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Publicada em 20 de Outubro de 2024 às 18:27

Dmae é superavitário, mas não tem R$ 400 milhões, diz Melo

Candidato à reeleição diz que pretende estimular o adensamento da região central da Capital

Candidato à reeleição diz que pretende estimular o adensamento da região central da Capital

Fotos: TÂNIA MEINERZ/JC
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Lívia Araújo
Lívia Araújo Repórter
Alçado ao segundo turno da disputa à prefeitura de Porto Alegre com 49,7% dos votos válidos, o candidato à reeleição Sebastião Melo (MDB) acredita que, graças a uma campanha "alegre, sem entrar em polêmica", "o resultado brotou".
Alçado ao segundo turno da disputa à prefeitura de Porto Alegre com 49,7% dos votos válidos, o candidato à reeleição Sebastião Melo (MDB) acredita que, graças a uma campanha "alegre, sem entrar em polêmica", "o resultado brotou".
O emedebista vem reiterando posições expressadas ao longo do primeiro turno, principalmente em relação à sua atuação na enchente e à gestão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), órgão que pretende, caso eleito, conceder à iniciativa privada, o que ele chama de "parceirização". "O Dmae deve ter em caixa hoje 200 e poucos milhões (de reais). Mas isso é absolutamente insuficiente para os R$ 4 bilhões de drenagem urbana." Segundo o prefeito, os recursos que deveriam ser usados em obras de saneamento tiveram de ser reservados para "poder fazer a proteção de cheias", montante cujo reembolso será pleiteado junto ao governo federal.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, também falou sobre a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre e disse que pretende estimular o adensamento da região central da Capital. "Vou fazer uma grande convocação da cidade para reabitar o Centro. Vou baixar o IPTU, mas tem que ter critério", prometeu.
Jornal do Comércio - Que balanço faz da campanha do primeiro turno?
Sebastião Melo - A gente fez uma campanha muito propositiva, e também resgatou aquilo que propusemos em 2020, e os avanços que a cidade teve. Foi uma campanha alegre, sem entrar em polêmica. E o resultado brotou. Quero agradecer quase 50% dos eleitores que foram às urnas votar na nossa proposta. Mas sempre trabalhei com um segundo turno. Um milhão e tantos mil porto-alegrenses irão votar, e estou trabalhando para renovar o mandato, respeitando a minha adversária, com muita humildade.
JC - Nos debates, seus adversários trazem a questão de que o Dmae teria cerca de R$ 400 milhões em caixa, que não foram alocados. Existe esse valor e como aplicar?
Melo - O Dmae deve ter em caixa hoje 200 e poucos milhões (de reais). Porque entra licitação, o empenho tem um processo demorado. Lançamos muitas obras no ano passado que vieram para a vida real agora neste ano, de macro e microdrenagem. E o dinheiro que está no caixa no Dmae... as obras emergenciais vão custar para a cidade meio bilhão de reais. Não tenho esse dinheiro no caixa da prefeitura, então eu estou reservando. Mas como a proteção de cheias é uma responsabilidade do governo federal e ele sempre disse que custearia as obras, espero que possamos fazer uma mesa de negociações. O dinheiro do Dmae hoje estava licitado para outras obras necessárias também, mas eu dei uma freada para poder fazer a proteção de cheias.
JC - O Dmae é superavitário?
Melo - O Dmae é superavitário. Entre a receita e as despesas, sobram ali uns R$ 100 milhões. Mas isso é absolutamente insuficiente para os R$ 4 bilhões de drenagem urbana. Então, quando falo em parceirização do Dmae, o dinheiro que advier de uma parceirização vai para a drenagem urbana.
JC - O que é atribuição específica da prefeitura na prevenção contra enchentes? A gestão municipal fez tudo que estava ao seu alcance?
Melo - O papel da prefeitura é macro e microdrenagem, limpeza de arroio, troca de rede, abastecimento e tratamento de água. A proteção de cheias é exatamente o governo federal, porque assim estabelece a Constituição. O Muro da Mauá, diques, contenções...
JC - E a manutenção desse sistema?
