da teoria da imprevisão. Nós tivemos um fato imprevisível que desequilibrou a relação contratual e a capacidade de pagamento do Estado. Então, nós estamos também pedindo que seja reconhecida pelo Supremo a teoria da imprevisão contratual e isso poderia significar a extinção parcial ou total da dívida, se reconhecido o desequilíbrio econômico financeiro do contrato.
JC - Além da questão das cheias, que pontos na ACO indicam que o RS praticamente já pagou a dívida?
Lamachia - Nós temos a aplicação de encargos, que são considerados, por nós, ilegais, entre eles, o juro capitalizado, os juros compostos, a Tabela Price, e isso tudo foi demonstrado na perícia que o Supremo designou. Não é na nossa perícia particular apenas. Nós temos a nossa perícia particular que dá os três cenários. Um dos cenários fica uma dívida de R$ 12 bilhões, no cenário intermediário de R$ 2 bilhões e, no melhor cenário, nós passamos a ser credores. Mas a perícia do Supremo, ela não fala em valores, mas ela aponta que os índices de correção que nós inquinamos de ilegais, todos estão presentes na atualização do débito. Então, se o plenário do Supremo disser “a tese está correta, os índices são ilegais”, isso derruba o valor da dívida. Porque a perícia do Supremo já disse, “esses índices aqui foram aplicados para corrigir”.
JC – A posição da OAB gaúcha, portanto, é pelo abatimento da dívida?
Lamachia - A nossa posição é pela quitação integral da dívida.
JC – O senhor se posicionou contrário à reforma tributária. Por quê?
Lamachia - Eu achei a reforma tributária açodada, inoportuna e com um resultado final péssimo para a sociedade e péssimo para os municípios. E pior, uma reforma tributária que foi propalada, que foi propagandeada como a simplificação do sistema, e que, pelo que nós estamos analisando até agora, não simplificou em absolutamente nada.
JC – Que pontos negativos destaca?
Lamachia - A criação desses dois grandes tributos, vários outros tributos foram concentrados em dois grandes tributos, no IBS e na CBS, mas os critérios de distribuição desses tributos, da forma de cobrança, vão ser extremamente mais complexos do que aqueles outros tributos.
JC – Seu irmão, Claudio Lamachia, foi o primeiro gaúcho a presidir a OAB Nacional. Pretende, no futuro, seguir os passos dele?
Lamachia - Primeiro, eu tenho um orgulho enorme da trajetória do Cláudio. Assim, é muito difícil isso acontecer, porque demorou 90 anos para um gaúcho chegar lá. Então, realmente é uma tarefa muito difícil. Eu não diria nem que é um sonho e nem que eu não penso nisso. O meu foco hoje é na OAB do Rio Grande do Sul, todas as minhas energias estão voltadas para fazer uma grande gestão aqui e, quem sabe daqui a 3 anos, a gente possa ter uma oportunidade de tentar uma presidência nacional. Seria acho que muito bom para o Estado, nós termos um segundo gaúcho lá, e para mim, em especial, seria um orgulho redobrado, não só pelo presidente Cláudio Lamachia ter chegado onde chegou, mas pela gestão que ele fez, porque eu acho que ele teve a gestão mais desafiadora de todos os tempos.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lamachia detalha as tratativas junto ao Supremo Tribunal Federal na questão da dívida do Rio Grande do Sul - a qual considera “ilegal, imoral e nefasta pros interesses” do Estado -, avalia a gestão anterior e a atual conjuntura jurídica do Brasil. O presidente da OAB-RS ainda defende a prerrogativa advocatícia da sustentação oral e critica a reforma tributária. Ele também analisa como muito difícil, mas não impossível, a possibilidade de, no futuro, assumir a Ordem em nível nacional assim como seu irmão, Claudio Lamachia, que foi o único presidente gaúcho na história da entidade.
Jornal do Comércio - Qual o balanço que fazes da gestão anterior?
