A uma semana das eleições municipais de 2024, as campanhas eleitorais se intensificam nas ruas e nas redes sociais em todo o Brasil. O advento da internet trouxe consigo uma série de transformações na forma em que políticos se apresentam diante da população, e é sobre essas mudanças que o professor-adjunto da Ufrgs e pesquisador em Comunicação Política Sérgio Trein trata nesta entrevista ao Jornal do Comércio.
Para Trein, o uso das redes e das linguagens nelas disponíveis são uma tendência na política nacional. A partir delas, novos desafios se apresentam tanto para os candidatos quanto para os eleitores e a Justiça Eleitoral. Novos elementos estão sendo inseridos nas campanhas, mesmo que, para o pesquisador, eles não substituam os movimentos eleitoreiros tradicionais.
Nesta entrevista, Trein aborda temas como as pesquisas eleitorais, os debates entre candidatos e o futuro das campanhas políticas no Brasil.
Jornal do Comércio - É perceptível que as campanhas políticas têm migrado cada vez mais ao ambiente digital. Acredita ser uma tendência?
Sérgio Trein - Acredito que sim, porque tem todo um processo natural da sociedade, não só de campanha eleitoral. A gente está vendo que as pessoas, de uma certa forma, cada vez mais estão no celular ou nas redes sociais. Tem vários dados sociológicos preocupantes, inclusive, do tempo que as pessoas passam. Então, é natural que as campanhas eleitorais também passem a utilizar esse espaço. E acaba sendo um espaço que é natural também, porque, digamos assim, acaba sendo mais cômodo fazer uma campanha pela rede social do que fazer a tradicional campanha de rua. Embora eu tenha opinião de que nenhuma campanha sobreviva só nas redes sociais. Não dá para dizer quem complementa quem, mas as campanhas de rua e de redes sociais se complementam.
JC - Como observa a relevância atual das propagandas em rádio e TV?
Trein - Sem dúvida que elas têm uma relevância. A grande questão é que acaba sendo um espaço que as pessoas assistem, mas, principalmente, as inserções que os partidos e os candidatos acabam tendo em decorrência do horário eleitoral. A inserção acaba sendo importante porque ela te pega desprevenido. Se está ouvindo rádio, se está vendo televisão, e aí entra aquela propaganda do candidato ou da candidata no momento que não esperava. A inserção, inclusive, ela tem uma outra relevância, porque se consegue fazer um plano de mídia de forma que se consiga, por exemplo, numa rádio de apelo mais popular, falar sobre programas mais assistencialistas. Numa rádio mais jovem, se consegue falar de temas mais específicos e tal. Então a inserção, que é decorrência do horário eleitoral, que faz parte, tem uma importância bem grande nesse sentido.
JC - Neste sentido de o eleitor estar desprevenido no momento da inserção, ocorre o mesmo nas redes sociais?
Trein - Acho que sim. Agora, na rede social pode-se seguir aquele candidato, aquela pessoa, mas dependendo como for utilizada a rede social, ela é muito mais receptiva do que proativa. Então, o que a gente está vendo nesse sentido de ser proativo? Uma quantidade muito grande de candidatos, principalmente a vereador, utilizando os patrocinados. Isso a gente está vendo de uma forma muito grande nessa eleição, está chamando bastante atenção. Como que a estratégia de rede social está sendo pensada para que o eleitor vá recebendo mensagens? Isso também é uma coisa que tem que ser considerada.
JC - As redes sociais têm dado voz a partidos e candidatos não tradicionais. Acredita que isso ameaça, de certa forma, a hegemonia dos partidos maiores?
Trein - Eu não acredito. Acho que não, porque os grandes partidos têm nomes mais fortes, nomes tradicionais da política que se destacam mais, e acabam elegendo uma bancada maior também, que acaba aparecendo mais e não só no período eleitoral. Isso é uma questão importante também. O que a gente vê? A gente vê uma disputa que era de seis meses de campanha eleitoral, agora nem é isso. Então aqueles partidos que têm suas bancadas, que têm um vereador, que têm um deputado estadual ou federal, esse representante, digamos assim, aparece também em programas, então ele tem uma capacidade muito maior de aparecer mesmo, fazer com que as pessoas o percebam. Sem falar que os partidos maiores têm também maior capacidade de atrair investimentos, por mais que tenha o Fundo Eleitoral. Então o que muitas vezes acontece nos partidos menores é que se começa a descobrir que tem um candidato, começa a ver uma pessoa lá. Acho que os partidos menores têm maior chance de aparecer, mas não ao ponto de ameaçar, digamos, os grandes partidos. Acho que isso ainda não acontece. Se torna mais democrático, eu acho que sim, é uma forma de vencer a cláusula de barreira. Mas não a ponto ainda para que se torne um partido forte somente a partir da rede social.