Melo - Também é de responsabilidade do governo federal. Só que de 1966, 1970, até 1990, nunca houve manutenção por parte do governo federal. Só que 1990, o ex-presidente (Fernando) Collor acabou com o DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento). E essas funções do DNOS foram divididas em várias áreas. Mas os prefeitos que me antecederam e eu fizemos manutenções no sistema, especialmente nas casas de bomba, nos portões, no muro da Mauá. Então, essa competência, mesmo não explícita, era feita pela prefeitura. Mas o sistema de alteamento do dique, que deveria ter 6 metros, tem 4,2m. Então, ele se mostrou ineficiente, porque teve erros de concepção, ou de execução, ou as duas coisas junto. E teve sim, problema de manutenção. Se o dique do Sarandi teve problemas? Teve. Mas foi erro só desse governo? Não. São 70 anos. Rompeu esse dique em uma enchente que, até então, nunca tinha acontecido. Se a gente vai buscar culpados, tem que dividir um pouco disso. A prefeitura, muitos prefeitos por lá passaram, assim, como presidentes e governadores. Por que não se discute a limpeza do Guaíba? O barramento dos rios que chegam aqui? As bacias de contenção? O canal de entrada da lagoa para o mar? Proteção de cheia é só dique? Não. E também não é só Porto Alegre, porque água não tem fronteira, nem ideologia, nem partido político.
JC - Durante o primeiro turno, uma das principais críticas foi na questão do aviso à população. Já havia a previsão de excesso de chuvas pelos órgãos de monitoramento que levariam as pessoas a terem que sair de casa. Como avalia a comunicação prévia a respeito da cheia que estava por vir?
Melo - A Defesa Civil de Porto Alegre replica a sala de situação do governo do Estado. Em toda chuvarada, não só nessa, você vai encontrar dezenas de avisos da Defesa Civil estadual, municipal, inclusive com vídeos do próprio prefeito fazendo apelo para as pessoas. Por mais que avisemos, elas têm uma resistência a sair dos locais. Porque até então, nessa geração, nunca tinha acontecido uma tragédia climática como essa.
JC - Elas foram avisadas com antecedência?
Melo - Foram avisadas, pelos instrumentos que nós tínhamos, nós gravamos vídeos para a rede social... mas o que vamos fazer para a frente? Está em fase de montagem a sala de monitoramento e contingência. Contratamos um sistema de medição de régua nos arroios e também no Guaíba, que não tínhamos. As que utilizávamos eram somente as réguas estaduais precárias. Nossa sala de monitoramento terá totens nas áreas mais prováveis de alargamento, para que possamos disparar mensagens dizendo, "olha, tem previsão daqui a 10 dias, sete dias, fica alerta". E não tinha um plano de contingência para acolher 30 mil pessoas. Vai ter também um plano para definir para onde elas vão. As ferramentas que tínhamos diziam "vai chover de 70mm a 110mm nas próximas 24 horas". Mas não diz se vai ser na Restinga, no Sarandi, no Centro, e qual hora vai ser. Nos últimos 30 anos, algum presidente teve agenda na questão climática de forma aguda? Ou governadores e prefeitos? Adaptação climática, é uma coisa que é do Brasil e do mundo.
JC - Quanto ao Plano Diretor, o senhor defende adensar a cidade e levar a população para outros locais onde têm os equipamentos públicos, como o Centro. Mas como fazer isso se todos os empreendimentos construídos na região central nos últimos anos são de alto padrão?
Melo - Quando eu digo adensar a cidade onde tem equipamento é você ampliar os equipamentos públicos já existentes. Se tem um posto de saúde, não preciso fazer um posto novo, eu posso ampliar as equipes para atender mais gente. Aí, eu reconheço realmente que tem um problema, porque na lei que aprovamos houve, sim, um cuidado de botar moradia popular. Aí nós vamos ter que entrar num segundo mandato, para pensar no que fazer. O Esqueletão, por exemplo, está sendo derrubado. Ali pode ser uma moradia popular. Os prédios públicos do Centro que são municipais, vou transformar também em retrofit para a moradia popular. Tem várias formas de fazer isso. A lei que aprovamos também permite transformar uma área comercial em residencial. Então vejo, por exemplo, na Borges (de Medeiros), muitas salas de 30m2 a 50m2 sendo transformadas em residências. É um local para todo mundo, mas especialmente para estudantes, como tem na Cidade Baixa. Então, se eu for reeleito, além dos R$ 70 milhões que estou colocando no Centro, vou fazer uma grande convocação da cidade para reabitar o Centro. Vou baixar o IPTU, mas tem que ter critério. Se não tem calçada boa, calçada verde, pintura no prédio, eu não vou baixar o IPTU.
JC - Então uma das ideias para repovoar o Centro é estimular a construção ou a adaptação de instalações para que sejam moradias populares para trazer essas pessoas das periferias?
Melo - Também, não é só isso. Tem muita gente que mora no Centro, especialmente as pessoas mais idosas. É para todo mundo. Tornar mais atrativo o Centro especialmente para estudantes.
