O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu adiar a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) de autonomia financeira do Banco Central (BC), defendida pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto. A partir da PEC, o BC passaria de autarquia especial para empresa pública de natureza especial, o que daria maior poder sobre o próprio orçamento, como ocorre no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A proposta estava na pauta desta quarta-feira (17) da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas a votação foi adiada diante da negociação aberta pelo Ministério da Fazenda e da incerteza — dos dois lados — sobre o placar.
Pouco antes da sessão, nesta quarta, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), se reuniu com o relator da PEC, Plínio Valério (PSDB-AM), e o autor, Vanderlan Cardoso (PSD-GO). A minuta apresentada pelo governo afirma que o BC "não se vincula aos sistemas da administração pública" e tem suas despesas custeadas por suas receitas próprias, "nelas incluídas as rendas de seus ativos financeiros".
Um dos artigos da proposta autoriza o BC a incluir em seu próprio orçamento despesas de pessoal, investimento, funcionamento, meio circulante (fornecimento de dinheiro em espécie à população) e custeio do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), hoje bancado com subsídio do governo federal. Tudo isso ocorreria de acordo com as diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN) — colegiado formado pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, além de Campos Neto.
Os gastos com pessoal e com o custeio do Proagro teriam limite estabelecido em lei complementar de iniciativa privada do Poder Executivo, segundo o documento. A proposta do governo indica ainda que as despesas do orçamento da autoridade monetária não devem afetar a meta de resultado primário ou entrar na base de cálculo das despesas primárias relativas ao regime fiscal.
O relator reclamou de não ter sido procurado pelo governo antes e disse que Wagner apresentou uma série de modificações. Valério também afirmou que não tinha dúvidas de que o debate seria "protelado". "As ponderações, reivindicações, são muitas do governo. Algumas pertinentes. Outras nem tanto. Então, eu não posso pegar essas sugestões agora, horas antes da reunião, e acatar ou não acatar", disse.
Wagner pediu o adiamento da discussão até o começo de agosto e negou que a intenção do governo seja procrastinar. O senador também afirmou que a reunião com o relator e o autor foi extremamente produtiva. "Eu acredito que nós podemos evoluir. Acabei de conversar um pouco com o assessor do senador Vanderlan, que é do Banco Central, e eu não vou abrir mão da minha obsessão pela possibilidade de construirmos o maior consenso possível, nem sempre é 100%", comentou.
Na véspera, Cardoso havia conversado com o ministro da Fazenda e o secretário-executivo da pasta, Dario Durigan. Haddad tem afirmado publicamente que o governo não é contra a autonomia financeira do BC, mas sim contra a transformação da autoridade monetária em empresa pública, como prevê a emenda constitucional.
O Banco Central também discute com o relator e o autor da PEC um modelo jurídico inédito. Diretrizes gerais repassadas ao relator afirmam que a instituição seria organizada "sob a forma de corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal". "O Banco Central é instituição de natureza especial, com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira, organizada sob a forma de corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal, dotada de poder de polícia, incluindo poderes de regulação, supervisão e resolução, na forma da lei", diz as linhas gerais em mãos do relator.
Opiniões
Governistas afirmam reservadamente que Campos Neto tenta imprimir uma marca de sua gestão com a aprovação da PEC e defendem que a discussão seja feita junto ao futuro presidente do BC, a ser indicado por Lula.
Durante a sessão, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), um dos vice-líderes do governo no Senado, afirmou que Campos Neto é um "antibrasileiro" e um "ser desprezível", que age politicamente. "Uma coisa é você oferecer autonomia a um Banco Central que tenha um presidente que não age politicamente, que não trabalhe contra o Brasil, por odiar o residente Lula — essa é a verdade, não é? É algo pessoal, peçonhento, deste, repito, desprezível", disse.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e senadores de oposição saíram em defesa de Campos Neto. Alcolumbre disse ter uma "relação pessoal de amizade, de carinho e de reconhecimento" com o presidente do BC. "[Quero] reconhecer o papel relevante que o Roberto Campos tem à frente do Banco Central, se destacando em um ambiente que qualquer presidente de Banco Central, em qualquer governo, é criticado muitas vezes pelo próprio governo", afirmou.
Folhapress