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Publicada em 11 de Agosto de 2024 às 18:52

'Vamos retomar os níveis de arrecadação do RS', prevê vice-governador Gabriel Souza

Vice-governador gaúcho concedeu entrevista especial ao Jornal do Comércio

Vice-governador gaúcho concedeu entrevista especial ao Jornal do Comércio

THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Bolívar Cavalar
A catástrofe climática que destruiu parte do Rio Grande do Sul entre os meses de abril e maio exigiu ações do governo do Estado para a reconstrução e recuperação dos setores mais atingidos pelas enchentes. O desastre ambiental e econômico ocorre simultaneamente a outras questões prioritárias para o Executivo, como a renegociação da dívida com a União e a necessidade de realizar uma reforma administrativa.
A catástrofe climática que destruiu parte do Rio Grande do Sul entre os meses de abril e maio exigiu ações do governo do Estado para a reconstrução e recuperação dos setores mais atingidos pelas enchentes. O desastre ambiental e econômico ocorre simultaneamente a outras questões prioritárias para o Executivo, como a renegociação da dívida com a União e a necessidade de realizar uma reforma administrativa.
Uma das principais iniciativas do governo do Estado para a reconstrução após as enchentes foi a criação do Plano Rio Grande. O conselho deste projeto é presidido pelo vice-governador gaúcho, Gabriel Souza (MDB), que detalha, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, as principais ações a serem realizadas para a retomada econômica, geração de emprego e restabelecimento dos níveis de arrecadação.
Gabriel Souza também revela as prioridades do Estado para eventual proposta de renegociação de dívidas - de quitação e não apenas prorrogação pelos 36 meses em que foi suspensa e juros diferenciados - e o andamento das tratativas deste tema junto ao Ministério da Fazenda, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Jornal do Comércio - Há algum tempo que o governo do Estado pretendia apresentar o projeto de reestruturação de carreiras. Por que foi priorizado neste momento de perda de arrecadação após enchentes?
Gabriel Souza - O RS fez uma série de reformas que viabilizaram um equilíbrio financeiro, que só foi ameaçado, do ponto de vista circunstancial, agora, em virtude da perda de arrecadação das enchentes. Também em virtude de uma decisão - de fora da alçada do Estado - de 2022, pelo Congresso, que são as leis complementares que mudaram o cômputo da alíquota do combustível. Isso fez com que o primeiro quadrimestre de 2023 fosse o com menor arrecadação da história. Mas há muito tempo o RS precisa remodelar a estrutura de algumas carreiras, e que se tornou inadiável depois das enchentes, porque é impossível reconstruir o Estado sem os profissionais. Um número importante é que nesta área meio tínhamos em torno de 14 mil servidores há 10 anos, e hoje temos em torno de 10 mil, o que significa que em torno de um terço dos servidores das áreas meio acabaram sendo reduzidos, porque ou se aposentaram ou saíram dos seus concursos públicos. Com os salários que o Estado oferecia antes desta reforma, por mais concursos que se abrissem, tínhamos uma taxa de ocupação das vagas muito baixa, de em torno de 30% de taxa de ocupação. Então, para reter os bons quadros que estão no Estado e para atrair quadros ainda melhores, precisamos ter carreiras atrativas. São as carreiras que conseguimos atender agora, e não foi o ideal ainda, a gente reconhece, e nem mesmo (abrangeu) todas as carreiras que mereciam uma recomposição ou uma reestruturação.
JC - Uma preocupação com esse projeto é o seu impacto fiscal em um momento de perda de arrecadação. O Executivo vai conseguir pagar esta conta?
Souza - Temos circunstancialmente uma perda de arrecadação (em razão das enchentes). Na nossa opinião, o governo federal deveria compensar essa perda, porque tivemos o maior desastre natural da história recente do País. A União é o único ente federado que pode emitir títulos à dívida, buscar dinheiro extraordinário para fins de atender demandas emergenciais, e a União fez isso na pandemia, e deveria fazer agora no que tange ao RS e municípios. Mas entendemos que é circunstancial, que vamos retomar a economia e restabelecer os níveis de arrecadação previstos a partir dos próximos meses, e em especial a partir de 2025, que é quando começam a vigorar com maior incidência os reajustes salariais. Então entendemos que é sustentável. Há pessoas que têm críticas ao projeto, e é legítimo da democracia, mas a observação que faço é que são os mesmos, e também com legitimidade, que cobram o governo do Estado para que rapidamente consiga botar em prática os projetos de reconstrução. Uma coisa está ligada à outra.
JC - O Estado apresentou um salto em julho na arrecadação, que foi inclusive superior à média histórica. A que se deve isso?
