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Publicada em 26 de Maio de 2024 às 17:05

Ação que pode extinguir dívida do RS está pronta para ser julgada

Leonardo Lamachia sustenta que "índices de correção não poderiam ser aplicados entre dois entes federados"

Leonardo Lamachia sustenta que "índices de correção não poderiam ser aplicados entre dois entes federados"

Fotos: THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Diego Nuñez
Diego Nuñez Repórter
A petição expedida pela seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) em 2012, que pode extinguir a dívida do Rio Grande do Sul com a União, está pronta para ser julgada, defende o presidente da OAB, Leonardo Lamachia. Em 14 de maio deste ano, Lamachia assinou um pedido de extrema urgência, em uma petição envida ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que pede o julgamento da ação que tramita há 12 anos no Supremo e a extinção do débito, que fechou 2023 em R$ 92,8 bilhões.
A petição expedida pela seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) em 2012, que pode extinguir a dívida do Rio Grande do Sul com a União, está pronta para ser julgada, defende o presidente da OAB, Leonardo Lamachia. Em 14 de maio deste ano, Lamachia assinou um pedido de extrema urgência, em uma petição envida ao ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que pede o julgamento da ação que tramita há 12 anos no Supremo e a extinção do débito, que fechou 2023 em R$ 92,8 bilhões.
A OAB entende que a ação está pronta para ser julgada, pois uma perícia sobre a dívida encomendada pelo STF foi finalizada no ano passado e detectou índices de correção do valor que a OAB afirma serem ilegais e inconstitucionais. Para a Ordem, esses índices de correção não poderiam ser aplicados entre dois entes federados.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Lamachia detalha o pleito da OAB-RS junto à União e à Suprema Corte e disserta, também, sobre como a calamidade gaúcha reflete no Direito.
Jornal do Comércio - Qual é o pleito que a OAB-RS está fazendo junto ao STF para pedir a extinção da dívida do Rio Grande do Sul com a União?
Leonardo Lamachia - Essa é uma pauta histórica nossa. A ação foi ajuizada pelo (então) presidente Cláudio Lamachia (irmão) em 2012, portanto, há 12 anos. Nesta petição inicial, sustentamos que os índices de correção do contrato são ilegais. Eles não poderiam ser aplicados entre dois entes federados. Entendemos que são ilícitos por isso. À época, 12 anos atrás, o presidente Cláudio Lamachia já dizia que a dívida estava quitada. Imagina hoje, depois de 12 anos, todos os juros que nós pagamos ao longo desse período. A nossa irresignação é quanto aos critérios de atualização. Entendemos que ferem o pacto federativo. A nossa tese é de que a dívida deveria ser corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De lá para cá, aconteceu uma perícia determinada pelo Supremo Tribunal Federal. Foi expedida uma carta de ordem, que é um instrumento para realizar a perícia aqui no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Essa perícia foi realizada e detectou na atualização dos valores esses índices que nós afirmamos serem ilegais. A perícia diz que os critérios de atualização da dívida foram os índices que a tese da OAB diz que são ilegais. Se os índices são ilegais ou não, isso depende da decisão do plenário do Supremo, mas a perícia atesta a existência desses índices no processo de correção.
JC - Qual argumento jurídico exatamente embasaria apontar que esses índices acordados seriam ilegais?
Lamachia - Nós entendemos que esses índices, por uma série de leis que regem a matéria, podem ser utilizados em contratos, mas não em contratos entre entes federados.
JC - Por quê?
Lamachia - Por conta desses dispositivos legais que, na nossa avaliação, não autorizam a aplicação desses índices.
JC - Essa perícia determinada pelo STF foi feita quando?
Lamachia - Ela foi concluída no ano passado.
JC - A OAB e outras autoridades do RS defendem que a dívida já foi paga. Por que e como o RS já quitou a dívida? O que o Estado estaria pagando hoje são juros sobre uma dívida criada lá atrás?
Lamachia - Isso. A nossa perícia particular aponta que, se o critério de atualização for efetivamente o que nós entendemos válido, que é o IPCA, essa dívida já foi completamente quitada. Ou seja, a nossa tese pede que o Supremo declare ilegais esses critérios de atualização, e, se eles forem ilegais e o critério for o IPCA, o valor da dívida não é R$ 100 bilhões e tudo o que o Estado já pagou já quitou ela. Também existem outras discussões dentro da perícia que poderiam levar a crer em uma extinção parcial da dívida, que não seria extinção total.
JC - Como poderia haver uma quitação parcial?
