Após a aprovação por unanimidade de um requerimento do vereador Roberto Robaina (PSOL), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da CEEE Equatorial da Cãmara Municipal de Porto Alegre convocará a empresa Setup para prestar esclarecimentos na próxima quinta-feira (25). Contratada como terceirizada para prestar serviços de manutenção de redes elétricas para o Grupo Equatorial, a empresa foi acusada de fraude na capacitação de funcionários pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Dois relatórios de análise de acidentes de trabalho produzidos pelo MPT citaram a falta de qualificação dos profissionais, que também foram apontadas em depoimentos da CPI prestados na última quinta-feira (18). Na ocasião, os próprios documentos do MPT foram mencionados durante pronunciamento de Robaina na tribuna.
“Os testemunhos de hoje casam bem com situações fraudulentas que o MPT observou. Essa falta de qualificação e até possíveis falsificações em certificados podem explicar, por exemplo, os últimos acidentes fatais por choque elétrico. É muito grave que usuários e trabalhadores tenham suas vidas ameaçadas por este nível de irresponsabilidade”, pontuou o parlamentar.
Além de prestar serviços para a CEEE, a Setup é contratada por outras empresas gaúchas. Algumas delas são a CPFL Transmissão, CPFL RGE e TESB.
O que dizem os relatórios do MPT
Um dos documentos diz respeito a um acidente com um poste de média tensão no município de Palmares do Sul em 2023 e que resultou na morte de um funcionário. Nele, o MPT chega a citar que a Setup, à época, era a “empresa recordista de mortes sequenciais de seus empregados no Estado do Rio Grande do Sul”, registrando três ocorrências semelhantes.
Os três casos envolveriam “erros operacionais grosseiros praticados pelas equipes acidentadas em razão de falta de domínio das funções por motivo de desqualificação das equipes”. O relatório aponta que essa falta de conhecimento ocorria pois a Setup estaria falsificando certificados de qualificação e treinamento para contratar mão de obra desprovida de formação como eletricista. Os certificados teriam registrada uma carga horária três vezes maior do que a efetivamente executada pelos contratados.
A vítima do acidente em Palmares do Sul teria morrido por uma descompensação cardíaca decorrente do estresse causado por uma crise de pânico. O fato ocorreu após a formação de um arco elétrico no poste em manutenção, um evento incomum, mas previsível e que não oferece risco aos profissionais quando observada a margem de segurança. Todavia, o relatório aponta que os trabalhadores da equipe desconheciam o fenômeno e entraram em pânico ao avistá-lo, gerando “fugas histéricas” em um “comportamento de manada”.
De acordo com o MPT, a morte era evitável, uma vez que, com treinamento adequado, os profissionais reagiram tranquilamente ao evento, aguardando que o arco elétrico cessasse sozinho. O órgão argumenta também que, mesmo em caso de pânico e estresse de um dos profissionais, o restante da equipe qualificada poderia acalmar e proceder com calma na prestação de socorro da vítima, aumentando as chances de sobrevivência.
O outro relatório aborda um acidente de trabalho ocorrido em Capão da Canoa, também em um poste de distribuição de energia de média tensão. Na ocasião, a equipe, acostumada a trabalhar em redes energizadas, foi deslocada de Porto Alegre para exercer suas atividades, mas, dessa vez, em rede desenergizada, com a qual não estaria habituada. Foi constatada uma série de erros na atuação dos trabalhadores durante a prestação dos serviços, ocorridos, de acordo com o MPT, pela falta de qualificação.
Um dos erros mais grosseiros e fundamentais para o desfecho fatal foi a crença da equipe de que uma das redes estava desenergizada, sem a conferência da tensão. Durante o procedimento, o supervisor do grupo (Paulo) teria se distraído ao realizar uma ligação telefônica com a central de operações da CEEE. Durante a chamada, foi gravado o momento do acidente, em que a vítima foi atingida por uma descarga elétrica.
“Exatamente às 09h02 da transcrição (da ligação entre Paulo e a central de operações) há registro de que houve um barulho às 09h02 seguido de uma exclamação de Paulo "poxa… égua, cara, como é que essa chave pode estar fechada bixo", seguida ainda de ordens para que a vítima fosse socorrida mediante retirada de luvas e corte da camisa”, pontua o relatório.
A vítima foi socorrida pelos demais profissionais e levada imediatamente ao hospital, onde foi internada com queimaduras elétricas. Entretanto, acabou falecendo por choque séptico após mais de um mês de internação.
Na ocasião, o acidente fatal não foi reportado à central de operações da CEEE e a equipe seguiu realizando os serviços na rede mesmo após a morte do funcionário pertencente ao grupo.