As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio de 2024 resultaram em incontáveis prejuízos ao agronegócio do Estado. Logo após a catástrofe, em junho, Clair Kuhn assumiu a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) com a missão de sanar as perdas do setor e organizar a 47ª edição Expointer - que ocorre até o próximo domingo em Esteio -, após o Parque de Exposições Assis Brasil ter sido tomado pelas águas.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o titular da Seapi relata os desafios de assumir a secretaria em um período de calamidade e detalha o processo de recuperação do local em que tradicionalmente ocorre a Expointer. Mesmo com todas as dificuldades, Kuhn acredita em uma edição da feira marcada pela superação, que irá surpreender a todos. O secretário ainda afirma que, em termos de infraestrutura, o Parque está mais preparado para receber o público que em anos anteriores.
Além de abordar a feira, Kuhn conta sobre os projetos que estão sendo desenvolvidos pela secretaria para recuperação do solo do Rio Grande do Sul e detalha o andamento do Programa Estadual de Irrigação do Solo, lançado pelo governo gaúcho em abril deste ano.
Jornal do Comércio - O parque Assis Brasil foi amplamente atingido pela enchente. Como foi o processo de recuperação para a Expointer deste ano?
Clair Kuhn - Para começar falando da Expointer, é bom que se diga que ela tem vários copromotores. No parque, onde ficam as máquinas pesadas, tínhamos uma altura de água de dois metros. Todo o parque ficou 20 dias embaixo da água, literalmente. Após as águas recuarem, os copromotores fizeram uma reunião conosco, com o governador, e foram todos unânimes em pedir ao governo que realizasse a Expointer. Então o governo do Estado, através da subsecretaria que temos no parque, fez um levantamento do que era necessário para restabelecer o parque e receber as pessoas da melhor forma. O governo disponibilizou de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões para serem investidos, que já estão sendo investidos, algumas obras já terminadas, e também algumas que terão que ficar para após a Expointer. Mas a questão elétrica, a questão hidráulica, que eram os gargalos, e a questão de telhados, estão todas em condições de receber as pessoas. O piso em alguns pontos foi reformado, as calçadas, calçamentos e o acesso para a entrada de veículos estão todos em condições de receber veículos de visitantes. Temos a certeza que esta feira vai surpreender, inclusive, as pessoas quando chegarem lá imaginando que aquilo estava embaixo da água, como que aquilo se reinventou e está de pé. E repito aqui: foram os copromotores, cada um nas suas áreas, fazendo trabalho que tinha que ser feito. E nós, governo do Estado, através de recursos investidos, com todo o trabalho da equipe do parque, fizemos as reconstruções e reformas e ações para a feira sair da melhor qualidade que nós já tivemos condições de fazer. A feira em si está revitalizada. Ela está melhor do que estava, em termos de infraestrutura, na edição passada, porque tinha algumas deficiências que pioraram com a questão das chuvas e praticamente tiveram que ser refeitas nessa condição.
JC - Com a paralisação da Trensurb, foram anunciadas linhas de ônibus especiais para a Expointer.
Kuhn - Falamos em uma reunião com a Trensurb, Metroplan (Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional) e prefeitura de Porto Alegre para achar pontos. O que temos de novidade? Logo depois que nós falamos para a Trensurb, ela fez um processo experimental que foi botar linhas de ônibus de Porto Alegre para acessar os terminais, e deu muito certo. Então a Trensurb vai ampliar o número do ônibus saindo da Capital e acessando os terminais que estão funcionando para chegar até o Parque da Expointer. Esta é uma medida que vai ampliar a capacidade. O que é essa ampliação? A Trensurb sabe exatamente a quantidade de pessoas que saíam de Porto Alegre indo ao parque, e esses ônibus vão suprir em torno de 70% dessa demanda. Outras linhas que buscamos para suprir e chegar no 100% são linhas diretas saindo de dois pontos de Porto Alegre, chegando também diretamente ao parque, mais especificamente em frente ao acesso à nova passarela que entra no parque. É como se estivesse chegando com o Trensurb. Também falamos com várias instituições - taxistas, cooperativas de taxistas, aplicativos - e estamos numa campanha de "vai à Expointer? Leve o seu vizinho junto!". Aliás, também é importante dizer que ampliamos em mais de mil vagas o estacionamento de veículos e abrimos mais um portão de acesso à Expointer, até porque a frente da feira está em obras. Vai ter um estreitamento de pista, mas também vai ter um portão a mais que vai desafogar a chegada dos visitantes.