Lamachia - Porque tem uma lei de 1998 que mudou o critério de atualização. Se essa lei for considerada válida, de 1998 para frente, nós não teríamos uma quitação total, mas teríamos uma quitação parcial, com uma redução significativa.
JC - Tem também um aspecto humanitário nesse pedido em relação à situação vivida pelo Rio Grande do Sul.
Lamachia - Exatamente. Essa posição nossa é histórica. Os nossos argumentos técnico-jurídicos foram colocados em 2012 na petição inicial. De 2012 para cá, a ação vem tramitando e nós viemos reforçando os nossos argumentos jurídicos. Agora fizemos um movimento, tanto por meio da nota pública, quanto de uma petição dirigida ao relator e ministro Luiz Fux. Nesta petição, invocamos o momento que o Estado vive, invocamos todos os argumentos trazidos até aqui e pedimos que a União venha aos autos e concorde total ou parcialmente com o nosso pedido. Além disso, usamos um precedente, que na nossa avaliação pode ser aplicado, que foi o que o governo federal fez há três meses em relação aos precatórios federais. Entendendo que as emendas constitucionais 113 e 114 limitavam o pagamento dos precatórios, o governo entendeu que elas realmente eram inconstitucionais. E o governo peticionou, na ação da OAB, que questionava a limitação dos pagamentos precatórios, concordando com o pedido. Ao fazer isso, as emendas 113 e 114 foram declaradas inconstitucionais e foram liberados os pagamentos dos precatórios sem qualquer restrição. Nós estamos pedindo que a União faça o mesmo movimento nesta ação da dívida que fez na ação dos precatórios. Que peticione, concordando total ou parcialmente, aí é uma análise que a União vai ter que fazer.
JC - Na petição, a AOB provoca a Advocacia-Geral da União (AGU). Acredita que uma solução possa sair via Executivo?
Lamachia - Sim, o nosso pedido é via Executivo. Nós pedimos ao ministro Fux que intimasse a AGU, que é um órgão do Poder Executivo, para que a AGU se manifestasse. E por isso que eu me reuni aqui, em São Leopoldo, com o ministro (da Fazenda) Fernando Haddad (PT) e com o próprio presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT). Eu entreguei ao presidente a nossa petição dizendo a ele que, no nosso ponto de vista, havia condições técnicas e jurídicas necessárias, e também o ambiente político necessário para que o governo federal fizesse esse movimento. Porque diferentemente de um momento anterior a essa catástrofe, qualquer movimento do governo federal poderia gerar um precedente para outros estados. Mas nenhum outro estado está vivendo a catástrofe que nós estamos vivendo, porque é a maior catástrofe climática da história do Brasil. Então, entendemos que há também o argumento político para a União fazer este movimento sem que isso gere um precedente.
JC - Outros estados têm dívidas bilionárias também e provavelmente fariam movimentos para criar esse precedente, não acha?
Lamachia - Pois é, mas aí existem dois elementos que nenhum outro estado tem. A ação só o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro têm, mais nenhum. E somente o Rio Grande do Sul viveu a maior catástrofe climática da história do Brasil. Então, a União faria um movimento nos autos de uma ação considerando a maior catástrofe climática como um dos argumentos.
JC - Quando morreram mais de 900 pessoas no Rio de Janeiro em 2011 eles poderiam ter utilizado esse argumento na época…
Lamachia - Mas não usou na época. Esse argumento está prescrito. E a nossa catástrofe climática, por tudo que estão dizendo os especialistas, é muito maior do que qualquer uma que já aconteceu na história, pela sua magnitude. Naquela do Rio de Janeiro, o número de mortes foi significativo, mas ela foi restrita a uma região do estado. E aqui as principais regiões produtoras e de atividade econômica e industrial foram atingidas, Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Vale do Taquari e um bom pedaço da Serra. O impacto para a economia gaúcha é muito significativo. Por isso que nós entendemos que a União tem condições de chegar nos autos dessa ação e fazer uma proposta de composição com o Estado do Rio Grande do Sul, sem que isso gere precedente.
JC - Com a questão das chuvas, o governo Eduardo Leite (PSDB) pediu o cancelamento das parcelas pelo menos enquanto durar a reconstrução, o estado de calamidade. O governo federal não atendeu a esse pleito, apenas postergou o pagamento. Não seria já um indicativo de que não está disposto a abrir mão desses recursos?
Lamachia - Olha, eu acho que pode ser um indicativo, mas em nenhum momento durante essa negociação se tocou no tema da ação judicial (de 2012). E é exatamente por isso que a Ordem está colocando à disposição, não só do governo como da sociedade gaúcha, uma ferramenta para esse processo de negociação, que é a nossa ação baseada em critérios técnicos, jurídicos e contábeis. Há um estudo do Tribunal de Contas juntado por nós na ação que aponta o excesso de cobrança da dívida também, então nós temos elementos. Podemos ganhar ou podemos perder a ação, mas temos elementos técnicos efetivos para sustentar a nossa posição.
