A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (12) a urgência de votação para um projeto de lei que equipara ao crime de homicídio o aborto realizado após 22 semanas de gestação e com viabilidade do feto, mesmo quando a mulher grávida tenha sido vítima de estupro, em uma iniciativa de enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A votação aconteceu de modo simbólico e sem que o nome do projeto fosse citado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Alguns parlamentares disseram que sequer perceberam o que estava sendo definido. Houve reclamações sobretudo do PSOL, contrário à iniciativa.
Com a urgência aprovada, a matéria é analisada diretamente no plenário, sem precisar passar antes pelas comissões temáticas da Câmara. A expectativa do autor da proposta, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e do presidente da FPE, Eli Borges (PL-TO), é que o mérito seja votado na semana que vem.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), porém, disse na última terça-feira (11) que o compromisso que fez foi apenas de pautar o requerimento de urgência do projeto. "Nada é reação a nada. A bancada evangélica, cristã, católica tem essa pauta antiaborto na Casa. Não é novidade para ninguém. Eu apenas comuniquei no colégio de líderes que havia sido feito um pedido de votação de urgência de um projeto para se discutir o tema", disse.
Essa é mais uma frente de confronto entre a ala conservadora do Congresso Nacional contra o STF. Em maio, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas resultantes de estupro.
A técnica, feita em casos de aborto legal, consiste na injeção de uma substância que provoca a morte do feto para que depois ele seja retirado do útero da mulher. A resolução dificulta a interrupção da gestação, já que o método é considerado essencial para o procedimento.
O CFM entrou com recurso e afirmou que o processo deveria ter sido distribuído ao ministro Edson Fachin, que já é relator de uma ação sobre o aborto legal e, na avaliação da entidade, tem preferência para julgar o caso.
O presidente da bancada evangélica, Eli Borges (PL-TO), disse que se encontrou com Lira e entende que "é uma pauta que tem que ser resolvida com urgência pela decisão monocrática de Alexandre de Moraes, que faz um contraponto à decisão do Conselho Federal de Medicina, houve uma compreensão dele e dos líderes que temos que resolver isso no Legislativo, até porque esse é o foro ideal para resolver isso". "Esse Parlamento é conservador", afirmou Borges.
"Quando os médicos decidem, por que o Congresso tem que obrigar, por que o STF tem que obrigar? Aqui vai imperar o bom senso", afirmou a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), uma das principais articuladoras da iniciativa. "Tem partido que quer matar bebê? Em outros assuntos, a gente até senta para negociar. Com relação à vida, não tem concessão", disse a senadora.
Ela crê que a proposta deve tramitar sem maiores problemas e que o Centrão endossará a proposta. "Chegando aqui [no Senado], vai ser imediata [a entrada do projeto em pauta]. Eu já até sugeri obstrução se não passar logo", concluiu.
Caso a matéria seja aprovada, o aborto nos casos em que a gestação ultrapassar 22 semanas e houver viabilidade do feto será equiparado ao homicídio simples. O Código Penal determina atualmente prisão de um a três anos para quem realiza aborto fora dos casos previstos em lei. Para homicídio simples, a pena é de seis a 20 anos de reclusão.
"O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária", diz um trecho do projeto de lei.
O projeto faz parte da chamada "pauta de costumes", capitaneada pela oposição no Congresso e que desagrada ao governo Lula e sua base de apoio de esquerda. A aprovação do texto seria mais um revés para o Palácio do Planalto, dias após a sessão de análise de vetos que gerou uma série de derrotas do Executivo. Temeroso do revés, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), já se afastava da discussão no dia anterior à votação. "Isso não é assunto de governo", disse na última terça-feira.