Grandes montadoras de automóveis do Japão e da China anunciaram investimentos em novas fábricas no interior de São Paulo (Toyota e GWM) e na Bahia (BYD) neste ano. As empresas têm planos de expansão no Brasil e foram visitadas pelo governador Eduardo Leite (PSDB), que liderou missão à Ásia em novembro.
Mirando além da produção de carros elétricos e híbridos, o chefe do Executivo apresentou potenciais de desenvolvimento, buscando atrair investimentos futuros no Estado. Foram conversas iniciais, mas com perspectivas concretas.
No caso da japonesa Toyota, a ideia é a ampliação do Centro de Distribuição já instalado em Guaíba. Com a chinesa BYD, pode vir uma parceria em autopeças e produção de ônibus. E a GWM, que já manifestou interesse em instalar no Brasil um centro de Pesquisa e Desenvolvimento, pode ser parceira na criação de um laboratório de tecnologias voltadas à cadeia do hidrogênio. O chamado combustível do futuro é uma aposta do governo do Rio Grande do Sul e esteve em destaque na agenda da delegação.
Para que o roteiro tenha desdobramentos positivos, será necessário dar continuidade às tratativas, e o governador espera que a recém-criada Agência de Desenvolvimento, a Invest RS, faça esse trabalho de articulação. "Tem que ter o pós-venda", resume Leite.
Nesta entrevista, concedida na China aos jornalistas que acompanharam a missão - além do Jornal do Comércio, Giane Guerra (RBS), Mauren Xavier (Correio do Povo) e Marcelo Ninio (correspondente de O Globo em Pequim) -, o governador também comenta agendas voltadas à resiliência climática e fala sobre sua disposição para eventual candidatura ao Planato em 2026.
Jornal do Comércio - Agendas internacionais são consideradas projetos de longo prazo, especialmente em países como China e o Japão, onde cultivar uma relação de confiança leva tempo. Como dar continuidade no futuro ao que foi plantado aqui na Ásia?
Eduardo Leite - Minha expectativa é poder ter mais efetividade nessas missões a partir da agência de investimentos, de promoção comercial, que acabamos de criar (a Invest RS). O Estado do Rio Grande do Sul não contava com uma agência de desenvolvimento. Os estados têm suas agências, como a Investe São Paulo. A nossa está em fase de estruturação, acabamos de fazer a seleção dos quadros técnicos, tem o presidente (Rafael Prikladnikci) que acompanha essa missão. E é o que estou constantemente demandando. Eu digo: "Olha, tem que ter o pós-venda". (Aqui na Ásia), você faz contatos, amarra relações e gera interesses.
O Estado pode vir a ter escritório na China, como a agência de São Paulo tem em Xangai?
Leite - Trabalhamos com esta perspectiva, está no horizonte o desenvolvimento de escritórios fora do País. Mas neste momento estamos estruturando o nosso próprio escritório (da Invest RS) em Porto Alegre, (depois) escritório em São Paulo. E vamos avançar, espero que ainda no ano que vem, para ter também escritórios internacionais.
Entrando agora na agenda com as empresas. A chinesa GWM está instalando uma montadora de automóveis em Iracemópolis (SP). E a sua visita na GWM foi mais focada na pauta do hidrogênio. Foi uma abordagem diferente das agendas na Toyota e BYD ou mais ou menos na mesma linha, de apresentar o Estado focando em receber futuramente algum investimento?
Leite - Conversamos com técnicos da GWM, mas especialmente vinculados à FTXT, subsidiária que faz motores movidos a hidrogênio. Foi uma conversa muito positiva, dentro do propósito de fortalecer o RS como referência para a produção de hidrogênio. Podemos avançar em uma parceria que envolva desenvolvermos um laboratório de inovação, com produtos relacionados à cadeia do hidrogênio.
Do Estado ou da empresa?
Leite - Não é o Estado fazer (o laboratório), mas fomentar, fazer alguma política, edital em inovação, estimular universidades, para a implantação de um laboratório que possa ter interface com eles aqui na China, para o desenvolvimento de motores e tecnologias relacionadas ao hidrogênio.
E foi uma conversa melhor do que nas outras empresas? Foi com o mais alto escalão...
