Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre desde março de 2023, Júlia Evangelista Tavares destaca o foco da pasta de atrair novos negócios para a cidade e potencializar as capacidades turísticas da Capital. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, aborda os avanços e os desafios de sua gestão à frente da secretaria, com as dificuldades para trazer investimentos ao município acentuadas pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio de 2024.
A atual secretária revela a tendência de não continuar na pasta no próximo ano, em que se inicia o segundo mandato do prefeito Sebastião Melo (MDB) em Porto Alegre. Ainda assim, detalha os processos para elaboração da próxima edição do South Summit, em abril, e fala das obras de infraestrutura que ainda precisam ser realizadas, principalmente após os danos causados pela catástrofe climática.
Quanto ao turismo, o principal objetivo elencado pela secretária é de reter na Capital turistas com destino à Serra gaúcha. Neste sentido, as apostas são na promoção de Porto Alegre como cidade de eventos, na potencialização de opções de lazer e na inclusão do município em roteiros de operadoras de viagens.
Jornal do Comércio - Continuará na secretaria na próxima gestão? Como estão as tratativas junto ao prefeito?
Júlia Evangelista Tavares - Na verdade, até o dia 15 de dezembro o Escritório de Transição está estudando os novos nomes, e não tem nada certo ainda. Só tem um secretário que foi anunciado, que foi a Educação, o (Leonardo) Pascoal (PL), mas, a princípio, os secretários serão anunciados até o dia 15 de dezembro.
JC - Da sua parte, há interesse em seguir na pasta?
Júlia - Assim, vai ter bastante mudança, também porque mudou o vice. Então ainda está bem, assim, bem em tratativas mesmo, mas eu acredito que não.
JC - Qual o balanço das ações realizadas na secretaria neste período de quase dois anos que está à frente da pasta?
Júlia - Acho que a gente teve, na gestão como um todo, um novo posicionamento de Porto Alegre. A gente foi, no ano passado, considerado o melhor ambiente de negócios do Brasil pelo Ministério da Economia. Então, realmente, Porto Alegre se consolidar como uma cidade atrativa para investimentos, com diminuição de tributos, valorização do empreendedorismo, valorização, realmente, de quem produz, diminuindo qualquer burocracia e amarras possíveis.
JC - O prefeito Melo sempre enfatiza o objetivo de atração de negócios para a Capital. Como a secretaria atuou neste sentido?
Júlia - A gente passou por uma pandemia e por uma enchente. Foram dois desafios hercúleos, mas acho que Porto Alegre está bem posicionada, a gente já recuperou o saldo de empregos - os perdidos nas enchentes foram recuperados já em setembro. Então, a economia da cidade já voltou a rodar quatro meses pós-enchentes, e nas nossas previsões a gente acreditava que voltaria só no final deste ano. A gente conseguiu voltar antes. Essa é uma cidade que está prosperando, a gente tem uma significativa abertura de novos negócios, de formalização dos MEIs. A gente trabalhou bastante na redução de impostos, foram 62 atividades com impostos reduzidos, o que mostra como setor de eventos, que a gente baixou o imposto e aumentou a arrecadação, aumentou o número de eventos licenciados na cidade. Então, a gente trabalhou durante todo esse período de quatro anos essa questão de fomento à atividade econômica, fomento ao empreendedorismo, tentar diminuir o maior número de burocracias possíveis para fazer com que o empreendedorismo seja realmente o motor da cidade, do cidadão.
JC - E como as enchentes e o receio da ocorrência de novos eventos parecidos impactaram na atração de negócios?
Júlia - A gente teve 45 mil empresas atingidas pela mancha de inundação, mas eu ouso dizer que todas as empresas da cidade de Porto Alegre foram atingidas, ou com falta de luz, de água, ou a questão da mão de obra que não chegava. Então, a gente teve uma cidade que foi bem afetada durante todo o mês de maio, mas que, de forma geral, já conseguiu se recuperar. Claro que tem áreas como Quarto Distrito, Sarandi que têm uma recuperação um pouco mais lenta porque tiveram perdas estruturais. Mas qualquer programa de aceleração de investimento, de fomento ao empreendedorismo na cidade de Porto Alegre e no estado do Rio Grande do Sul, precisa passar por uma segurança ao empreendedor e ao cidadão de que uma enchente como essa não vai ocorrer. Então, a gente precisa trabalhar a infraestrutura, as dragagens, as obras de drenagem, a questão dos diques, e isso está sendo feito. Isso é um trabalho de médio prazo, mas não adianta a gente baixar todos os impostos, ter uma mão de obra qualificada, se a gente tiver sempre esse risco de algo nesse sentido acontecer.
JC - Desde 2022, Porto Alegre recebe o South Summit. Qual a importância econômica deste evento para a cidade?