Leonardo Lamachia - Esse balanço eu faço com muita satisfação, na medida em que nós tivemos a maior votação da história e vitória nas 107 subseções - nós ganhamos em todas. E eu recolho esse resultado das urnas como um reconhecimento que a advocacia gaúcha fez ao nosso trabalho. Uma gestão que foi muito dinâmica, muito aguerrida, com muitas entregas concretas, e essa eu destacaria que é uma marca da nossa gestão, que são as entregas concretas. Nós criamos programas de estruturantes para jovem advocacia e para mulher advogada. Nós tivemos uma atuação concreta na advocacia dativa, e aumentamos em 103% em média a tabela da advocacia dativa, e conseguimos sair de um orçamento de R$ 500 mil para R$ 14 milhões. A presença junto à advocacia, tanto da Capital quanto do interior. A presença no interior foi muito referida, mas na Capital também. Eu fui muito nas delegacias, eu fui muito nos foros, eu fui a muitas reuniões nos tribunais. Só com a Corregedoria-Geral da Justiça, eu, pessoalmente, fiz mais de 100 reuniões. Então, a presença é outra marca. Defesa de prerrogativas foi outra marca, e batemos o recorde no número de desagravos públicos realizados. Eu acho que é um balanço extremamente positivo desses três anos de gestão, e isso foi reconhecido pelas urnas.
JC – E quais as prioridades para esta nova gestão que está começando?
Lamachia - Eu acho que um dos principais temas que nós estamos tratando é a defesa da sustentação oral, que foi uma pauta que iniciou aqui no Rio Grande do Sul e que se nacionalizou. Então, o tema da sustentação eu acho que é bem relevante. Nós teremos que debater muito o tema da inteligência artificial, e esse é o outro item que vai estar na nossa pauta nesses três anos. Vamos seguir com uma defesa muito firme das prerrogativas. O projeto de lei que isenta custas na execução de honorários de sucumbência é uma pauta também dessa gestão, e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa o projeto de lei que isenta às custas dos honorários foi aprovado hoje na CCJ. Eproc, e as melhorias no sistema de processo eletrônico, é um outro item que vai estar na nossa pauta permanente. E melhorias, como um todo, na prestação jurisdicional, ou seja, medidas que nós possamos buscar e que signifiquem maior celeridade no andamento dos processos.
JC – Elabore esta defesa da sustentação oral:
Lamachia - Eu começaria dizendo o seguinte: uma advogada ou um advogado tem duas ferramentas de trabalho, que são a escrita e a palavra. Estão tentando nos retirar uma delas. O que esta resolução do CNJ diz? Em um dos seus dispositivos, ela diz que cabe ao relator a decisão de manter ou retirar o processo do plenário virtual, e é em relação a isso a nossa contrariedade. Por quê? Porque o plenário virtual, ele é uma boa ferramenta, desde que seja uma opção da parte representada pela sua advogada ou seu advogado. Então, além de ser uma prerrogativa nossa fazer o direito à sustentação oral, e esta prerrogativa está na nossa lei federal e está no próprio Código de Processo Civil, que faz 10 anos esse ano - o código é de 2015. Além de estar este direito garantido para advocacia e para parte no CPC, no Código de Processo Civil (CPC) e na nossa lei federal, a sustentação oral é mais do que isso. Ela é a materialização dos princípios de acesso à justiça e de ampla defesa, porque é a voz do cidadão no tribunal. Então, nós reputamos como gravíssima essa restrição e entendemos que nós não podemos, em nome da celeridade, restringir um direito desta natureza, desta importância para o jurisdicionado, para o cidadão e para a advocacia.
JC – E o que a OAB gaúcha está fazendo e pretende fazer para reverter este cenário?
Lamachia - Eu estive reunido com o ministro (do STF) Luís Roberto Barroso em Brasília, quando externei a posição da OAB do Rio Grande do Sul. Nós já peticionamos junto com o CNJ. Fizemos um grande ato público, que deu o tom também da nossa gestão, mais de 500 pessoas. E, deste ato público, nós extraímos uma carta aberta com dezenas de entidades da sociedade civil, que nós já protocolamos nos tribunais. E agora nós iniciamos um debate com os tribunais, no sentido de que eles não façam nenhuma implementação antes de nós conseguirmos ampliar esse debate. E o TJ, eu saúdo a decisão do TJ, já prorrogou o prazo de implementação, para que haja um amplo e um maior debate sobre o tema.
JC – No discurso de posse da reeleição, o senhor disse “ditadura nunca mais, nem a do fuzil, nem a da toga”. O que quis dizer com isso?