Leite - Foi uma conversa com o CEO da FTXT e com técnicos. Conseguimos, além de causar boa impressão sobre o Estado, também obter algumas informações importantes sobre os passos que devemos dar para consolidar o RS nessa cadeia. A relação está se estabelecendo, queremos aproveitar o conhecimento deles, nos relacionarmos e obter subsídios técnicos. A partir disso, vamos estruturar uma política, buscar parceiros nas universidades para estabelecer um laboratório de desenvolvimento de produtos e equipamentos relacionados à economia do hidrogênio.
O hidrogênio verde já está na agenda do Estado há alguns anos. Mas ainda é pouco palpável. Depois dessa viagem, o senhor consegue enxergar essa aposta de uma forma mais concreta?
Leite - Consigo. É um assunto complexo, mas saio dessa missão com convencimento de que devemos avançar nessa aposta. É importante separar em duas partes. Hidrogênio como combustível, utilizado em motores para veículos de diversos portes, já é uma realidade. Este hidrogênio exige - para fazer o processo chamado eletrólise, que é a separação da molécula - energia. Essa energia, dependendo de onde vêm, é que faz do hidrogênio verde ou não (se é energia renovável é considerado verde). Aqui na China, entendem que o hidrogênio verde é muito caro. O que estamos buscando apontar - inclusive mostramos valores que os estudos que contratamos da McKinsey encontraram - é a viabilidade da produção do hidrogênio verde no RS, em 2030, a um preço competitivo. Ficaram impressionados com essa possibilidade. O hidrogênio, nesse processo de transição energética, só será alternativa se for provido com uma retaguarda de fonte renovável. E, até aqui, o que se observa é que essa produção não atingiu custos competitivos. Mas vejo que é uma aposta, falando com Toyota, Mitsubishi, GWM, mesmo na BYD, o hidrogênio está no radar deles, estão buscando investir. Vale a pena continuar com essa aposta.
Isso se insere na agenda de descarbonização. Mas há sete anos, na mais recente missão de um governador gaúcho ao Japão, a pauta era carvão. Agora, em 2024, o tema é hidrogênio verde. Mas o carvão ainda é um desafio no plano de descarbonização, há regiões do Estado dependentes economicamente do carvão...
Leite - Não adianta simplesmente dizer para encerrar o carvão sem apontar alternativa de desenvolvimento. É fundamental constituir um plano de transição justa, que é o termo utilizado, que não deixa as pessoas para trás. Há milhares de famílias de cidades que dependem dessa economia do carvão. E vamos precisar estender a mão para ajudá-las a constituir alternativas. Acabamos de contratar uma consultoria para a transição justa, que irá desenvolver o plano para que possamos perseguir uma estratégia de ação em relação a essas regiões e famílias. Não vamos deixar ninguém para trás, mas vamos estar sintonizados com que o mundo está exigindo. Se queremos posicionar o Estado de forma estratégica, competitiva, precisamos estar associados aos valores que cada vez mais vão ser demandados.
A BYD é a bola da vez dos carros elétricos. Há perspectiva de algum investimento no RS?
Leite - Eles estão se instalando na Bahia, curiosamente, em uma fábrica que era para ter ido para o Rio Grande do Sul nos anos 1990, a fábrica da Ford... O que apresentamos a eles é o nosso parque industrial, o polo metalmecânico, a fabricação de autopeças e peças de reboque, semi-reboques. Eles já tiveram parcerias com a Marcopolo, no RS, queremos que eles possam, a partir dessa estrutura que temos lá, projetar parcerias na área de produção de ônibus, se associar a esse contexto metalmecânico. Eles estão olhando para o Brasil de forma bastante ambiciosa, querendo crescer muito a participação. Estão na 10ª posição nos veículos vendidos no País e querem chegar à 5ª. Queremos aproveitar para que o RS possa prover também partes componentes. Inclusive, para todas elas (montadoras chinesas e japonesas), estou apresentando nosso plano de desenvolvimento do setor de semicondutores. O RS teve lá atrás a instalação da Ceitec, estatal nacional, que promove o desenvolvimento de microchips. É inegável que trouxe um grau de expertise que, inclusive, viabilizou empresas privadas, como a HT Micron, empresa sul-coreana de encapsulamento de chips instalada no RS. Queremos desenvolver esta cadeia de semicondutores no Estado.
Na missão internacional anterior do governo gaúcho neste ano, na Alemanha, foram visitadas a Fraport e a Stihl, empresas com operação no Rio Grande do Sul. Agora, no Japão, foi a vez de Toyota e Japan Tobacco International (JTI), que também têm unidades no Estado. Isso vai ser uma prática daqui para frente?
