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Publicada em 20 de Dezembro de 2023 às 20:48

Secretária da Fazenda espera rever Regime de Recuperação Fiscal em 2024

RS deve fechar 2023 com dívida de R$ 94 bilhões com a União

RS deve fechar 2023 com dívida de R$ 94 bilhões com a União

MAURICIO TONETTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Diego Nuñez
Diego Nuñez
O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) deve ser repactuado entre Rio Grande do Sul e União em 2024, segundo confia a secretária da Fazenda do Estado, Pricilla Santana. Ela, em nome do Palácio Piratini, passou o ano inteiro negociando um novo acordo com o Ministério da Fazenda, visto as medidas na esfera federal que reduziram a arrecadação dos estados brasileiros, a partir das Leis Complementares 192 e 194, de 2022, aprovadas pelo Congresso Nacional.
O Regime de Recuperação Fiscal (RRF) deve ser repactuado entre Rio Grande do Sul e União em 2024, segundo confia a secretária da Fazenda do Estado, Pricilla Santana. Ela, em nome do Palácio Piratini, passou o ano inteiro negociando um novo acordo com o Ministério da Fazenda, visto as medidas na esfera federal que reduziram a arrecadação dos estados brasileiros, a partir das Leis Complementares 192 e 194, de 2022, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Nas conversas para a busca de um novo acordo, o governo federal fez uma proposta em que o RS empenharia R$ 2,5 bilhões no ano que vem - hipótese prontamente rechaçada pelo RS. O Estado busca mudanças nos indexadores e extensão no prazo de pagamento da dívida para 15 anos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), solicitou o prazo de até o final do primeiro trimestre de 2024 para dar uma resposta ao pleito gaúcho. Enquanto isso, outros estados devedores, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, estudam judicializar conjuntamente o tema e buscar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Há possibilidade de o Rio Grande do Sul aderir a esse movimento, que está sendo estudado pelo Estado. A previsão é que a dívida do RS com a União termine 2023 atingindo quase R$ 94 bilhões.
Jornal do Comércio - Qual é exatamente a proposta da União para o RS e por que o Estado não seria capaz de cumprir esse compromisso?
Pricilla Santana - Quando aderimos ao RRF em 2022, pactuamos com a União um cronograma de retomada progressiva dos pagamentos do encargo total da dívida. Começamos com desconto de 100%. Esse ano a gente já tá pagando 10% e assim sucessivamente até que, ao final de 2031, a gente alcançaria 100% dos pagamentos. Em 2024, deveríamos pagar, segundo o acordo assinado, R$ 950 milhões. Acontece que para pagar qualquer dívida tenho que ser capaz de fazer uma poupança, que é o tal do superávit primário. E nós tivemos uma mudança muito brusca de arrecadação por conta das Leis Complementares 192 e 194 (de 2022), dois meses depois que o RS ingressou no regime, e perdemos R$ 5 bilhões (em arrecadação de ICMS). Isso faz com que eu não consiga… esse ano não é problema porque os recursos que advieram da (venda da) Corsan contam para efeitos de resultado primário. Mas ano que vem não tem recursos extraordinários. Só vai ter a perda da arrecadação mesmo, que ainda não está recomposta. Temos a certeza de que a meta do ano que vem não iríamos cumprir. Fomos conversar com eles para repactuar a meta e consequentemente o serviço da dívida que eu iria pagar.
JC - Qual foi a proposta do Estado e qual a resposta da União?
Pricilla - Primeiro, propusemos um prazo de 15 anos. Originalmente, teríamos nove anos. E queremos rever o serviço da dívida, sobretudo a questão de indexadores. Essa foi a nossa proposta. O que veio de contraproposta da União, que torna simplesmente impossível para a gente: ela não aceitou 15, propôs 12 anos. Com relação aos indexadores, criou o que chamam de amortização extraordinária, que não existe na regra, e estabeleceu um pagamento mínimo como proporção à Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado. A combinação disso tudo faz com que eu tenha que pagar ano que vem R$ 2,5 bilhões. Não tínhamos condições de pagar nem os R$ 950 milhões, quiçá os R$ 2,5 bilhões. A proposta veio muito diferente daquilo que vínhamos conversando. Não foi isso que foi proposto, que pensamos idealmente num contexto de perda de arrecadação muito forte. Então reiteramos a nossa proposta, apresentando ao ministro Haddad. Ele pediu até o fim do primeiro trimestre do ano que vem para fazer uma outra oferta. Então estamos nesse pé.
