Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 23 de Junho de 2024 às 20:36

Sem repor arrecadação, municípios irão colapsar, afirma Arruda

"Vamos precisar de cidades mais  resilientes, mais preparadas. É o desafio da Famurs"

"Vamos precisar de cidades mais resilientes, mais preparadas. É o desafio da Famurs"

TÂNIA MEINERZ/JC
Compartilhe:
Diego Nuñez
Diego Nuñez Repórter
O caos se instaurou no Rio Grande do Sul a partir do início do mês de maio, quando intensas chuvas fizeram subir o nível de diversos rios no Estado, devastando muitas cidades gaúchas e afetando tantas outras. Assim, os prefeitos gaúchos têm procurado a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) para resolver a extensa lista de problemas gerados pela tragédia ambiental que comprometeu o orçamento dos executivos municipais.
O caos se instaurou no Rio Grande do Sul a partir do início do mês de maio, quando intensas chuvas fizeram subir o nível de diversos rios no Estado, devastando muitas cidades gaúchas e afetando tantas outras. Assim, os prefeitos gaúchos têm procurado a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) para resolver a extensa lista de problemas gerados pela tragédia ambiental que comprometeu o orçamento dos executivos municipais.
Para o novo presidente da Famurs, o prefeito de Barra do Rio Azul, Marcelo Arruda (PRD), se esse orçamento não for recomposto, as cidades irão colapsar.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Arruda também fala sobre a necessidade de planejamento a longa prazo dos municípios atingidos pelas cheias: "pensar as cidades para daqui a 10, 20, 30 anos".
Jornal do Comércio - Como a Famurs está auxiliando os municípios nesse momento de calamidade?
Marcelo Arruda - A Famurs vive um momento atípico. A entidade representa as 497 cidades do Rio Grande do Sul. Nós estamos com 95 municípios em situação de calamidade, mais de 320 em situação de emergência. Tem sido bastante desafiador. Essa crise climática afetou significativamente a questão estrutural dos municípios. Trouxe a questão habitacional, um problema grave para muitas famílias que moram nessas cidades. E também impactou diretamente a questão econômica. As cidades que foram duramente atingidas e as outras, indiretamente, que estão sentindo os efeitos. É a sétima ou oitava enchente já que atinge o Rio Grande do Sul de 2023 para cá.
JC - Essa é uma tragédia climática mais acentuada. Tivemos grandes tragédias no Brasil, como na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 e Mariana (MG) em 2015, que foram catástrofes localizadas. Aqui, a economia de todo o Estado foi impactada.
Arruda - Sim. E o Rio Grande do Sul vem numa sequência de problemas. Tivemos as secas, que foram 3 anos seguidos, depois veio 2023 com vendaval, chuvas, que começaram em junho do ano passado e teve o evento em setembro. Em novembro, até a minha própria cidade, Barra do Rio Azul, também foi duramente atingida. E agora esses novos efeitos que, apenas seis meses depois, o Estado novamente sofrendo essa destruição. E o evento de maio foi mais doloroso. Os danos e prejuízos são imensos. Dentro da tragédia, há uma oportunidade para vermos um novo cenário para o Rio Grande do Sul. Vamos precisar de cidades mais resilientes, mais preparadas. Esse é o desafio da Famurs. Além de dar todo o apoio para as cidades se recuperarem, também provocarmos um grande debate para pensar cidades para 10, 20, 30 anos. Não podemos só reconstruir Em Barra do Rio Azul, corremos atrás lá em novembro. Pensamos: vamos recuperar, refazer, não vai mais acontecer isso. Não deu seis meses e aconteceu tudo de novo. E pior. É o debate que a Famurs está provocando com seus prefeitos e prefeitas. Temos que pensar, a longo prazo como, reconstruir para dar segurança para a população.
JC - Na questão da reconstrução de agora, como a Famurs pode auxiliar esses municípios?
Arruda - Primeiro, estar fortalecendo com o governo estadual e com o governo federal… temos que registrar que ambos estão ajudando. Já fizeram vários anúncios, acenos, mas temos reforçado que ainda não é o suficiente para poder recuperar. Primeiramente, tem que ser ágil na recuperação das moradias. As pessoas não podem ficar em abrigos. Precisamos de uma resposta rápida para não acontecer como o evento de maio do ano passado, no Vale do Taquari, que só agora estão saindo casas, oito meses depois. Defendemos que no prazo de 60 a 90 dias tem que dar o start das novas moradias. Também que sejam atendidas todas as classes sociais - hoje os programas estão voltados só para baixa renda, uma renda familiar até R$ 4,4 mil. A classe média também precisa de ajuda. Também apoio para a insegurança que os municípios têm vivido da queda arrecadação. Se as cidades perderem todo esse dinheiro, com 40% a menos de repasses de ICMS, vai gerar um colapso nos municípios. Isso vai parar as prefeituras. Temos alertado os governos federal e estadual que precisamos de socorro.