Souza - Esse acréscimo de arrecadação sobre a média histórica é oriundo de dois principais fatores. Primeiro, teve postergações de compromissos tributários dos meses de maio e junho, então se tem um acúmulo de tributos que deveriam ter sido pagos e foram postergados. O segundo motivo é que os esforços da reconstrução vão, num primeiro momento, fazer aumento do investimento privado e público. Então se tem também um rebote, que pode até se repetir em agosto, mas não deve, infelizmente, se repetir nos demais meses.
JC - Mas mesmo com as cheias a arrecadação nos primeiros sete meses de 2024 foi superior ao mesmo período de 2023...
Souza - Sim, mesmo com as enchentes, porque o primeiro quadrimestre de 2023 foi o pior quadrimestre da história da arrecadação do Rio Grande do Sul, em virtude da lei complementar de 2022 que mudou a fórmula de tributação da gasolina.
JC - Na questão das enchentes, há grande preocupação dos gaúchos que eventos similares voltem a acontecer. O que o Estado está fazendo para a prevenção?
Souza - O governador criou o Plano Rio Grande, que é o plano de reconstrução do Estado. Mas não é uma simples reconstrução, é também um plano de prevenção, de resiliência, de adaptação aos eventos climáticos. Não adianta só reconstruir o Estado do mesmo jeito, nos mesmos lugares; tem que reconstruir de formas diferentes, e tem que fazer obras de prevenção, de mitigação, de resiliência e adaptação climática. Temos obras estruturantes, que apresentamos, inclusive, ao governo federal, que estão inclusas no último anúncio do PAC.  Ao mesmo tempo, também, projetos que não são estruturantes. Em alguns lugares, não é viável pelas características geológicas dos recursos hídricos. Um exemplo é o Vale do Taquari, onde precisaremos, em alguns casos, mudar comunidades inteiras de lugar. Isso acontece em Roca Sales, Muçum e Cruzeiro do Sul. Para tanto, contratamos a Univates, que está fazendo os planos diretores de cada uma dessas localidades, porque, hoje, o comércio, as residências, as indústrias, equipamentos públicos estão localizados em áreas consideradas de alto risco. Segundo, teremos que desapropriar áreas para que sejam utilizadas para moradia, para distrito industrial, para equipamento público.
JC - E como o governo vai mudar comunidades de lugar?
Souza - Primeiro tem que mudar o Plano de Diretor, para saber onde planejar. Segundo, tem que adquirir essas áreas que o Plano Diretor está apontando que são possíveis, algumas delas já em processo de desapropriação pelos municípios e pelo próprio Estado. Terceiro, se tem os laudos de inabitabilidade da Defesa Civil municipal que está declarando eventualmente imóveis interditados. Depois, tem uma mudança do código de obras e do Plano Diretor das cidades que proibirá construções novas e reparos e reformas nessas áreas já atingidas. E, por fim, se tem que indenizar os proprietários.
JC - O governador vem fazendo críticas à atuação do governo federal na reconstrução do RS. Como avalia as ações da União?
Souza - Estamos mantendo uma relação de alto nível com a União, colaborativa, cooperativa. Outra coisa é o direito que o Estado tem, numa Constituição que organiza a federação de forma que a União é o ente que é capaz e tem o dever de atuar em emergências, preparar, prevenir contra desastres. É uma competência e uma capacidade da União, coisa que não é compartilhada com o Estado e com os municípios. Uma coisa é a relação de alto nível, outra coisa é o direito que o Estado tem de apresentar com veemência as nossas demandas.
JC - E quais as principais demandas neste momento?
Souza - Achamos que ainda é insuficiente o apoio à iniciativa privada. Há uma dificuldade de os recursos liberados pelo BNDES, por exemplo, chegarem nas empresas para restabelecimento de atividade econômica, e isso é algo que tem sido reclamado por praticamente todo o setor produtivo do Estado. Inclusive presido o conselho do Plano Rio Grande, que é um órgão da governança criado pelo governador, dentro desse plano da reconstrução, que ouve a sociedade. Onde tem o setor produtivo, há unanimidade que não há acesso fácil ao crédito, e há restrições. Nós concordamos que fique restrito à mancha da inundação, ou seja, até onde a água chegou. Porém, quando se fala de capital de giro, entendemos que tem que ter muito mais recurso do que o disponível. E mais ainda: há a necessidade da inclusão de empresas de fora da mancha de inundação, porque essas indiretamente foram afetadas, porque o cliente ficou prejudicado, o trabalhador teve sua casa atingida. Então houve uma diminuição do faturamento das empresas gaúchas, mesmo nas áreas que não foram atingidas. Entendemos que o apoio ao reerguimento da iniciativa privada, não só no setor secundário e terciário, mas também no setor primário, no agronegócio, é fundamental, porque não há absolutamente nenhuma hipótese de nós reerguermos o RS sem a retomada rápida antes da atividade econômica. A outra demanda é em relação à burocracia. Temos burocracias que deveriam ser agilizadas, e entendemos que é uma burocracia.