Júlia - O South Summit eu acho que consolidou Porto Alegre como uma cidade de grandes eventos, uma cidade aberta para inovação. A gente teve 24 mil inscritos nessa edição de 2024, e cerca de 40% do público vindo de fora do Estado. Então, é um público que busca hotelaria, que busca restaurante, que movimenta toda a cadeia. A gente teve nos dias de South Summit uma ocupação hoteleira de quase 100%. E a gente contratou os dados de movimentação econômica também. O South Summit movimenta na cidade mais de R$ 88 milhões. É um evento realmente que traz muito dinheiro novo para a cidade, que traz movimentação econômica em peso. A gente vai ter agora a quarta edição do evento. Tem o desafio, porque ele continua sendo no Cais (Mauá), e tem a questão de melhorias ali no Cais a serem feitas. A gente está também trabalhando para fazer uma parte do evento na Usina do Gasômetro, que já vai ter reinaugurado até lá. Então, agregando mais esse ponto, que é icônico da cidade e turístico também, para a gente ter no South Summit. E é um evento já consolidado, já com inscrições abertas, com uma boa taxa de inscrição, boa taxa de empresas também, que trabalham em startups, que querem participar do evento. Eventos como esse, eles só agregam para a cidade de Porto Alegre. Nosso desafio é trazer o maior número desses eventos possíveis.
JC - Eventos como esse ajudam, de certa forma, a manter na Capital os turistas com destino à Serra gaúcha. Como avalia?
Júlia - Esse é o grande desafio, porque a pasta pega desenvolvimento econômico e turismo, entendendo que o turismo é uma base do desenvolvimento econômico da cidade. Então, a gente tem, hoje, no turismo, cerca de 10% do PIB, e um a cada oito empregos. Então, ele realmente é um motor econômico interessante para a cidade. Ele é um fator de desenvolvimento econômico, e a gente acredita que aqui é a possibilidade que a gente tem de crescimento mais rápido, porque a gente já tem 10 milhões de turistas em Gramado e muitos desses passam pelo Salgado Filho. O nosso desafio é conseguir reter. Todos os dias as pessoas me perguntam: 'Julia, como é que a gente vai fazer para reter o turista que vai para Gramado e não fica em Porto Alegre?'. E aí tem duas coisas. Porto Alegre sempre foi referência em turismo de eventos - eventos corporativos, congressos técnicos, médicos, enfim. A gente tem um centro de eventos como a Fiergs, super bem equipado, e estamos em projeto do centro de eventos na Orla 2, que vai ter um centro de eventos totalmente novo, moderno, com os melhores padrões internacionais. E Porto Alegre tem essa vocação de atrair grandes eventos. O que acontece? Essas pessoas que vêm para eventos técnicos, às vezes elas dão uma escapada para a Serra, elas trazem a esposa, o marido, os filhos, enfim. E a gente tem outro perfil, que é o turismo de lazer, que é o que vai direto para a Serra, que é principalmente quem compra por operadoras (de viagens) e vai direto para a Serra, em um pacote de 5, 6, 7 dias. E isso é o turismo de lazer que a gente está trabalhando a partir de agora. A gente recebeu em março a convenção da CVC em Porto Alegre, que é a maior operadora de turismo do Brasil - coloca mais de 200 mil pessoas em Gramado por ano. Então, a gente tem trabalhado de dentro dos pacotes da CVC e de outras operadoras, vender Porto Alegre junto. Então, desde junho, a CVC tem um receptivo em Porto Alegre, em que ela consegue colocar, dentro dos pacotes da Serra, Porto Alegre com suas atividades também. Só que aconteceram as enchentes. Então, eles entraram em junho, e junho não tinha o aeroporto, a gente reabriu o aeroporto agora em outubro, com a retomada só em dezembro. Então, o ano que vem vai ser de consolidação de Porto Alegre como destino, em função da retomada do aeroporto, muita remarcação, enfim. A gente tem o desafio de fazer com que as pessoas venham para a cidade, e não achem que a cidade é destruída, que não tem aeroporto, que não tem nada para fazer porque tudo foi destruído. Acho que o nosso grande desafio agora é promoção turística. É convencer as pessoas a virem para a cidade porque ela tem plenas condições de receber.
JC - Porto Alegre vem avançando na promoção de espaços de lazer, com opções gastronômicas, a própria Orla do Guaíba. Como potencializar ainda mais isso?
Júlia - A gente tem um desafio, porque as enchentes atingiram a infraestrutura turística da cidade. Elas atingiram a Orla, atingiram o (Cais) Embarcadeiro, a rota cervejeira, os acessos, a infraestrutura, o aeroporto. Então é diferente de Gramado que chegou à estrada, fizeram, de alguma forma provisória e a cidade está com pleno acesso. Aqui, a infraestrutura turística foi prejudicada, e esse foi o nosso grande desafio, e por isso que a nossa retomada é um pouco mais devagar. Então, a gente teve agora na semana passada o Embarcadeiro reabrindo, a Orla 3 já pronta, a Orla 1 em reforma, as cervejarias se reorganizando pós-enchente. Mas o nosso desafio é realmente conseguir entender que um empreendedor porto-alegrense entenda a vocação turística da cidade, que ele consiga modelar produtos para as operadoras, para as agências de viagem venderem. A gente está trabalhando em parceria com o Sebrae com isso, fazendo pacotes, fazendo produtos nas cervejarias, nas vinícolas urbanas também. Porto Alegre tem quatro vinícolas urbanas espalhadas pela cidade, e também nas churrascarias, entendendo que a gastronomia é um ponto importante de potencialização do turismo, de chamariz para o turismo. A gente tem trabalhado muito com essa questão da Capital Mundial do Churrasco, da Capital Trilegal da Cerveja, da gente realmente atrair as pessoas para a cidade, até o porto-alegrense, para que ele experimente os produtos que a gente tem aqui.