JC - Em um dos debates do segundo turno, um dos pontos em que o senhor criticou sua adversária é que ela defende a ampliação de conselhos. Na sua gestão, diversos conselhos do município foram modificados, alguns perderam caráter deliberativo. O que quis dizer com essa crítica?
Melo - A gente tem que ter uma convergência entre democracia representativa e participativa. Mas, para mim, participação popular não pode ser aparelho de um partido político. Porque o Orçamento Participativo do PT era aparelho do PT. Tem que ter autonomia, e no nosso governo tem. E nós reativamos o OP com muita força e, além do OP, criamos na prefeitura o programa Mais Comunidade. A lei federal dos conselhos estabelecia mudanças, em que (a composição) tem que ser paritária. Muitos conselhos eu mandei para a Câmara e, se for reeleito, vou mandar os que sobraram. Os conselhos têm que opinar, o prefeito e o secretário têm que ir lá. Mas quem tem que governar é quem foi eleito pelo povo. Tem conselho que acha que é o prefeito.
JC - Por isso foi tirado o caráter deliberativo?
Melo - Não foi tirado, eu adaptei desses conselhos à lei federal. O conselho tem um papel construtivo, participativo, mas quem tem que decidir é quem foi eleito pelo povo. Eu não posso ser impedido de fazer habitação popular. Quando assumi a prefeitura, tinha 686 grupos de trabalho da prefeitura. Eu abri o dia inteiro para ouvi-los. No final da tarde, eu emiti um decreto e acabei com todos. Não era conselho, era grupo para tratar da comunidade, grupo disso, grupo daquilo. Quantas vezes se reuniu? Nenhum tinha decidido nada. Isso é assembleísmo. Governo tem que ter democracia, mas tem que decidir. Eu sou um governo democrata, escuto muito, mas decido.
JC - Nesses dois últimos anos de governo emergiram denúncias de irregularidades na secretaria da Educação, no Dmae e, mais recentemente, no Hospital da Restinga. Como vem tratando da fiscalização interna para prevenir esse tipo de problemas?
Melo - Posso ter todos os defeitos, mas nunca misturei um centavo público com o privado. Eu escolhi a Sônia (da Rosa, ex-secretária de Educação) porque ela tinha trabalhado no governo do Estado, ela foi uma profissional muito atuante. Mas nunca recomendei qualquer secretário que fizesse qualquer tipo de coisa incorreta. Quando veio esse episódio, abri minha investigação, mandei para a controladoria, e eles rapidamente investigaram, com uma série de apontamentos. Eu imediatamente fui ao setor de redação da prefeitura e pedi uma nota para os órgãos de controle. Sei que aquele relatório ajudou muito. O que eu espero é uma apuração rápida e, se houve desvio, sendo agente público ou privado, que devolva o dinheiro e vá para a cadeia. A diferença minha e do PT, é que o PT, quando tem corrupção, bota para debaixo do tapete. Eu não.
JC - Como se pode reforçar a fiscalização interna?
Melo - Eu vou ser o que eu fui agora: rigoroso. E talvez reforçar a controladoria... depois desse episódio da Smed, eu mudei minha agenda. Quero saber o que vai se tratar, quem vem, quem não vem. A democracia tem algo chamado presunção de inocência. Mas o Brasil vive o contrário, um denuncismo. Não espere de mim ferir biografias. O PT está cheio de problemas, mas acho que a Maria do Rosário é uma pessoa correta. Mas ela não tem o direito de ficar jogando pedra desse jeito, porque o entorno dela está cheio de problemas.
JC - O senhor garante que cumprirá os quatro anos de mandato?
Melo - Se tem uma pessoa que mais quis ser prefeito desta cidade, "soy yo". Eu sou candidato a prefeito e vou cumprir meus quatro anos de mandato com muito gosto, entregar uma cidade e uma vida melhor para os porto-alegrenses, com mais mudança, mais transformações.
 

Perfil

Sebastião de Araújo Melo nasceu em Piracanjuba (GO). Tem 64 anos e até os 15 anos trabalhou no campo. Mudou-se para Porto Alegre em 1978 e filiou-se ao MDB. Para concluir os estudos no Colégio Marechal Floriano, trabalhou em uma lancheria no Centro. Também foi carregador de caixotes nas Centrais de Abastecimento e vendedor em lojas de material de construção. Cursou Direito na Unisinos. Começou na política estudantil ao presidir o centro acadêmico. Atuou como advogado. Em 2000, elegeu-se vereador na Capital, reelegendo-se em 2004 e 2008. Após o terceiro mandato, foi eleito vice em 2012 na chapa de José Fortunati (PDT, 2013-2016). Foi candidato a prefeito em 2016, mas não se elegeu. Em 2018, foi eleito deputado estadual. Em 2020, disputou a prefeitura com vitória no segundo turno. Na eleição deste ano, passou ao segundo turno com 49,7% dos votos válidos.
 

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