Leite - Relacionamento não é só conversar com quem estamos buscando (atrair para o Estado), mas também fortalecer com quem já está conosco. Se vamos a um país que é sede de uma empresa que tem negócios no RS, é de bom tom fortalecer as relações. Por isso a visita nessas empresas. Com isso, esperamos que se sintam estimuladas para novos investimentos no Estado. Então, sim, sempre que estivermos visitando uma localidade que seja sede de empresas relevantes para o RS, vamos fazer questão de visitá-los e informá-los sobre o que o Estado está fazendo. Quem sabe, assim, despertando disposição de novos investimentos.
Outra agenda da missão foi o enfrentamento a eventos climáticos extremos. E as iniciativas vistas no Japão não são baratas nem de curto prazo. Qual é o balanço que dá para fazer pensando em ações efetivas para o RS?
Leite - Visitamos estruturas de defesa civil, de resposta a calamidades. Além de viabilizar recursos e tecnicamente os projetos, devemos ter preocupação com a governança. Faz sete meses que tivemos a calamidade. É compreensível a apreensão da população sobre ações que evitem que aconteça novamente, mas somos cobrados por algo que é impossível de entregar em sete meses, um sistema de proteção contra as cheias que impeça imediatamente que a mesma coisa aconteça. Vimos tanto em Shiga, província irmã do RS, quanto em Tóquio que leva tempo. Então, além de viabilizar recursos, projetos tecnicamente complexos, nosso desafio - numa democracia em que ao longo do tempo há mudanças de governo - é não deixar os projetos ficarem para trás, independentemente dos governos.
Esse ano foi de avanço em negociações entre Brasil e China, com os acordos assinados com o presidente chinês Xi Jinping...
Leite - O que tínhamos expectativa era o reconhecimento pela China das condições sanitárias da proteína animal do RS, e acabou não vindo. Esperamos que, com a maior brevidade possível, venha esse reconhecimento e que possa haver a retomada das exportações.
O ambiente positivo na relação Brasil-China foi reaberto com a volta do presidente Lula. Como avalia o atual momento?
Leite - Com o presidente Lula, embora tenha diferenças, vejo uma relação institucional muito mais elevada. Tanto para dentro do próprio país quanto para fora. Embora me deixe insatisfeito que promessas feitas não sejam atendidas, como as do enfrentamento às enchentes no RS - havia um compromisso de que o Dnit faria dragagens das hidrovias, mas não fez. Prometeram um fundo para financiar as obras de contenção de cheias, com R$ 6,5 bilhões. Até agora não saiu, e a calamidade se encerra no final do ano. Então, vai ser minha prioridade em dezembro... Embora tenha diferenças, do ponto de vista institucional, sempre encontrei, no presidente e na sua equipe, a disponibilidade de sentar e conversar, mesmo que muitas vezes eu saia insatisfeito, mas o diálogo existe para dentro. E é um diálogo que se estabelece para fora também. Não é inteligente para o Brasil abrir conflitos com países como a China, estratégico nas relações comerciais.
E a sua à pré-candidatura à presidência da República?
Leite - Esse não é o momento ainda. Eu quero, com toda a honestidade, ajudar a viabilizar ao País uma alternativa a essa polarização. Se o (ex-presidente Jair) Bolsonaro (PL) é inelegível e se Lula (PT) não satisfaz o que o País precisa, temos a responsabilidade de criar uma alternativa. Eu já estive com disponibilidade, e naturalmente tenho disposição, mas eu não vou colocar aspiração pessoal à frente do interesse que deve ser maior, que é o de viabilizar uma alternativa.
Perfil
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite é natural de Pelotas e tem 39 anos. É bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Foi aluno convidado do curso de Políticas Públicas da Columbia University, de Nova York, nos Estados Unidos, em 2017. Concorreu pela primeira vez a um cargo público em 2004, para a Câmara Municipal de Pelotas, ficando como suplente de vereador. Foi vereador na cidade entre 2009 e 2012, presidindo o Legislativo em 2011. Concorreu ao cargo de deputado estadual na eleição de 2010, mas não obteve vaga. Eleito em 2012, Eduardo Leite foi prefeito de Pelotas entre 2013 e 2016. Não disputou a reeleição e, em 2018, elegeu-se governador do Estado. Em 2022, renunciou para disputar a presidência da República, mas não conseguiu viabilizar sua candidatura ao Planalto. Concorreu à reeleição ao Piratini e fez história ao se tornar o primeiro governador gaúcho reeleito desde a redemocratização.