Lamachia - Eu quis dizer que a OAB do Rio Grande do Sul fez uma defesa integral da democracia. Quando ocorreram iniciativas de golpe militar, de implantação de uma ditadura, de rompimento da Constituição, nós dissemos: não. Porque o único caminho para uma sociedade ter prosperidade, paz e desenvolvimento é o caminho da democracia. Mas nós também repudiamos os excessos que foram e que estão sendo praticados pelo Supremo Tribunal Federal. Em algumas decisões, em especial no inquérito 4781, que é batizado de inquérito do fim do mundo, e que viola o devido processo legal e que, portanto, também se reveste num atentado ao Estado de Direito e à democracia. A Suprema Corte do País, que tem a função precípua de guardar a Constituição, de fazer valer a Constituição, quando ela viola a Constituição, isto é de uma gravidade, em relação ao Estado de Direito e à democracia, muito significativa. Por isso que eu quis dizer nenhum tipo de rompimento à Constituição, nem pela violência e pelo fuzil, e nem por decisões judiciais, que são flagrantemente inconstitucionais.
JC – Como avalia o atual cenário do STF no Brasil?
Lamachia - A nossa posição e a minha posição é que nós temos que ter pleno respeito à instituição Suprema Corte, que a Suprema Corte é fundamental para a manutenção da democracia, e exatamente visando a defesa da instituição Suprema Corte é que nós temos feito críticas quando ela está cometendo excessos. Agora, fazer uma avaliação macro é muito difícil, porque, como qualquer instituição, ela tem acertos e erros. O que se vê nos últimos anos em relação à Suprema Corte é um excesso de decisões dentre as quais muitas são classificadas como ativismo judicial. Por que isso tem acontecido? O poder judiciário não se manifesta se ele não for provocado, exceto no inquérito 4781, porque ali existem decisões de ofício. Mas tirando o 4781, a Suprema Corte, ela só se manifesta quando é provocada. O que tem acontecido nos últimos anos? Ela tem sido muito provocada por ações diretas de constitucionalidade, inconstitucionalidade e arguições de descumprimento de preceito fundamental, que é uma outra espécie de ação constitucional. E o que se verifica olhando os números? Houve um crescimento imenso do ajuizamento e do recebimento de ADPFs (Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental) nos últimos anos. O que eu quero dizer com isso? Que a Suprema Corte ampliou o seu entendimento, que antes era mais restrito para receber uma ADPF, e hoje esse entendimento está mais alargado. Então, a Suprema Corte está deixando que ela seja provocada. Me parece que essa é uma das principais causas de hoje a Suprema Corte estar atuando em tantos temas, que às vezes são de competência do Parlamento. Nós verificamos muitas vezes um debate no Parlamento, e um determinado partido ou uma determinada ideologia ali é derrotada, e leva o tema ao Supremo. Então, eu penso que aí é que tem que ser feito um debate técnico, distante das posições políticas ideológicas, um debate isento sobre quais as causas que estão levando a Suprema Corte a tomar tantas decisões em tantos temas distintos. Me parece que esse alargamento que a jurisprudência do Supremo fez em relação a recebimento de ADPFs é uma dessas causas.
JC - Após as cheias que atingiram o Rio Grande do Sul em maio passado, a OAB gaúcha reforçou a Ação Cível Originária (ACO) que contesta a dívida do Estado com a União. Ainda está pujante o debate de extinção da dívida?
Lamachia - A ACO 2059 foi ajuizada pelo presidente Cláudio Lamachia, em 2012, que teve essa visão na época. É uma dívida ilegal, imoral e nefasta pros interesses do Rio Grande do Sul. Ainda existe sim o debate. Nós, inclusive, tivemos uma reunião interna na OAB para debater a nossa estratégia em relação aos próximos passos desta ação. Nós acreditamos que não é fácil nós termos uma decisão positiva, porque diversos outros estados têm dívidas muito significativas também, então o impacto de uma decisão para o Rio Grande do Sul poderia ser usado por outros estados. Mas, por outro lado, nós estamos argumentando com o Supremo de que nenhum outro estado da Federação teve a maior tragédia climática da história do Brasil. E nós juntamos, inclusive, para o ministro (Luiz) Fux na última audiência, um documento do Conselho da República, que é um órgão institucional onde participam ministros de Estado e o presidente da República, e este documento no seu último artigo diz que o Rio Grande do Sul, em razão do que ocorreu da catástrofe climática, merece tratamento específico da União Federal em suas demandas. Isso está escrito neste documento. Bom, se nós temos um documento de um órgão formal da União Federal, chamado Conselho da República, um órgão que tem peso, e se este Conselho diz que o Rio Grande do Sul precisa de um tratamento específico, nós entendemos que o nosso processo deve ser analisado pelo Supremo à luz desta especificidade. Os outros estados usam argumentos parecidos com os nossos, mas nós temos um outro argumento a mais a partir da catástrofe, que é o da teoria da imprevisão. Nós tivemos um fato imprevisível que desequilibrou a relação contratual e a capacidade de pagamento do Estado. Então, nós estamos também pedindo que seja reconhecida pelo Supremo a teoria da imprevisão contratual e isso poderia significar a extinção parcial ou total da dívida, se reconhecido o desequilíbrio econômico financeiro do contrato.
