Uma mudança incluída no projeto de renegociação da dívida dos estados pelo relator, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), pode reduzir o piso de gastos na Saúde e o volume de emendas parlamentares indicadas pelo Congresso Nacional a partir de 2028.
A proposta consiste em mudar o critério de cálculo da receita corrente líquida (RCL), excluindo algumas fontes de arrecadação mais voláteis, como concessões e permissões, dividendos e participações, royalties e participações especiais e programas de renegociação de tributos.
Se aprovada, a mudança valeria para União, estados e municípios. Uma proposta semelhante foi gestada no Ministério da Fazenda no ano passado, mas não avançou.
Para tentar amenizar as resistências, o texto do relator, divulgado nesta quarta-feira (14), prevê um período de transição — possibilidade que já vinha sendo analisada pela equipe econômica.
A dedução das receitas começaria a ser feita de forma gradual em 2028, numa proporção de 8,33%. A partir de 2029, o desconto aumentaria 8,33 pontos percentuais a cada ano, até atingir 100% em 2040.
Descontar as receitas mais voláteis da RCL reduz a base de cálculo de despesas que têm esse indicador como referência, o que inclui o piso da Saúde, as emendas individuais e de bancada. Os recursos para o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) também são corrigidos pela variação da RCL.
A tendência de crescimento de algumas dessas despesas inclusive motivou discussões dentro do governo sobre a eventual revisão dos pisos de Saúde e Educação, que não avançaram diante de resistências no próprio PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A mudança no conceito de RCL ainda tem potencial de interferir nos limites de despesa com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), também calculados como proporção da RCL.
A lei fixa um limite de 60% da RCL para gastos com a folha em estados e municípios, e uma base de cálculo menor pode exigir ajuste dos gestores nos próximos anos, sobretudo daqueles que já estão próximos desse patamar. Já a União cumpre com maior folga o seu limite, que é de 50% da RCL para pessoal.
No ano passado, quando elaborou a primeira minuta que tratava dessa mudança, o Ministério da Fazenda argumentou que a RCL é referência para o controle de despesas de caráter continuado, e computar receitas não recorrentes ou extraordinárias em sua base "pode criar distorções significativas e colocar em risco a sustentabilidade fiscal dos entes".
Retirá-las, na visão da Fazenda, seria uma "medida saudável", pois evita que receitas voláteis sirvam de lastro temporário para a criação de uma despesa que terá de ser carregada de forma permanente nos orçamentos.
"Ao excluir do cômputo da RCL receitas extraordinárias, como as decorrentes de concessões, permissões e de acordos e transações tributárias, está se adotando maior rigor na mensuração de receita corrente líquida e evitando que indicadores de despesas de pessoal ou de endividamento sobre a RCL sejam momentaneamente distorcidos em função de receitas que não possuem caráter de recorrência", disse a pasta em outubro do ano passado.
O governo já fez adaptação semelhante no conceito de receita líquida ao aprovar o novo arcabouço fiscal. Como a expansão real do limite de gastos é proporcional à variação da arrecadação, a Fazenda propôs excluir essas mesmas fontes da base de cálculo do arcabouço para evitar criar espaço fiscal sem respaldo em receitas recorrentes.
O novo indicador, chamado de Receita Líquida Ajustada (RLA), começou a ser divulgado pelo Tesouro Nacional no ano passado. A partir dele, é possível identificar que, em 2023, foram descontados R$ 142,8 bilhões em receitas ligadas às fontes que, agora, se quer tirar da base da RCL.
Se o desconto já estivesse integralmente em vigor, o governo teria uma obrigação de R$ 21,4 bilhões a menos para cumprir a aplicação de 15% da RCL na Saúde no período.
Nas emendas parlamentares, a norma prevê 2% da RCL para indicações individuais de deputados e senadores e 1% da RCL para emendas de bancadas estaduais. Pelos dados de 12 meses até junho, as reduções seriam de R$ 2,85 bilhões e R$ 1,43 bilhão, respectivamente.
A regra incluída pelo relator, porém, prevê o abatimento gradual das receitas. O percentual do primeiro ano (8,33%), por exemplo, significaria uma dedução de R$ 11,9 bilhões na base da RCL de 2023. Os efeitos imediatos no piso da Saúde e nas emendas seriam uma proporção desse desconto, diluindo o impacto ao longo do tempo.
Folhapress