A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão de Flávio Dino, que autorizou a retomada do pagamento das emendas parlamentares - processo suspenso desde agosto deste ano por falta de transparência na autoria e na destinação dos recursos feita por deputados e senadores. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, incluiu o caso na pauta de julgamentos do plenário virtual. A sessão extraordinária teve início às 18h e em 1 hora 40 minutos alcançou a maioria dos votos com Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Barroso seguindo o parecer de Dino.
O ministro, relator do caso, impôs aos parlamentares uma série de exigências para a liberação de cada tipo de emenda, sendo obrigatória a adoção de regras que permitam a rastreabilidade da origem e do destino dos recursos públicos.
O despacho do ministro contém diversas críticas ao modelo de emendas adotado no Brasil. Segundo ele, existem países presidencialistas, parlamentaristas, semipresidencialistas "e o Brasil, com um sistema de governo absolutamente singular no concerto das Nações".
Dino ainda observou que "é precoce afirmar" que houve crimes na distribuição e na execução sem critérios das emendas, mas que "é de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos".
Entre 2019 e 2024, foram gastos R$ 186,3 bilhões com emendas parlamentares.
O desbloqueio das emendas se dá num contexto de discussão do pacote de corte de gastos apresentado na semana passada pelo governo federal. As propostas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, serão submetidas à análise do Congresso, que impôs a liberação das emendas parlamentares como condição para votar as medidas apresentadas.
Dino, por sua vez, destacou o uso indiscriminado das emendas parlamentares com montantes de recursos públicos cada vez maiores. O ministro escreveu na decisão que, "certamente, nenhuma despesa no Brasil teve similar trajetória em desfavor da responsabilidade fiscal". O magistrado ainda apontou que existe apenas um Orçamento Público da União e que emendas parlamentares devem estar submetidas às mesmas regras e restrições impostas às programações discricionárias do governo.
Como mostrou o Estadão, o projeto das emendas parlamentares aprovado pela Câmara no início do mês passado não cumpre os requisitos de transparência exigidos pelo ministro do STF e ainda garante R$ 50,5 bilhões em recursos nas mãos dos parlamentares no Orçamento de 2025.
AUMENTO REAL
O projeto assegura crescimento real de 2,5% ao ano, acima da inflação, para as emendas parlamentares impositivas (individuais e de bancada), e R$ 11,5 bilhões para as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, com correção pela inflação. Fora os gastos obrigatórios e carimbados, nenhuma outra despesa da máquina pública tem essa garantia. Os gastos estão congelados atualmente.
"Com a publicação da LC nº. 210/2024 (lei que dá mais transparência às emendas), não há bloqueio judicial generalizado à execução de emendas parlamentares, mas sim trilhos constitucionais e legais a serem observados, consoante a presente decisão", escreveu Dino no seu despacho.
A definição das regras de transparência e rastreabilidade das emendas parlamentares foi fruto de uma longa e intensa queda de braço entre o Congresso e o STF, com participação do governo federal. Diversas reuniões foram realizadas entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ministro Flávio Dino. O objetivo era chegar a um acordo que impusesse regras ao uso desse dispositivo.
Em reunião no dia 20 de agosto, com a participação de autoridades dos três Poderes, ficou definido que as emendas parlamentares deverão respeitar critérios de transparência, rastreabilidade e correção. Foram definidas regras mais específicas para as emendas Pix e emendas de bancada. Foi neste encontro que o governo e o Congresso firmaram acordo para limitar o crescimento dos recursos para as emendas à receita corrente líquida, de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias.
Um novo encontro foi realizado em outubro deste ano, no qual foi acordado que o Congresso e o governo federal finalizariam o projeto de lei complementar para regular o uso das transferências e, posteriormente, Dino avaliaria a continuidade da execução das emendas parlamentares.
'ACALMA'
Durante a tramitação da lei complementar no Congresso, o governo Lula foi derrotado na votação de duas propostas que ajudariam a cumprir o arcabouço fiscal e encaixariam as emendas parlamentares no pacote de corte de gastos. Com as alterações, o texto voltou à Câmara e foi aprovado sem alterações no último dia 19. Depois, o projeto foi sancionado integralmente, sem vetos, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 26. Após as decisões do Legislativo e do Executivo, o ministro do STF liberou o pagamento das transferências, vinculando as regras para cada tipo de emenda.
Após a decisão de Dino, o relator do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 no Congresso, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que a liberação da execução das emendas parlamentares "acalma o Parlamento". "E vamos ter regras mais cristalinas para serem aplicadas a partir de 2025", disse. "O importante é isso: manter a harmonia e a independência entre os Poderes."