JC - Outro assunto das redes sociais é a desinformação. A legislação eleitoral passou por ajustes para coibir isso. Acredita que é o suficiente?
Trein - Acho que a responsabilidade é muito grande, e em primeiro lugar dos partidos políticos. Os partidos também são responsáveis pelos candidatos que estão concorrendo, e acho que a seleção deveria ser feita de outra forma e não simplesmente por alguém que seja polêmico ou alguém que tem uma certa notoriedade para a imagem pública. E a própria Justiça Eleitoral, que me dá um pouco a impressão de que ela está sempre correndo atrás. Então dizer que é proibido fazer deepfake é como dizer para uma criança que não pode tocar naquela torta maravilhosa que está na frente, ela vai passar o dedo. Acho que é até um pouco de ingenuidade achar que "tá, não pode". Mas qual é a penalização? Tem que ser forte. Então o partido daquele candidato que cometer esse tipo de infração tem que ser suspenso por tanto tempo, não receber uma verba, alguma coisa nesse sentido, porque não tem como controlar. E a própria questão do disparo de mensagens em massa é uma coisa, inclusive, contraditória na própria legislação eleitoral desse ano, porque fala que os candidatos podem fazer patrocinados, mas não podem fazer propaganda em massa. Do ponto de vista acadêmico, tem vários autores que vão questionar se a internet é em massa ou não, mas é em massa. Então a própria Lei Eleitoral tem aí uma incoerência. Afinal de contas, pode ou não pode? Acho que tem que ter um controle maior da Justiça Eleitoral, acho que tem que ter um controle maior com grupos da sociedade - a comunicação entender mais a Justiça Eleitoral, a Justiça Eleitoral entender mais de comunicação - para estabelecer regras mais claras e mais definidas. Dizer: "olha, realmente não pode". E haver uma penalização bem forte nesse sentido.
JC - Acredita que este maior controle é algo urgente, que deve ser priorizado?
Trein - Acho que sim. O que vejo nesse processo? Particularmente acreditava que esse ano a gente não teria tanto uso de Fake News, que não seria um instrumento tão forte. Por que digo isso? Porque o Brasil em 5,6 mil municípios mais ou menos, sendo que 65% ou 67% dos municípios brasileiros têm até 20 mil habitantes. Então as chances de um cidadão encontrar o prefeito, o candidato, o vereador na cidade todos os dias é muito grande, porque vai encontrar no banco, no posto de gasolina, na padaria e tal. Então nessas cidades menores a gente não tem muito uso de WhatsApp, de rede social, porque as pessoas se conhecem. Inclusive uma coisa muito curiosa é que nessas cidades a tradicional carta ainda é uma ferramenta muito utilizada. A gente vê mais as redes sociais, claro, em municípios maiores, que a dificuldade é maior de chegar no eleitor. O que achei que não fosse acontecer nesse ano? Esse uso das redes sociais, e que está acontecendo. E aí eu vejo que esse ano, embora seja um ano de eleição que vamos escolher o prefeito, os vereadores, ele é um ano preparatório para a eleição maior daqui a dois anos, que é uma eleição para presidente, onde a polarização vai estar muito mais acirrada. Então, o que a gente está vendo agora é praticamente um aquecimento para o que vai acontecer daqui a dois anos. A gente certamente vai ter um acirramento não só de ânimos, mas de uso dessa ferramenta.
JC - Ainda sobre redes sociais, observamos o crescimento dos vídeos curtos, os recortes, que muitas vezes podem distorcer um acontecimento. Como lidar?