JC - Quando um prefeito contata a Famurs, qual é o principal pedido? É pressionar o governo federal por recursos? É agilidade na questão da habitação? Quais os principais pleitos?
Arruda - Os prefeitos demandam conforme a proporção dos seus problemas. Quem está com problema habitacional, pede resposta rápida. Os demais têm pedido que o recurso chegue na conta da prefeitura, que não tenha burocracia. Além dos problemas na cidade, o Estado tem vocação agrícola, e temos muitos problemas nas estradas vicinais. Então os prefeitos têm alertado que, por exemplo, o dinheiro que vem da Defesa Civil não dá para recuperar a estrada. Estamos batalhando por recursos para recuperar estradas. O agricultor que está na ponta precisa escoar a produção, tem o transporte escolar.
JC - Sobre pensar cidades para 10, 20, 30 anos no futuro, a tendência é de aumento dos eventos climáticos adversos e, nos últimos meses, muitas cidades gaúchas foram atingidas por se localizarem à beira de rios. O que é preciso pensar no RS para esse planejamento a longo prazo?
Arruda - Temos que buscar as universidades para usar o corpo docente que existe lá, de geólogos, geógrafos, engenheiros, para nos ajudar a pensar dentro da ciência e da tecnologia. Tem cidades que têm solução. Pode ser ao desassorear o rio, pode fazer uma pequena realocação de moradias e resolver o problema. E outras cidades, realmente, vão ter que fazer um processo porque os estudos vão mostrar que estão sempre em uma área de risco. Então tem que pensar na realocação daquele bairro, daquela situação da estrutura da cidade, pois temos municípios que estão no quarto episódio, no quinto episódio em pouco tempo. Então, todo o dinheiro que foi gasto na reconstrução foi por água abaixo. As pessoas estão inseguras. Temos que mostrar uma ação efetiva. A Famurs vai estar promovendo um congresso nos dias 16 e 17 de julho para fazer todo esse debate, trazendo as universidades, o governo do Estado, o governo federal, para cada prefeito articular o que pode fazer na sua cidade. E, para quem não viveu isso, estamos desafiando, dizendo: analisa a tua cidade, o que tem de perigo, de gargalos, porque não se sabe a hora ou o lugar em que poderá ser o próximo temporal.
JC - A Famurs está orientando os municípios nessas questões mais emergenciais, como na questão de planos para rotas de fuga e locais nos municípios que estejam mais altos e protegidos?
Arruda - É esse o desafio dos dias 16 e 17. É a grande provocação para o pessoal preparar os planos de contingência. Tomara que o município nunca utilize, mas se precisar, tem que saber qual é o ginásio que vai dar suporte, onde tem alimentação, qual é a rota de fuga, como vai orientar as pessoas para sair das casas. Temos que aproveitar toda a informatização que temos para estarmos preparados. Não pode a frase "aqui não vai acontecer". A gente não sabe a hora e o lugar onde vai acontecer. O que temos certeza é que as mudanças climáticas vão continuar batendo na nossa porta.
JC - Há muitos relatos de situações inéditas no Estado, de locais que nunca haviam sofrido com as águas e agora alagaram...
Arruda - Exatamente. Na minha pequena cidade de Barra do Rio Azul, houve uma enchente em 1951. Em 2023, foi a pior da história. Em maio, começou a dar alagamento de novo e dizíamos "olha, pior do que aquela de novembro não vai acontecer". Erguemos as coisas pensando na marca que tinha atingido e a deste maio foi 40% pior que a de novembro. Então temos que estar preparados porque pode ser pior.
JC - Tivemos novas chuvas registradas na semana passada. Já foi possível sentir os estragos?
Arruda - Essa chuva de agora pegou Vale do Taquari, Região Metropolitana, Vale dos Sinos, região do Rio Pardo. São as que estão em alerta. São Sebastião do Caí já está no 12º episódio. O que acontece é que precisamos de um trabalho rápido de desassoreamento dos rios, porque agora qualquer chuva vira um problema grave. Precisamos de drenagem, tem muitos bueiros entupidos, é um desafio para as prefeituras.