JC - Quanto ao Cais Mauá, o que ainda precisa ser feito para receber o South Summit em abril de 2025?
Júlia - Vão ter que fazer uma obra, porque pela velocidade das águas alguns dos portões também caíram. Mas aquele espaço é do governo do Estado, então o South Summit e a empresa, a Farol, vão fazer as adequações para conseguir receber o evento. Mas o evento está confirmado lá e a nossa ideia é plugar a Usina do Gasômetro, para que a gente tenha o Cais, o Embarcadeiro, que está todo revitalizado, e chegando à Usina para ter uma atmosfera de evento.
JC - A próxima edição terá o tema da resiliência climática, tendo as enchentes certamente motivado isso. O que esperar?
Júlia - Eu acho que essa próxima edição do South Summit vai ser uma edição da gente comprovar a capacidade de Porto Alegre de ser resiliente, mas também de ser uma cidade promotora de grandes eventos. A gente vai para a quarta edição do evento, então é um evento que se consolida. Como eu disse, 40% do público vem fora de Porto Alegre, então é um evento que ele atrai mídia nacional e internacional. Então acho que o nosso desafio é de mostrar que a cidade está pronta para receber esse tipo de evento. Então acho que é um evento bem de consolidação. A própria Maratona também, que era sempre em junho, ela foi adiada para setembro esse ano por causa das enchentes, e ela teve o maior número de inscritos, mesmo com a data remarcada. Mesmo sem aeroporto, a gente teve pessoas de 19 países. Então no ano que vem, um ano de normalidade, a gente espera que tenha mais atletas ainda, de uma nacionalidade maior de países, para a gente realmente consolidar e atrair esse turista para Porto Alegre, que tem essa vocação. É uma vocação da cidade de para eventos esportivos, a gente recebe bastante eventos nesse sentido. É uma cidade que tem uma orla toda revitalizada. Então quem conhece Porto Alegre, veio a Porto Alegre há 10 anos, encontrou hoje outra cidade. E a gente precisa conseguir mostrar isso.
JC - A secretaria abriu um edital para contratação de empresa para promover o turismo da Capital. Como está este processo e quais os objetivos?
Júlia - O nosso grande desafio mesmo agora é promoção turística. É mostrar que a cidade está pronta para receber, e o que a gente tem de produto turístico. Por que vale a pena as pessoas virem antes para Porto Alegre e depois ir para a Serra? Ou por que vale a pena só vir a Porto Alegre? Ou, quem vem a um evento, que fique 2 ou 3 dias para passar o final de semana aqui. Então o nosso foco tem sido a promoção turística. Esse edital está em aberto ainda, recebendo propostas, já recebemos mais de uma proposta. Mas a ideia é que a gente use as entidades, as ONGs, enfim, as OSCs, para nos ajudarem a promover a cidade. Porque a gente tem uma cidade com uma gastronomia muito forte, como eu disse, a gente tem trabalhado bastante na questão da qualificação e formação de produtos de gastronomia, mas também tem a infraestrutura de Orla. É uma cidade que também tem a parte rural interessante, então a gente tem um turismo rural que a gente está tentando embalar para conseguir também, porque são pequenas propriedades, são pessoas de mais de idade, que moram há muitos anos na zona rural. Então tem um trabalho de capacitação também para eles conseguirem receber o turista. Então a gente está trabalhando nesses focos.
JC - Tem origens no empreendedorismo, e já disse que provavelmente não permanecerá na secretaria na próxima gestão. Tens o objetivo de seguir na carreira pública?
Júlia - Eu não tenho planos de me candidatar. Gosto muito do Executivo, porque eu acho a gente consegue, de alguma forma, colocar em prática. Eu venho do Movimento Liberal, fui presidente do IEE, sou do conselho do IEE, sou vice-presidente da Associação Comercial de Porto Alegre. Então eu acho que no Executivo a gente consegue colocar em prática tudo que a gente acredita e que a gente defende nessas instituições. Admiro quem vai para o voto, admiro quem vai para o Legislativo, mas não acho que seja para mim.
Perfil
Júlia Evangelista Tavares é secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre desde março de 2023. Foi presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), na gestão 2020/2021, e vice-presidente na gestão 2019/2020. Participou do Leadership for Young Leaders da Foundation Friederich, na Alemanha, e do Atlas Think Tank Leadership Training, nos Estados Unidos. Em 2021, foi eleita pela Forbes como uma das pessoas mais influentes do Brasil com menos de 30 anos, na premiação Forbes Under 30. Júlia também é conselheira do IEE, vice-presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) e fundadora e conselheira do Instituto Liberdade Econômica.