A candidata do PT à prefeitura de Porto Alegre, Maria do Rosário obteve 26,28% dos votos válidos no primeiro turno, contra 49,72% de seu adversário, o atual prefeito Sebastião Melo (MDB). Para reverter este cenário, a petista tentará convencer os eleitores que desejam mudanças na cidade para que votem em sua candidatura. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Rosário aponta as principais estratégias que adotará neste segundo momento das eleições na capital gaúcha.
O índice de mais de 31% de abstenções em Porto Alegre - o maior entre as capitais do País - e os votos computados à chapa liderada por Juliana Brizola (PDT) são algumas das apostas de Rosário para uma vitória no segundo turno. Na quinta-feira, o PDT, que teve 19,69% dos votos do dia 6 de outubro, declarou apoio à candidatura do PT. Por outro lado, o PSDB, que havia ingressado a coligação pedetista no primeiro turno, formalizou aliança com Melo.
Rosário aborda nesta entrevista os desafios que enfrenta para alcançar uma eventual virada nestas eleições. A petista trata de temas como o seu índice de rejeição - o maior entre os candidatos do primeiro turno, de acordo com pesquisas eleitorais - e como convencer a população de apoiar a sua candidatura. O PT retorna ao segundo turno em Porto Alegre como líder de uma chapa após hiato de 16 anos sem alcançar este resultado. A última vez que o partido esteve nessa posição foi em 2008, quando a própria Rosário enfrentou e foi derrotada por José Fogaça (MDB).
Jornal do Comércio - Qual o balanço da campanha no primeiro turno?
Maria do Rosário - Foi muito propositiva, uma campanha que, inclusive, teve seu início na construção do programa, e a aliança que se formou inédita do campo popular da esquerda e do centro foi com base programática. É inédito termos reunido sete partidos, e o processo que nos trouxe a formar essa aliança foi estruturado a partir de ideias do que é melhor para a cidade em termos de políticas públicas, desenvolvimento, e agregando essas ideias com reuniões nas comunidades e nos setores com servidores públicos, com empreendedores, com usuários do SUS, do transporte coletivo, com o pessoal da área da educação. Então, isso foi de uma riqueza muito grande. No primeiro turno, o resultado que tivemos, trazendo essa eleição para o segundo turno, tem a ver também com uma vontade de mudança que se despertou nas pessoas. Essa vontade de mudança está expressa na votação que tivemos na nossa chapa com PT e PSOL, com PSB, PCdoB, Rede, PV e Avante, e também nos votos que foram depositados em Juliana Brizola (PDT) e Dr. Thiago (União Brasil). E há um terceiro bloco de votantes que não compareceram às urnas, que é muito significativo, mas que podem comparecer nesse segundo turno.
JC - Na questão das enchentes, amplamente debatida no primeiro turno, o que entende que é responsabilidade específica da gestão municipal e o que é atribuição das outras esferas?
Rosário - É um absurdo o prefeito tentar transferir para outra esfera o cuidado com bueiros e bocas de lobo. Então, atribuição da prefeitura, sem sombra de dúvida, era estar em alerta diante dos sinais que vieram. Choveu em setembro de 2023, e todo mundo viu o que aconteceu naquele momento. Técnicos, climatologistas e hidrólogos, de um modo geral, apresentaram que em janeiro e fevereiro teríamos chuva. Durante todo esse tempo, as casas de bomba, as comportas, o assoreamento de bueiros, as bocas de lobo, nada disso foi resolvido. E aí veio maio, e não tinha sido feita a manutenção. A manutenção do sistema é responsabilidade direta do prefeito. Ele deveria ter mantido o sistema, tanto é que deveria, que existe um documento do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos), que foi divulgado pelo deputado Mateus Gomes (PSOL) na época mais dura da enchente, mostrando que técnicos alertaram a gestão e o prefeito de que as casas de bomba não estavam funcionando. Os técnicos não foram ouvidos. Paralelo a isso de não fazer a manutenção, havia R$ 430 milhões em caixa. Então, avalio que o prefeito e sua equipe não prepararam a cidade porque não acreditaram no tamanho do desastre que veio a acontecer. Não tomaram as medidas preventivas, que são obviamente de sua responsabilidade.
JC - Melo esteve muito próximo de uma vitória no primeiro turno. A que atribui?