JC - Fazendo um resgate histórico, como foi a tramitação dessa ação ao longo dos anos?
Lamachia - Essa ação foi distribuída com todos os nossos argumentos. O Estado foi intimado e disse que ficaria neutro, à época. A União foi intimada e contestou a ação. Foi designada a perícia, da qual foi expedido um instrumento jurídico chamado carta de ordem. Essa carta de ordem sai do Supremo e vem pro TRF-4, onde é aberto um processo. Este processo é o que gera os trabalhos periciais realizados aqui no RS. Os trabalhos periciais foram realizados aqui, foi fechada a carta de ordem, que foi remetida de volta ao Supremo e agora o processo estaria pronto para julgamento. Esse é o andamento do passo a passo. Nesse meio tempo, tivemos a adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). E o Estado, depois da OAB, entrou com uma ação muito parecida com a nossa. Só que o Estado foi obrigado a desistir dessa ação porque aderiu ao regime.
JC - Essa nova etapa da negociação entre os governos estadual e federal resultou apenas no adiamento das parcelas. Como é que o senhor vê esse processo?
Lamachia - Reconheço o esforço do governador. Acho que o que o governo conseguiu foi importante, mas eu também considero, frente aos nossos argumentos da ação, que é muito pouco o que o governo federal deu para o RS neste momento. Precisamos de mais, muito mais, por parte do governo federal, na medida em que os nossos argumentos apontam para uma quitação total ou, no mínimo, parcial da dívida.
JC — A solução é unicamente via Executivo ou pode vir pela Justiça, com o STF, por exemplo, determinando a partir da petição que a dívida do RS seja extinta?
Lamachia — Pode. Nós temos duas formas de resolver. Provocamos, por meio desta petição, o governo federal para que ele fizesse um movimento e viesse aos autos concordar ou fazer uma proposta de acordo. Este é um encaminhamento que pode resolver a situação, que depende de uma iniciativa do governo federal. A outra solução, é termos um julgamento total ou parcialmente procedente, se o STF concordar com os argumentos da OAB e entender que os índices são ilegais, teríamos um julgamento de procedência total ou parcial da ação e aí teríamos a extinção total ou parcial da dívida.
JC — Várias sedes do Judiciário foram atingidas. Como será afetado o funcionamento da Justiça?
Lamachia — O sistema de Justiça do RS ficou debaixo d'água. A nossa sede da OAB foi atingida, os seis tribunais foram atingidos, o MP e a Defensoria: todos os prédios do sistema de Justiça.
JC — Como é que vai ser essa recuperação?
Lamachia — Falando da OAB: viramos a madrugada do dia 6 de maio, nos estabelecemos provisoriamente na Faculdade de Direito da Ufrgs. Chegamos lá de manhã e não tinha água, luz, banheiro, nem internet. Pegamos mesas, colocamos no estacionamento e trabalhamos debaixo de uma árvore usando o que tínhamos de 4G. No final da tarde, conseguimos um gerador a diesel e uma antena Satlink. Conseguimos colocar luz, dois banheiros químicos e passamos a operar todas as atividades deste enorme prédio de 14 andares que tem aqui praticamente 250 funcionários, da Ufrgs com 15 funcionários.
JC — Como a calamidade pode se refletir no Direito. Haverá aumento de pedidos de recuperação judicial, por exemplo?
Lamachia — Sempre que temos uma crise de natureza econômica e social, a advocacia acaba sendo muito demandada. Com uma catástrofe dessas, há um desarranjo nas relações sociais. Vai haver, sim, muita demanda de recuperações judiciais de empresas que foram atingidas, em relação a pagamentos de indenizações de seguradoras, questões trabalhistas também, porque muitas empresas vão fazer desligamentos e vão haver questionamentos judiciais disso tudo. Haverá sim uma demanda em diversas áreas do Direito e a advocacia será protagonista.
 

Perfil

Leonardo Lamachia (Porto Alegre, 1975) é advogado formado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 1999, sócio da Lamachia Advogados Associados e presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasl (OAB-RS) na gestão 2022/2024. Tem especialização em Direito Empresarial com ênfase em Direito Constitucional e Empresarial. Possui atuação em sustentações orais nos tribunais do RS, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Foi vice-presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Iargs) nas gestões entre 2013 e 2021. É Presidente do Fórum dos Conselhos Regionais e Ordens das Profissões Regulamentadas do RS. É Catedrático de Direito Societário do Centro Miguel Reale - ABF desde 2015, além de Irmão Mesário Efetivo da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

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