Trein - Aí tem duas questões. Em primeiro lugar, a gente fala muito de desinformação como se fosse uma coisa só. Na verdade, a gente tem três tipos de desinformação. Aquela que é feita deliberadamente para prejudicar alguém, a mentira como a gente conhece, que é aquela coisa que não é verdadeira. Depois, tem a mal intencionada, que é exatamente um recorte, que às vezes vira um meme. E a terceira que é a mal informada. Então, às vezes, a pessoa dispara uma informação sem muito conhecimento, porque também tem isso, as pessoas estão muito distantes do processo eleitoral. A gente teve há dois anos uma pesquisa que falava que 83% das pessoas não acreditavam mais na política. Há dois anos nós tínhamos a maior abstenção do País em termos de eleição e eu acho que esse ano também vai ter uma abstenção alta. Então a gente tem esses três tipos de desinformação: a deliberada, a que eles pegam um recorte e a que a pessoa compartilhou uma coisa que não tinha nem intenção, não sabia direito aquela informação. E a linguagem TikTok, eu acho que sim, a gente tem uma mudança grande, porque favorece, digamos, as desinformações. Pode virar um meme, ok. Mas também essa questão do TikTok faz com que a linguagem política, pegando de forma em geral, também chegue muito curta, muito rápida ao eleitor. O que seria ideal na política? Que as pessoas lessem o jornal, vissem um contraditório, ouvissem melhor a opinião de especialista. E não, hoje a mensagem política chega muito rápido, inclusive pelas redes sociais. Então essas candidaturas que estão entrando hoje pelas redes sociais também estão se adaptando ao marketing digital, à publicidade comercial. Isso faz com que a mensagem política chegue sem grande profundidade.
JC - Um fator que vem se observando é o desgaste do modelo de debates, e a eleição em São Paulo tem mostrado muito isso.
Trein - O debate acabou ficando também um processo do desempenho performático. Então a forma como o candidato fala depende muito do formato do próprio programa. Acho que os debates têm entrado muito nessa questão da espetacularização também. O debate tem uma audiência, ele é importante, claro, sem dúvida alguma, mas ele ganhou esse formato de espetáculo também, e isso é uma coisa ruim porque não está, parece, sendo colocada a questão das ideias e do que seria importante. Esse é o momento de fazer o contraditório, mas tem se tornado também um ambiente muito ruim. E aí, misturando o debate com as redes sociais, esse ano acho que aconteceu um processo em que o mundo virtual veio para o real. As brigas do virtual se tornaram reais, elas se materializaram e isso foi uma coisa muito ruim. E isso também é uma coisa que fico um pouco temendo para as eleições futuras. Então, a gente precisa abrir os olhos e precisa entender melhor esse processo. Talvez tornar o debate em algum formato que seja mais interessante tanto para os candidatos quanto para quem está assistindo.
JC - Nas últimas eleições as pesquisas eleitorais têm mostrado imprecisão. A que se deve isso?
Trein - A pesquisa eleitoral é o termômetro de uma tendência. Mas assim, ela é uma tendência e não uma verdade. Ela é feita com ciência, mas não é uma ciência, não é uma verdade que se consiga conferir. Então ela vai refletir aquele momento. E aí se pode questionar um instituto ou outro, talvez as amostragens, se elas são corretas do ponto de vista estatístico, mas elas têm errado bastante. E aí a pesquisa acaba sendo também um indutor de votos, porque para as pessoas que estão muito distantes da política em si, elas vão muito no "ah, quem está ganhando? Quem vai ganhar?". Eu até, particularmente, sou contra as pesquisas dos últimos dias da campanha eleitoral. Acho que ela deveria ser proibida 15, 20 dias antes da eleição, porque ela induz o voto. No mínimo, ela tem a questão do voto útil. Mas essa imprecisão realmente é uma questão que é curiosa.
JC - Qual o futuro das campanhas eleitorais no Brasil?
Trein - Acho que há essa tendência do predomínio dessa linguagem de TikTok. Há uma tendência de polarização, que acho que é muito forte, porque essa campanha é um aquecimento para a campanha presidencial, que eu acho que a gente não vai ter grandes mudanças. Resta saber o que é que a gente vai ter de mudança nas regras da Justiça Eleitoral, mas acho que a gente já entrou na campanha presidencial e está vendo o ensaio de algumas questões de TikTok, de redes sociais, de patrocinados. Eu não vejo nada de novo que possa surgir, mas uma continuação e uma potencialização do que a gente está vendo nessa campanha, que é esse uso das redes sociais. O que é ruim, porque nenhuma campanha sobrevive só na rede social.
Perfil
Sérgio Trein é graduado em Publicidade e Propaganda pela Pucrs, especialista em Marketing pela Fundação Getulio Vargas, mestre e doutor em Comunicação pela Pucrs e pós-doutor em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente, é professor adjunto no Departamento de Comunicação da Ufrgs. É pesquisador em Comunicação Política. Consultor de Marketing Político. Trabalhou em agências de Marketing Político, como Duda Mendonça e República Comunicação (SP), e em agências de publicidade do Rio Grande do Sul. Publicou artigos sobre propaganda política no Brasil, América Latina e Portugal. É autor do livro "Comunicação política no espaço urbano".