Rosário - É uma votação equilibrada se considerarmos as duas candidatas que tinham uma proposta de mudança - a nossa candidatura e a candidatura de Juliana (Brizola). A beleza da política democrática é que ela não é igual e somente a matemática. O que acontece em Porto Alegre é que há um equilíbrio e uma polarização entre quem quer mudar e quem quer a continuidade. O fato é que, com toda a máquina estruturada e em campo, e sem ter tido a transparência devida de tantas circunstâncias duvidosas do seu governo ao longo de quase quatro anos, a população decidiu ter o segundo turno. E agora é uma nova eleição, nós podemos vencer e vamos trabalhar para isso.
JC - Porto Alegre teve o maior índice de abstenção entre as capitais brasileiras. Como pretende convencer o eleitor a votar em sua candidatura?
Rosário - Reforçando o caráter de mudança segura e programática e a experiência que tenho para governar Porto Alegre. O preparo que tive ao longo da minha vida pública, o caráter realizador que eu quero imprimir e de que a eficiência na gestão pública é garantir à população qualidade de vida. Essa é a nossa diferença mais fundamental com o atual projeto. Quando eles privatizam tudo - parques, praças, propõem a privatização do Dmae, propõem a privatização de serviços das escolas -, o prefeito, na verdade, está se omitindo da responsabilidade de governar para aqueles que mais precisam, para a população.
JC - O PSDB se posicionou em favor de Melo. O atual prefeito apoiou Onyx Lorenzoni (PL) contra Eduardo Leite (PSDB) em 2022, enquanto o PT definiu pelo voto crítico ao governador...
Rosário - A política nem sempre é coerente e às vezes nos reserva surpresas negativas. Realmente dei meu voto ao governador, porque, naquele momento, se tratava da democracia de um lado e dos autoritários de outro. Acredito que hoje, em Porto Alegre, dada a aliança do candidato Melo, ele representa os mesmos setores autoritários e golpistas que são contrários à democracia, que fazem uma oposição ferrenha ao presidente Lula e que tentam desestabilizar o País. Creio que essa polarização ainda existe. Então, de fato, acreditava ser possível um pensamento democrático prevalecer no âmbito do PSDB. Também não dei meu apoio ao governador e não votei nele pensando em ter qualquer coisa em troca. Naquelas circunstâncias, faria de novo. E espero que no futuro ele pense sobre isso.
JC - Com o apoio do PDT à sua candidatura, disse que incorporará itens do programa de Juliana Brizola em seu projeto. Quais?
Rosário - Creio que essa prática de trabalhar com o programa é muito importante, e isso fizemos na formação da nossa aliança de primeiro turno com o PSOL e com a Rede. Todo o nosso programa tem o viés de sustentabilidade ambiental, porque a Rede e o PV trouxeram esses elementos. Tem o programa do transporte coletivo, do passe livre a estudantes, de estudos para tarifa zero, porque trouxemos esses elementos a partir do PSOL. Cada um dos partidos foi trazendo sugestões. O PSB incorporou vários aspectos relacionados à participação das pessoas, à educação, à saúde e à gestão pública. No programa de Juliana eu vejo tanto a escola integral qualificada, inclusive, porque é o turno integral, não é contraturno, que foi uma das marcas que ela fez no primeiro turno das eleições. E creio que os temas relacionados à saúde foram bastante importantes, e destacados nas defesas que ela fez. Isso me chamou muita atenção para ler mais detidamente o seu programa e ouvir da parte dela também aquilo que ela acredite que seja importante. O presidente Lula incorporou da Simone Tebet (MDB) projetos importantes, como, por exemplo, a igualdade salarial entre homens e mulheres, e deu o crédito devido quando da aprovação das matérias e da colocação em prática das alternativas que ela sugeriu no programa de governo. Com certeza esses partidos, esse conjunto de forças que hoje está nos acompanhando e aquelas que vierem, estarão na linha de frente de um governo popular para o próximo período.
JC - Sobre a proposta de tarifa zero no transporte público, como pode ser aplicada?
Rosário - Esses estudos, formulados a partir do projeto de lei do vereador Roberto Robaina (PSOL) em Porto Alegre, e da deputada federal Luiza Erundina (PSOL) e do deputado federal Jilmar Tatto (PT), se dão da seguinte forma: não vamos precisar criar taxa nenhuma. Ocorre que é preciso fazer com que as empresas que pagam o vale transporte aos seus funcionários façam com que essa contribuição vá para um fundo municipal, e essa totalidade das contribuições que hoje financiam o vale transporte dos trabalhadores, que são depositadas pela prefeitura como subsídio tarifário para o consórcio de empresas prestadoras de serviço. Nessas duas formas de remuneração, juntas, o cálculo é que hoje significariam o pagamento da rodagem dos ônibus com passes com tarifa zero na cidade de Porto Alegre. Se somarmos a isto a ampliação - que o projeto da Erundina faz - com uma parcela federal também de subsídio, teremos ainda mais.