JC - A edição de 2023 teve quebra de recorde de público e investimentos. Qual a expectativa agora, as enchentes impactarão?
Kuhn - Se falando de Expointer, tudo é possível. A Expointer sempre nos surpreende positivamente. O próprio lançamento já foi algo de reorganizar, de puxar a origem, o nosso brio, a luta do gaúcho. A chegada dos animais já foi muito boa também. Então tudo isso vem trazendo uma expectativa muito positiva. Não queremos bater recordes e nem superar nenhuma edição anterior. Queremos fazer uma Expointer que seja qualificada, que traga coisas novas, apesar das dificuldades que tivemos. Uma Expointer que vai apresentar shows, por exemplo, que nunca foram apresentados, com entrada gratuita. Até 10 mil pessoas vão entrar gratuitamente dentro da arena do Cavalo Crioulo. E esses shows, é bom que se diga, foram doados ao Rio Grande do Sul. Foram empresários e empresas que disseram "olha, vamos alegrar o povo gaúcho, vamos abarcar recursos através desses shows para chegar no Rio Grande do Sul". E dessa forma vamos ter grandes novidades. As indústrias estarão apresentando grandes oportunidades de negócios, e alguém pode perguntar: "mas o Rio Grande do Sul está com dificuldades financeiras, os agricultores endividados, qual é a perspectiva do evento?". A Expointer não é do Rio Grande do Sul, ela é do Brasil e do mundo. As nossas indústrias do Rio Grande do Sul de máquinas agrícolas são responsáveis por 60% a 70% de todas as máquinas agrícolas industrializadas no Brasil, por isso que é tão importante fazermos a feira, porque a venda de máquinas, a venda de produtos vão ser não só para pessoas do Rio Grande do Sul, mas especialmente para pessoas de fora do Estado e fora do Brasil. E eu tenho dito isso, em todos os lugares: ajudar o Rio Grande do Sul neste momento que ainda precisamos é comprar produtos gaúchos. Então, é a Expointer da superação, da retomada e da solidariedade.
JC - O senhor assumiu a Seapi há dois meses, logo após as cheias, como avalia o que foi realizado até agora?
Kuhn - Eu já estava na secretaria como diretor-geral adjunto, e essa questão deu a condição de poder, com o ex-secretário Giovani Feltes, participar de todas as ações que a secretaria vinha desenvolvendo. A primeira ação, capitaneada pelo secretário Giovani, foi resgatar em todos os recantos do Estado os nossos funcionários e servidores para ajudar a resgatar pessoas e salvar vidas.
JC - Qual o levantamento do que foi perdido no setor do agro?
Kuhn - Esses números ainda estamos trabalhando muito fortemente com o Senado, que fez um estudo, um balanço nos municípios mais afetados diretamente na mancha da enchente, que são mais de 95 municípios. A Secretaria da Agricultura faz num raio maior uma pesquisa de solos, e a gente está indo a campo com universidades, para fazermos um balanço exatamente disso. Não temos um número fechado, porque a cada vez que vamos a campo e analisamos o solo e a perda que teve de produtividade, vemos que leva mais tempo para recuperar do que a gente imaginava, e também tem que ter uma ação de recuperação do solo com calcário, com adubação, com matéria orgânica diferente de uma localidade para a outra. Às vezes, dentro do mesmo município se tem três ou quatro situações totalmente diferentes. Então ainda está sendo estudado.
JC - A secretaria pretende apresentar programa de recuperação do solo?
Kuhn - Uma parte desse programa já foi desenvolvida, está na Secretaria de Desenvolvimento Rural, e é um recurso para ajudar na recuperação de solo junto às propriedades mais degradadas. O programa está em desenvolvimento na outra secretaria, e estamos no desenvolvimento do nosso programa. Ele busca os dados agronômicos exatos de cada caso, e botar isso de pé para que o produtor possa se estabelecer. Não é simplesmente assim: "vamos levar um programa de solos ao produtor". É levar um programa de solos com orientação técnica e acompanhamento técnico. Então já temos a Emater, que está contratada com recurso superior a R$ 15 milhões para fazer assistência técnica ao produtor. E isso é extremamente importante, porque acompanhar o produtor junto da propriedade, ter unidades de referência e trabalhando junto com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Ocergs (Organização Cooperativa), Farsul (Federação da Agricultura do RS) e também sindicatos rurais através da Fetag (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS). A gente quer fazer um programa robusto que chegue em todas as propriedades. Outra questão é que em alguns lugares o solo fértil foi levado e ficou só o chão batido. Mas se olharmos o Estado como um todo, se perdeu fertilidade, porque o excesso de chuvas, quando bate na parte superior do solo, perde com a água os nutrientes. Às vezes, não perdeu tanto o solo, mas perdeu os nutrientes que o produtor foi colocando ao longo dos anos. Isso também tem que ser recuperado, o produtor vai ter que trabalhar muito forte com isso.