JC - O RS está na contramão do Brasil e registrando alta no desemprego. Só as enchentes explicam? O que o governo pode fazer?
Souza - A retomada rápida da atividade econômica vai gerar mais empregos, houve muito desemprego. Por exemplo, o setor que mais desempregou no RS depois da enchente foi o de bares e restaurantes e também o do turismo, que são os setores fundamentais para a empregabilidade. São empresas que muitas vezes não estão na mancha de inundação, mas que tiveram ausência do seu faturamento e que não resistiram e tiveram que desempregar. Então, como é o antídoto para o desemprego? Aumentar a atividade econômica rapidamente. Para isso, precisamos que as linhas de crédito cheguem, que a renegociação de dívidas aconteça e assim por diante. As empresas retomando as atividades, se retoma também o emprego.
JC - No âmbito da renegociação da dívida do RS com a União, como estão as tratativas junto ao Congresso, governo federal e demais estados?
Souza - O desafio de uma boa fórmula de renegociação de dívidas dos estados endividados são os estados não endividados. Toda vez que, em 27 unidades da federação, se concede benefícios para os endividados, os demais estados não endividados ou pouco endividados acabam reclamando também benefícios, porque isso mexe nas metas fiscais da União. Está no âmbito do Conselho de Secretários da Fazenda uma discussão sobre isso. Conversei com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que naquele dia, inclusive, tinha apresentado sua proposta no Parlamento federal sobre esse tema. Achamos que houve um avanço significativo, mas o RS precisa apresentar suas demandas, e já dissemos ao presidente do Senado que vamos querer discutir algumas alterações. Ali (no projeto de Pacheco) tem uma diminuição da taxa de juros pela concessão de ativos ao governo federal, algo que pode contemplar Minas Gerais, mas não contempla o Rio Grande do Sul, que já fez um programa de desestatização de ativos bastante profundo nos últimos anos. Estamos conversando com o Ministério da Fazenda e com o Congresso no sentido de ter possibilidade de obter vantagens ao Estado nesse processo de renegociação.
JC - O que considera ser essencial na renegociação?
Souza - O RS tem que ser tratado por estar numa situação de hipossuficiência agora, em virtude da catástrofe. Quando se fala de dívida dos entes federados com a União, se tem uma série de questões a serem observadas, em especial essa tributação de juros capitalizados entre entes federados. A própria União federal, no passado, já inclusive concedeu empréstimos a juros menores e condições melhores para países estrangeiros do que renegocia e negocia dívidas com os seus entes subnacionais. E, por fim, o RS, em que pese tenha tido a suspensão da dívida por 36 meses, essa dívida está indo para o estoque. O ideal seria que nós tivéssemos a quitação dessas 36 parcelas e um juro que, quando viéssemos a voltar a pagar, já viessem em patamar mais adequado. Porque hoje nós temos Selic mais 4%, esse juro é extremamente alto.
JC - Acredita na possibilidade de anistia da dívida?
Souza - O Estado está participando das audiências de conciliação promovidas pelo ministro (do STF, Luiz) Fux, que participou da audiência que houve mês passado, e está apoiando, se eventualmente vier a avançar, a possibilidade da anistia dessa dívida. Achamos que esse momento que nós estamos vivendo, de catástrofe, é adequado para colocar sobre a mesa esse tema dessa renegociação da dívida ou até mesmo a eventual consideração por vias judiciais, que é o que a OAB pleiteia, de quitação. Se não total, parcial, ao menos dessas 36 parcelas.
 

Perfil

Vice-governador Gabriel Souza

Vice-governador Gabriel Souza

/Fotos: THAYNÁ WEISSBACH/JC
Gabriel Vieira de Souza tem 40 anos e é natural de Tramandaí. Médico-veterinário formado pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), possui especialização em Gestão Pública pela Universidade Católica Dom Bosco. Iniciou a militância política aos 14 anos, ao ingressar na Juventude do PMDB. Aos 17 anos, já integrava o diretório municipal do partido, em Tramandaí, e, aos 20 anos, se tornou assessor parlamentar do deputado federal Eliseu Padilha (PMDB). Entre 2013 e 2014, foi secretário municipal do Planejamento e Desenvolvimento em Tramandaí. Nas eleições de 2014, assegurou vaga deputado estadual com quase 40 mil votos. Entre junho de 2016 e dezembro de 2018, foi o líder do governo de José Ivo Sartori (MDB) na Assembleia Legislativa e presidiu o Parlamento estadual em 2021. Nas eleições de 2022, foi eleito vice-governador do RS na chapa de Eduardo Leite (PSDB). 

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