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Publicada em 18 de Fevereiro de 2024 às 19:28

Clima vai provocar deslocamento de população no RS, diz secretária do Meio Ambiente

Marjorie sinaliza o andamento dos estudos das bacias hídricas do Estado

Marjorie sinaliza o andamento dos estudos das bacias hídricas do Estado

FERNANDA FELTES/JC
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Lívia Araújo
Lívia Araújo Repórter
As tempestades severas que vêm provocando desastres e prejuízos em várias regiões do Rio Grande do Sul desde o ano passado colocaram o tema da "adaptação e resiliência" no topo das prioridades da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). Além do projeto de lei de Arborização Urbana - que inclui a questão de podas relacionadas à rede elétrica e deverá ser enviado pelo Piratini à Assembleia em breve -, a titular da pasta, Marjorie Kauffmann (PSDB), sinaliza o andamento dos estudos das bacias hídricas do Estado, a exemplo do sistema Taquari-Antas, o mais gravemente afetado pelo excesso de chuvas no ano passado, e que balizará políticas de ação emergencial e a revisão de planos diretores municipais.
As tempestades severas que vêm provocando desastres e prejuízos em várias regiões do Rio Grande do Sul desde o ano passado colocaram o tema da "adaptação e resiliência" no topo das prioridades da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).
Além do projeto de lei de Arborização Urbana - que inclui a questão de podas relacionadas à rede elétrica e deverá ser enviado pelo Piratini à Assembleia em breve -, a titular da pasta, Marjorie Kauffmann (PSDB), sinaliza o andamento dos estudos das bacias hídricas do Estado, a exemplo do sistema Taquari-Antas, o mais gravemente afetado pelo excesso de chuvas no ano passado, e que balizará políticas de ação emergencial e a revisão de planos diretores municipais.
A secretária avalia, por exemplo, que apesar de ser um tema "politicamente delicadíssimo", o eventual deslocamento de populações é "inevitável".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Marjorie também pontuou que, embora a questão ambiental seja das mais urgentes da atualidade, a área precisa ser mais efetiva e pragmática no alocamento de recursos, e que o RS precisa "gargantear" boas práticas. "Somos um dos primeiros estados do Brasil a ter testado técnicas de agricultura de baixo carbono", defende.
Jornal do Comércio - O que a senhora acredita que seja mais prioritário ou esteja na ordem de urgência nas ações do governo do Estado na área ambiental?
Marjorie Kauffmann - Temos vários programas de conservação, de preservação dos biomas, então isso são constantes, que não mudam de acordo com alguns eventos extraordinários que venham, e eles não são menos importantes, só que eles precisam ser perenes. Desde o início do governo, entendemos que o desenvolvimento é subsídio para preservação. Sempre tivemos essa máxima de desenvolver para proteger, porque onde tem ordenamento, licenciamento ambiental, eu consigo ter um controle, consigo minimizar os impactos e também promover a conservação, a proteção. Mas nos últimos anos tivemos uma pauta que eu acredito que no Rio Grande do Sul tenha sido nova dentro da Secretaria do Meio Ambiente, pelo menos com o peso que tem, que é a pauta climática.
JC - Nos últimos anos, a maior parte do debate em relação às políticas estaduais de Meio Ambiente girava em torno do licenciamento ambiental. Acha que esse tema foi "atropelado" pelo clima?
Marjorie - Sempre dizia quando assumi a secretaria que muito mais importante que o licenciamento é o planejamento. E a Sema tem esse papel importante de fazer o planejamento e propor políticas públicas que vão dar qualidade ambiental. O licenciamento é um dos itens dentro desse todo que a gente trabalha. E o licenciamento existe para que possamos minimizar os impactos e controlar as atividades potencialmente poluidoras. Quando iniciamos a pauta climática, a nível mundial ela era diferente, porque se falava muito em redução de emissões de gases e também novas técnicas de compensação. E aí a COP do ano passado falou muito disso, de desastre. E aí é outro item que vem da questão das mudanças climáticas, que é a resiliência. Adaptação e resiliência.
JC - E isso se tornou um tema urgente com as tempestades ainda mais severas que enfrentamos no ano passado.
Marjorie - Estávamos nos preparando para um momento futuro que chegou e que agora temos que dar um jeito, ele não vai embora. Vai ter mais, e cada vez mais próximos e mais fortes. Tivemos no vale do Taquari essa questão do excesso hídrico em um curto espaço de tempo e que nos fez ter um olhar para a questão da ocupação do solo urbano também e aí é uma política pública de Estado, mas que envolve muito ordenamento urbano, que é do município.