JC - Antes das enchentes, a Seapi anunciou um programa de irrigação. Como está?
Kuhn - Começamos o programa com a fase 1, que era 20% do valor que o produtor investia até o teto de R$ 15 mil. Foi um projeto para tirar a base da aceitação e da efetividade do projeto. Tivemos em praticamente 4 meses mais de 250 projetos sendo implementados e aprovados pela secretaria, e isso mostrou que a efetividade e o entendimento por parte do produtor foram muito bons. Aí o governador nos autorizou a ampliar o prêmio ao produtor que ajuda o Estado a irrigar mais áreas, de 20% para um teto de até R$ 100 mil. É o maior programa de benefício de transferência de recursos do Estado direto ao produtor na agricultura já realizado. E o produtor entende muito fácil o programa, porque não precisa pegar o recurso especificamente num determinado banco, pois todas as agências bancárias estão liberadas para captar recursos. Antes os programas eram todos atrelados a um banco, e tinha um problema que era sempre vinculado à Selic, à oscilação da inflação ao final do período que tinha pego o dinheiro. Agora não, se ele investir R$ 100 mil, ele ganha R$ 20 mil. Se vemos que está tecnicamente aprovado o projeto, que está funcionando, está irrigando, ele recebe na conta bancária. Temos, para esse ano ainda, mais de R$ 15 milhões disponíveis, e o programa todo, até 2027, disponibilizou R$ 213 milhões. O desafio é falar em irrigação no momento da enchente, parece desconexo da realidade. Então, a gente segurou o programa, porque a prioridade também era outra, salvar vidas, criar mecanismos para poder ter transporte de alimentos. Agora, já passando essa questão, a gente enxerga que o programa de irrigação tem que ser mais uma vez colocado na mesa e tem que ser uma política pública de Estado.
JC - O RS passou por enchentes em maio, mas também por outros períodos de chuva e estiagem. Em uma realidade de clima cada vez mais instável, como o agro pode se prevenir?
Kuhn - Nós da Secretaria de Agricultura, e através de ações de governo, já vínhamos nos preparando para colocarmos mais estações meteorológicas em todo o Estado. Estamos com várias estações meteorológicas já instaladas, e agora a gente vai buscar as estações meteorológicas públicas da secretaria e mais de entidades privadas - de universidades, cooperativas, dos próprios produtores -, e queremos cobrir praticamente todo o território gaúcho essas estações meteorológicas. Claro, nas suas dimensões de alcance, mas cobrir o território todo para podermos ter dentro de 1km2 estações meteorológicas para cada propriedade. Então, cada propriedade vai ter, no futuro, um aplicativo que a gente está trabalhando para termos junto ao celular do produtor. Então, isto tudo está sendo feito.
JC - Dentro da questão meteorológica, qual a previsão para as próximas safras?
Kuhn - O que o nosso departamento de meteorologia e os demais institutos vêm dizendo é que está se aproximando uma pequena estiagem pela frente. Por isso que é tão importante continuarmos falando em irrigação. Tem essa previsão de que podemos ter, não sei se uma estiagem, mas chuvas abaixo da média para o próximo período.
Perfil
Clair Kuhn, 54 anos, é natural do município de Espumoso e morador de Ibirubá. Professor de Educação Física, corretor de imóveis e pós-graduado em Gestão Pública, foi vereador, vice-prefeito e prefeito de Quinze de Novembro. De 2019 a 2020, trabalhou no Ministério da Cidadania em Brasília como diretor nas Secretarias Especiais do Esporte e do Desenvolvimento Social. Em 2021, foi empossado deputado estadual. Também presidiu a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Filiado ao MDB, trabalhou como diretor-geral adjunto na Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação até assumir, em 19 de junho deste ano, a titularidade da pasta na gestão do governador Eduardo Leite (PSDB).