JC - O PT chega no segundo turno na Capital com candidato a prefeito pela primeira vez desde 2008. Como avalia este longo período do partido longe da disputa?
Rosário - O PT viveu um cerco muito pesado, e é sobrevivente deste cerco. De uma certa forma, eu também sou, pessoalmente, porque fiz um bom combate em todas as esferas. Então, percebo mais do que nunca que a força de um partido está não apenas na sua direção, mas na base. E quem nos trouxe agora a esta condição de segundo turno de novo é a forte aliança que tivemos, então não é só o PT. Credito esse momento ao PSOL, ao PSB, ao PCdoB, ao PV, à Rede e ao Avante, mas credito ao PT, nossa militância e capacidade de resistir a tudo o que houve: o impeachment fraudulento contra a presidenta Dilma (Rousseff), a prisão caluniosa, irregular e criminosa do presidente Lula. E agora estamos aqui, somos resistência e vamos ser mudança.
JC - Independentemente da chapa vencedora, a Capital terá pela primeira vez uma mulher no Executivo. Como avalia isso?
Rosário - Todas as vezes que as candidaturas de mulheres aconteceram nessa cidade, vieram pela mão das mulheres do campo popular, democrático, do centro e esquerda. Então, já tivemos Luciana Genro (PSOL) candidata, Fernanda Melchionna (PSOL), Manuela D'ávila (PCdoB), eu mesma e Juliana. A diferença agora é que temos a ousadia, a coragem, mas a convicção que estamos certas em fazer esse caminho de propor que duas mulheres governem a cidade. E isso, nos parece, está sendo absorvido de forma extremamente positiva nas comunidades, nas periferias, em todos os lugares por onde passamos. Inclusive por essas características que carregamos, de sermos mulheres, sermos mães trabalhadoras da área da saúde. Eu com uma experiência parlamentar, experiência de executivo no governo federal, mas Tamyres Filgueira (PSOL) com uma experiência sindical popular, uma mulher negra. É impressionante como isso constitui uma identidade com grande parte dessa cidade que nunca viu seu rosto no poder.
JC - Uma de suas principais bandeiras sempre foi a defesa dos direitos humanos. Muitas vezes isso foi associado por seus opositores à "defesa de bandido". Como responde a isso?
Rosário - Primeiro que isso é mentira. Defender os direitos humanos não tem nada a ver com defender bandidos. Defender os direitos humanos é se colocar diante do mundo pela não violência, então eu sou filosoficamente uma pessoa que dá sustentação a um movimento mundial, que se estabelece em todos os sentidos, contra a violência e em defesa da vida. Esse ataque aos direitos humanos, que acabou sendo traduzido à minha pessoa, na verdade viola princípios, porque ao atacar os defensores dos direitos humanos essas figuras que assim o fazem nos transformam em alvos. Não é um acaso que, por exemplo, defensores de direitos humanos vivam com tanto risco de vida no Brasil. Marielle Franco, irmã Dorothy Stang, Chico Mendes, Maria do Espírito Santo, vários jornalistas, enfim, há um histórico de violência contra pessoas que defendem os direitos humanos nas mais diversas áreas, sobretudo dentro do Brasil, porque isso é fomentado por essa estrutura violenta por dentro do Estado brasileiro. Tem raízes no próprio período da ditadura militar, quando os direitos humanos eram vistos como aqueles que entravam nos lugares para conseguir resgatar pessoas do pau de arara e da tortura, de um modo geral. E eu mesma trabalhei pela Comissão Nacional da Verdade em relação a isso. Então, primeiro, eu repudio veementemente qualquer ilação que vincule direitos humanos ou a minha pessoa a qualquer bandido. Segundo, é muito importante que possamos resgatar o sentido dos direitos humanos para vivermos em um País mais em paz, com menos violência em todos os sentidos. E sem a lógica do armamentismo que foi tão valorizada no governo anterior, que foi derrotado em 2022.
Perfil
Maria do Rosário Nunes é professora, mestre em Educação e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Atuou como professora na rede pública e é filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi vereadora em Porto Alegre, deputada estadual e federal, e ministra dos Direitos Humanos durante o governo de Dilma Rousseff (PT). Concorreu à prefeitura da Capital em 2008, sendo derrotada em segundo turno por José Fogaça (MDB). Atualmente, exerce seu sexto mandato como deputada federal e compõe a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.