JC - Essas regiões citadas são as que precisaram repensar cidades a longo prazo?
Arruda - O Vale do Taquari, com certeza. As regiões de Muçum, parte de Encantado, Santa Tereza, Cruzeiro do Sul. Esses bairros que estão no quarto episódio têm que fazer esse enfrentamento.
JC - A Famurs está organizando uma marcha de prefeitos gaúchos a Brasília junto à Confederação Nacional dos Municípios (CNM)...
Arruda - Temos o privilégio de ter um gaúcho na presidência da CNM, o Paulo Ziulkoski, que já foi prefeito de Mariana Pimentel. Estamos sempre em diálogo, defendendo as grandes pautas, porque temos demandas que dependem do governo do Estado e outras pautas que são do Congresso Nacional, do governo federal. E por mais que estejamos aqui com o governo federal, representado pelo ministro Paulo Pimenta (Secretaria Extraordinária de apoio à Reconstrução do RS), que tem se colocado à disposição, nos ajudado, trazido soluções, estamos fazendo esse movimento liderado pela CNM para os prefeitos irem para Brasília nos dias 2 e 3 de julho para sensibilizar o Congresso. São mais de 100 projetos que podem ajudar os municípios gaúchos em tramitação. Precisamos da complementação dessa perda do ICMS, que está estimada em R$ 11 bilhões para o governo do Estado, dos quais R$ 3 bilhões são dos municípios, o que representa mais de 25% do orçamento das cidades.
JC - Quantos prefeitos estão confirmados na marcha?
Arruda - Estamos mobilizando os 497 municípios. Há uma grande dificuldade na questão de aeroportos, mas já tem mais de 200 prefeitos inscritos. Queremos atingir um número acima de 50% das cidades do Rio Grande do Sul.
JC - O senhor já é prefeito por dois mandatos. Trabalha a sucessão em Barra do Rio Azul?
Arruda - Barra do Rio Azul vive algo diferente. Já são duas eleições de consenso político, com chapa única. Estamos tentando para que o pessoal se entenda novamente, ainda mais nesse momento de calamidade, destruição da cidade, em que mais do que nunca precisa de união.
JC - Como funciona uma eleição em chapa única? A população precisa comparecer às urnas para votar?
Arruda - Com chapa única, um voto seria suficiente para eleger. Mas, claro, ocorre a campanha. No meu município, Barra do Rio Azul, conseguimos 77% de votos a favor na chapa. Acho que é importante apresentar um plano de trabalho, ouvir as pessoas. Eu vim do mundo empresarial, sempre tenho defendido isso com a prefeitura. Claro, ela tem que ter o olhar social, mas tem que administrar dentro da sua receita, com gestão, vendo o que é certo, tendo um critério igual para todos.
JC - O Partido Renovação Democrática é uma nova legenda, surgido a partir de uma fusão. Como o PRD se posiciona ideologicamente?
Arruda - É uma fusão do PTB, que é um partido histórico e que devido a questão da legislação teve que fazer uma fusão com o Patriotas para poder sobreviver nas novas regras. Mas aqui no Rio Grande do Sul, o PTB sempre foi um partido com bancada, tinha cinco deputados estaduais, chegou a ter 10 deputados quando o senador Sérgio Zambiasi era deputado estadual. O PRD vem na mesma linha, de defender o trabalhismo. É um partido de centro. Todos os lados têm posições positivas e outras que podem ser revistas. O PRD tem essa linha de construir, de propor, de não ter só um lado como verdade.

Perfil

Marcelo Arruda, presidente da FAMURS. Política.

Marcelo Arruda, presidente da FAMURS. Política.

Fotos: TÂNIA MEINERZ/JC
Marcelo Arruda (Barra do Rio Azul, 1983) é prefeito de segundo mandato no seu municípios natal e desde 28 de maio é o novo presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Inicialmente atuava no ramo empresarial, tendo se formado em Ciências Contábeis e em Direito pela Universidade Regional Integrada (URI). Foi durante a graduação que iniciou sua atuação política, aos 18 anos, quando se filiou ao extinto PTB e presidiu o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Posteriormente, atuou como secretário da Fazenda de Barra do Rio Azul, de 2008 a 2010, onde também foi eleito prefeito por duas vezes, em 2016 e 2020. Em 2012, assumiu, no governo estadual, o cargo de diretor administrativo da Secretaria Estadual de Assistência Social e a Metroplan. Arruda também presidiu a Câmara Temática dos Municípios Sem Acesso Asfáltico (2019 a 2023) e em 2023 a Associação dos Municípios do Alto Uruguai (Amau). Na Famurs, também participou como vice-presidente nas gestões de Eduardo Freire (2019/2020) e Luciano Orsi (2023/2024).
 

Notícias relacionadas