JC - Se o RS foi justamente demonstrar que não teria capacidade de pagar, por que a União veio a sugerir que a parcela da dívida fosse maior no ano que vem?
Pricilla - Estamos diante de um evento que leva em consideração a situação de quatro estados. Essa proposta foi apresentada não só pelo Rio Grande do Sul, mas pelos quatro estados que estão envolvidos nessa discussão. Em especial, o estado do Rio de Janeiro tem uma condição muito mais complexa que a do Rio Grande do Sul. A União não apresentou uma motivação do porquê dessa contraproposta. Ela simplesmente encaminhou. Tentamos fixar algumas compreensões, mas infelizmente não tivemos retorno. Por isso tivemos que levar o assunto ao ministro Haddad, que pediu três meses para tentar explicar.
JC - É suficiente estender o prazo de pagamento?
Pricilla - A extensão do prazo de pagamento auxilia, mas não tem um elemento transformador. Precisamos das duas coisas: extensão do prazo e uma revisão do indexador.
JC - O que envolve a negociação de um novo indexador?
Pricilla - Hoje, o indexador aplicável é (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) IPCA mais 4% ou (taxa) Selic, o que for menor. Contudo, essa regra tem um fator de cumulatividade. Foi um decreto que regulamentou, isso não está na lei. O decreto traz o acumulado desde 2013. Essa acumulação, sobretudo agora que a Selic está muito alta, está gerando um crescimento do saldo devedor da dívida do Estado muito significativo. Por exemplo, ano passado tínhamos uma dívida de R$ 89 bilhões. Vamos fechar esse ano com quase R$ 94 bilhões. Ela está crescendo R$ 10 bilhões. Ainda que estivéssemos pagando a prestação cheia, 100% do valor que a gente deveria estar pagando - ou seja, R$ 5,5 bilhões -, estaríamos devendo R$ 4 bilhões além. Então há um problema no indexador. É o que o Rio de Janeiro tem colocado. Pelo que vi pelas notícias, parece que o RJ resolveu ir ao STF, não aguardar o prazo solicitado pelo ministro Haddad.
JC - Qual a defesa do RS em relação aos indexadores?
Pricilla - Trabalhamos com duas variáveis extremamente incertas e absolutamente fluidas: ou o IPCA ou a Selic. São dois indexadores que quem determina é a própria União. Os estados tem pouquíssima capacidade de determinar o valor da Selic, que quem define é o banco central. E a inflação é uma dinâmica macroeconômica. Por outro lado, fizemos uma pesquisa junto às linhas de financiamento que a União usualmente oferece e identificou uma que seria bem interessante, que é a linha que utiliza para o setor agrícola, a do Plano Safra. É uma taxa de juros nominal, fixa. Este ano está 3%. Queremos a 3% também, a mesma taxa que chamamos de taxa de juros de longo prazo da economia, que é calculada pelo Banco Central. Queremos aplicar ao nosso contrato uma taxa de juros sem correção monetária, sem Selic ou IPCA, e uma taxa de juros igual àquela oferecida ao setor agrícola, de 3% ao ano.
JC - O Rio de Janeiro inclusive pleiteou a retirada da taxa de juros.
Pricilla - É. Não ter taxa de juros de nada. Nós ainda propusemos pagar a taxa de longo prazo da economia.
JC - Existe um movimento conjunto dos estados devedores?
Pricilla - Eu enxergo a possibilidade de os estados agirem conjuntamente. Hoje, cada um está com uma estratégia um pouco diferente. Mas todas estão passando pelo STF, à exceção da gente, que ainda não não tem uma medida judicial, porque estamos na mesa negociando. Mas isso não é uma hipótese descartada. Todos estão levando suas estratégias no STF. A minha experiência com o Supremo diz que ele vai chamar todo mundo, botar todo mundo na mesma mesa e negociar coletivamente.
JC - O RS esperaria o prazo solicitado pela Fazenda, até o fim do primeiro trimestre do ano que vem, para ingressar com uma possível ação no STF?
Pricilla - Essa é uma estratégia que estamos conversando muito internamente. É uma estratégia sobretudo jurídica. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) está nos orientando da melhor forma. Não posso afirmar que vamos esperar, nem que não vamos. Estamos definindo a estratégia jurídica.
JC - Há a expectativa para que um novo acordo seja definido dentro do ano de 2024?
Pricilla - Eu acredito que sim. Se de fato construirmos uma solução de consenso, negociada, conseguiremos perfeitamente implementar em 2024. A proposta contou com apoio dos quatro (estados). Apresentamos há mais ou menos um mês e meio. E muito por força da inércia da União e dos prazos que são pedidos é que Minas Gerais e Rio de Janeiro começaram a adotar estratégias paralelas.
 

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