JC - Existe uma discussão sobre "migração climática", baseada em realidades que são distantes para nós, como o avanço do mar nas ilhas do Oceano Pacífico. Mas aqui no RS, cidades como Muçum e Roca Sales foram arrasadas. Esse deslocamento pode se tornar realidade por aqui?
Marjorie - Desde 1941 não tinha aquele tipo de cheia, mas teve. Todas as pesquisas mostram que vai ser mais frequente. A primeira coisa é reavaliar o posicionamento dos municípios. E isso é complicadíssimo, é politicamente delicadíssimo. Se formos remontar às cidades europeias ou às primeiras civilizações, as comunidades começaram na beira dos rios. É muito difícil alterar essa feição, mas, primeiro, os planos de emergência, que são os instrumentos de evacuação que a gente tem, precisam ser revisados. Os planos diretores, que determinam onde as pessoas podem ter moradias, também precisam ser revisados. Tudo isso são trabalhos que não levam três ou cinco anos. Estamos falando de coisas de 10, 20 anos, que têm que ter um novo planejamento. Essas ações têm que ser em conjunto com os municípios. Temos buscado expertise internacional para conseguir construir tudo isso. E temos trabalhado muito focando na melhoria da nossa Sala de Situação, que promove a previsão e o monitoramento para poder dar mais tempo de resposta aos municípios.
JC - Em muitos países, a ideia da preparação para desastres, como nos Estados Unidos e Japão, que sofrem com tornados, terremotos e tsunamis, é muito arraigada e envolve a participação ativa da população, no sentido de orientar para rotas de fuga, ter à mão suprimentos e documentos, etc. Isso é algo mais viável no curto prazo?
Marjorie Kauffmann - É educação comunitária para áreas suscetíveis a desastres ambientais. O conceito também é novo no Estado, mas é muito aplicado pela ONU Habitat. É treinar a comunidade. Em Lajeado, há pelo menos duas enchentes por ano. É uma população que já está acostumada a isso, mas não nas proporções do ano passado. Precisamos reforçar essa consciência comunitária. Nossa ideia é trabalhar principalmente com a Univates. Já estamos elaborando um termo de referência para a contratação de um diagnóstico da Bacia do Taquari, que vai refazer o mapeamento e a batimetria de toda a bacia hidrográfica. Não adianta fazer uma barragem que vai resolver Lajeado, mas prejudicará os demais. Temos que pensar a bacia como um todo. Por outro lado, temos várias pequenas centrais hidrelétricas que já tem monitoramento de vazão. Então, o que o Estado está desenhando? A contratação desse diagnóstico para ver o que aconteceu com o rio. Para que possamos avaliar onde são os melhores lugares que deveríamos fazer desassorreamento, barramento e deslocamento de populações, que eu acho que é inevitável. Acredito que seja inevitável.
JC - Em quanto tempo é viável ter um plano deste tipo, que possa mobilizar a comunidade?
Marjorie - Alguns municípios já têm. Então as pessoas já sabem para onde ir e cada vez mais têm procurado canais. A ideia do Estado é ter um canal mais cristalino, mais didático, para as pessoas poderem por sua conta fazer esse deslocamento. Hoje, temos vários dados que são recebidos de diferentes fontes, que são trabalhados pela Sala de Situação do Estado. Ela depura essa informação, passa para a Defesa Civil estadual, que passa para a regional, que passa para a municipal e que alerta a prefeitura. O processo é até rápido, mas alguma coisa pode se perder no caminho. E as pessoas querem ver o que a Sala de Situação disse. Portanto, nossa ideia é melhorar o portal do Estado e não tê-lo só para a Defesa Civil, mas também diretamente para a população, da maneira mais didática possível. Vamos levar esse ano inteiro para conseguir finalizar. Acredito que no primeiro semestre já comece a ter algumas modificações no nosso sistema, mas com certeza vamos trabalhar muito durante esse ano todo. A questão da revisão dos planos de contingência e evacuação também já tem sido um pré-requisito para o recebimento de recursos. A ideia é que o Estado possa pegar na mão dos municípios para revisar esses planos o quanto antes possível, também tendo esse semestre, esse ano, para promover tudo.
JC - E como se pode mobilizar a população?
Marjorie - Na parte do trabalho comunitário, já encaminhamos proposta do acordo de cooperação com a Univates para poder distribuir isso por tudo: escolas, universidades, paróquias, empresas. Durante a tragédia no Vale do Taquari, me chamou a atenção uma pessoa do Médicos Sem Fronteiras, que disse: "no interior, é o sino da igreja que avisa que as pessoas vão ter de sair". É um processo que envolve uma base de dados confiável para te dar informação, para ter o sinal de alerta e pessoas prontas para entender o que a gente está falando. Esse círculo todo independe de grandes obras civis: isso aí é educação e treinamento comunitário. Acho que estamos correndo para não perder esse momento de sensibilização das pessoas. Isso é o mais imediato, então.