JC - Além da questão das cheias, que pontos na ACO indicam que o RS praticamente já pagou a dívida?
Lamachia - Nós temos a aplicação de encargos, que são considerados, por nós, ilegais, entre eles, o juro capitalizado, os juros compostos, a Tabela Price, e isso tudo foi demonstrado na perícia que o Supremo designou. Não é na nossa perícia particular apenas. Nós temos a nossa perícia particular que dá os três cenários. Um dos cenários fica uma dívida de R$ 12 bilhões, no cenário intermediário de R$ 2 bilhões e, no melhor cenário, nós passamos a ser credores. Mas a perícia do Supremo, ela não fala em valores, mas ela aponta que os índices de correção que nós inquinamos de ilegais, todos estão presentes na atualização do débito. Então, se o plenário do Supremo disser “a tese está correta, os índices são ilegais”, isso derruba o valor da dívida. Porque a perícia do Supremo já disse, “esses índices aqui foram aplicados para corrigir”.
JC – A posição da OAB gaúcha, portanto, é pelo abatimento da dívida?
Lamachia - A nossa posição é pela quitação integral da dívida.
JC – O senhor se posicionou contrário à reforma tributária. Por quê?
Lamachia - Eu achei a reforma tributária açodada, inoportuna e com um resultado final péssimo para a sociedade e péssimo para os municípios. E pior, uma reforma tributária que foi propalada, que foi propagandeada como a simplificação do sistema, e que, pelo que nós estamos analisando até agora, não simplificou em absolutamente nada.
JC – Que pontos negativos destaca?
Lamachia - A criação desses dois grandes tributos, vários outros tributos foram concentrados em dois grandes tributos, no IBS e na CBS, mas os critérios de distribuição desses tributos, da forma de cobrança, vão ser extremamente mais complexos do que aqueles outros tributos.
JC – Seu irmão, Claudio Lamachia, foi o primeiro gaúcho a presidir a OAB Nacional. Pretende, no futuro, seguir os passos dele?
Lamachia - Primeiro, eu tenho um orgulho enorme da trajetória do Cláudio. Assim, é muito difícil isso acontecer, porque demorou 90 anos para um gaúcho chegar lá. Então, realmente é uma tarefa muito difícil. Eu não diria nem que é um sonho e nem que eu não penso nisso. O meu foco hoje é na OAB do Rio Grande do Sul, todas as minhas energias estão voltadas para fazer uma grande gestão aqui e, quem sabe daqui a 3 anos, a gente possa ter uma oportunidade de tentar uma presidência nacional. Seria acho que muito bom para o Estado, nós termos um segundo gaúcho lá, e para mim, em especial, seria um orgulho redobrado, não só pelo presidente Cláudio Lamachia ter chegado onde chegou, mas pela gestão que ele fez, porque eu acho que ele teve a gestão mais desafiadora de todos os tempos.
Perfil
Leonardo Lamachia nasceu em Porto Alegre, em 1975. Advogado, formado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1999, é sócio do escritório de advocacia Lamachia Advogados Associados. Ele foi eleito pela primeira vez para presidir a OAB/RS em 2021. Em 2024, foi reeleito com 77% dos votos válidos para o triênio 2025-2027. Lamachia também foi vice-presidente do Instituto dos Advogados do RS e conselheiro estadual da OAB/RS, além de presidir o Fórum dos Conselhos Regionais e Ordens das Profissões Regulamentadas do Rio Grande do Sul.