Gabriel Silveira Dias e Ana Carolina Stobbe
Tramita na Câmara de Municipal de Porto Alegre um projeto de lei que pode corrigir um erro histórico. O Projeto de Lei (PL) 012/2023, apresentado em junho do ano passado, pretende anexar a comunidade Passo das Quirinas, de Viamão, ao território de Porto Alegre. A área acabou fazendo parte de Viamão devido a um erro no desenho do mapa da Capital que teria excluído a região dos domínios porto-alegrenses em 1944 — equívoco que permanece até hoje, 80 anos depois. A alteração dos limites legais da cidade é um fato inédito para Porto Alegre.
A descoberta do erro surgiu em 2009, durante um estudo feito pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) de Porto Alegre. "Seria realizado um aerolevantamento, em que a prefeitura consultou o Estado sobre os limites municipais de Porto Alegre. Recebemos então um relatório com a legislação e um arquivo vetorial com o limite oficial. Ao analisarmos este material, percebemos que uma área significativa era considerada Porto Alegre pela administração, mas pela lei era na verdade Viamão", afirma Tiago Salomoni, engenheiro cartógrafo da secretaria.
A Lei nº 720, de 29 de dezembro de 1944, fixou a divisão administrativa e judiciária entre Porto Alegre e os municípios vizinhos. Durante a divisão, foram alinhados oficialmente os pontos que dividem Porto Alegre e cada município através da confecção do mapa oficial. A suspeita da Prefeitura de Porto Alegre é que, durante esse processo, uma área de 1,14 km2 foi inserida como parte de Viamão por um simples erro no desenho cartográfico da cidade. Tiago Salomoni afirma que não se pode especificar quando foi ou quem cometeu o erro, mas aponta que ele é fundamental nessa discussão: "Foi um erro cartográfico bem antigo, quando os mapas ainda eram em papel. Alguém deve ter literalmente desenhado de forma equivocada o limite e isto foi replicado por outros."
A Prefeitura de Porto Alegre reivindica o local. A justificativa para o projeto de anexação, além da correção do erro cartográfico, também é logístico. Segundo o Executivo, no texto do PL, a correção do limite territorial acarretará no retorno da área descrita para Porto Alegre, atendendo o interesse da população da região, que "se reconhecem como moradores de Porto Alegre". Como exemplo do transtorno que é a indefinição, alguns cidadãos do Passo das Quirinas relatam que nos comprovantes de residência, como água e luz, consta o nome das duas cidades, o que tem causado diversos empecilhos.
Erro cartográfico impacta arrecadação municipal
Por décadas, Porto Alegre considerou o Passo das Quirinas como parte do município, ao ponto de diversos serviços públicos da região serem prestados pela administração da Capital, e não por Viamão. O Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) afirmam que são responsáveis pela coleta de lixo e pelo serviço de saneamento do Passo das Quirinas, sem o envolvimento de Viamão em ambas as situações.
O pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um ponto importante nessa discussão. Atualmente, a região está vinculada a Viamão, com a arrecadação feita pelo município. Mesmo que a região seja atendida de diversas formas por Porto Alegre, a Secretaria da Fazenda da Capital afirma que apenas duas casas na rodovia Estrada das Quirinas — via que faz o limite entre os municípios — estão vinculadas à cidade. A prefeitura de Viamão não confirma a arrecadação do IPTU dos moradores do Passo da Quirina, mas segundo o CEP das casas registradas na região e as informações da Fazenda da Capital, o pagamento é feito inteiramente para Viamão.
Polêmica é alvo dos legislativos municipais das cidades vizinhas
Em dezembro de 2023, a Câmara de Vereadores de Viamão aprovou uma proposta do Executivo para reajustar os limites com Porto Alegre, mas o projeto ainda manteve o Passo das Quirinas sob domínio viamonense. Dias depois da aprovação pelo Legislativo viamonense, ocorreu uma audiência pública na Câmara da Capital, onde um dos pontos foi a divergência entre os projetos das duas cidades. No entanto, a audiência pública foi invalidada pois não foi gravada. O vereador Jessé Sangalli (Cidadania) propõe que uma nova convocação seja realizada para que a população seja ouvida mais uma vez.
O levantamento feito pelo projeto porto-alegrense justificava o anexo de uma área de 581 hectares, já o projeto de Viamão aprecia apenas 114 dos 581 hectares reivindicados originalmente por Porto Alegre. O vereador Moisés Barboza (PSDB) afirma que a diferença entre os dois projetos se deu por conta desentendimento entre as duas prefeituras, com o projeto da Capital abrangendo uma área maior do que a necessária, o que levou Porto Alegre a aceitar o projeto viamonense.
O acordo está sendo construído simultaneamente entre os dois municípios e está avançando no Legislativo da Capital. "Ele está na fase técnica de espelhar o projeto que foi aprovado em Viamão com o projeto de Porto Alegre. Está sendo construída uma emenda, alterando um pouquinho o texto para ser igual ao de Viamão, para que os dois municípios declarem qual é a divisa entre as cidades", aponta Barboza, que é o propositor da emenda. De acordo com o vereador, o projeto já foi priorizado pela Casa e deve ser votado no dia 13 de março. Caso aprovado, o projeto ainda seguirá para uma comissão da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, para ser apreciado e efetivar a mudança.
Procurada para prestar esclarecimentos, a Prefeitura de Viamão ainda não respondeu sobre o caso. No entanto, ao sancionar o projeto da Câmara, o Executivo viamonense alegou que "a proposta do novo limite foi traçada levando em consideração aspectos sociais, a divisa natural do terreno (curso d'água), a linha limítrofe entre loteamentos, condomínios e/ou áreas urbanas não cadastradas". Além disso, justificou que "o novo traçado representará a real situação em que vive a população local, fazendo com que a administração pública de ambos os municípios consiga atender com eficiência as suas necessidades".