JC - O programa Pró-Clima 2050 fala da reavaliação periódica da legislação ambiental. A exemplo do licenciamento, isso passa por muito debate legislativo. O que está sendo preparado para discussão com a Assembleia?
Marjorie - Tem o PL que trata dos regramentos e da execução das responsabilidades sobre a arborização urbana em contato ou não com a rede elétrica e que o time da Sema está reavaliando, e está na fase final. Vamos encaminhar à Casa Civil nesta semana. Também temos uma política de gestão de riscos para desastres ambientais que já é executada, e que ainda não tem lei que regulamente. Também estamos revisando todos os procedimentos que têm relação com reservação de água, por exemplo, já que o RS tem essa oscilação gigantesca de oferta e escassez hídrica.
JC - Falando do setor agrícola, a senhora vê uma disposição maior em tornar nossas práticas mais alinhadas à realidade ambiental e climática que estamos vivendo?
Marjorie - Creio que esse paradigma de produção vs. meio ambiente já vem sendo desconstruído para se perceber que um necessita do outro, são interdependentes. Somos um dos primeiros estados a ter testado técnicas de agricultura de baixo carbono. Era algo que se fazia para melhorar a produtividade, mas nunca se "garganteou" isso. A gente não expõe. Então começamos a ter um olhar diferente. Hoje, a Sema e a Fepam estão dentro da Expointer e da Expodireto. Temos técnicas de manejo como a rotação de culturas — uma cultura no inverno e outra no verão — há muito tempo. A parte de plantio direto também existe há muito tempo, que é não revolver o solo, deixar a palha para incorporar dentro do solo. A terminação intensiva, que é conseguir deixar o gado o menor tempo possível e ter a maior engorda dele naquele tempo, e, principalmente, com uma altura do pasto que pode capturar um volume maior de gás do que é emitido pelo gado. A pecuária é considerada vilã por causa do metano, mas se compararmos a emissão de gases da pecuária mundial, ela é insignificante se comparada a qualquer outra atividade produtiva. Mesmo a gente tendo um dos maiores rebanhos do mundo. E aí o que acontece? Dependendo da altura, o pasto captura mais do que o gado emite. Então, ele pode ser neutro ou até negativo. E não medimos e nem falamos disso. Aí o boi está sendo estigmatizado como o grande vilão enquanto muitos outros cultivos aqui são negativos.
JC - No âmbito das políticas públicas, que nível de prioridade o Meio Ambiente tem hoje? Qual deveria ter?
Marjorie - Em nível mundial, está entre as questões principais, porque todas as outras coisas dependem do meio ambiente. Isso ficou muito claro com as catástrofes que aconteceram. Elas tiveram de acontecer para as pessoas entenderem que o ambiente tem que estar no planejamento inicial, prioritário para tudo.
JC - Se traduz na prática, com direcionamento de recursos?
Marjorie - Se olharmos os orçamentos do ministério do Meio Ambiente, nunca temos bons índices de execução. Aí é que está o problema: não podemos financiar sonhos, precisamos de projetos. Não adianta pegar milhões, bilhões, se não tenho um projeto executivo. E talvez esse seja o maior defeito da área ambiental: ela nunca foi pragmática nos cronogramas físico, financeiros, da execução. A parte ambiental precisa melhorar e as catástrofes fizeram a prioridade do meio ambiente estar lá no topo, e esse timing precisa ser aproveitado para que os projetos sejam mais efetivos e pragmáticos.
 

Perfil

Marjorie Kauffmann (PSDB) nasceu em Lajeado, no Vale do Taquari, em 20 de maio de 1982. É engenheira florestal pela Universidade Federal de Santa Maria e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento do Centro Universitário Univates. Doutora em Geociências pela Unicamp, cursou pós-doutorado no Centro Universitário Univates. Trabalhou em projetos na área de infraestrutura, como estradas, pontes e usinas hidrelétricas e foi diretora da Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Lajeado de 2017 a 2018. Entre 2019 e 2022, atuou como diretora-presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Desde março de 2022, é secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura. Representou o Rio Grande do Sul nas Conferências do Clima de 2021, na Escócia, de 2022, no Egito, e de 2023, nos Emirados Árabes. Na Expointer de 2022, foi homenageada com a medalha Assis Brasil e, na Expodireto de 2023, recebeu o troféu Brasil Expodireto na categoria Sustentabilidade.
 

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