A Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul) está se mobilizando intensamente contra o projeto do governo Eduardo Leite (PSDB) que propõe a majoração da alíquota básica do ICMS de 17% para 19,5%. A entidade tem articulado junto a deputados estaduais pela rejeição do projeto e, nesta entrevista, o vice-presidente de integração da Federasul, Rafael Goelzer, expõe os argumentos pelos quais os empresários gaúchos consideram a medida prejudicial aos estados.
Na visão de Goelzer, há limite para que aumento de tributos garanta um nível maior de arrecadação. Ele acredita que a redução de impostos atrairia investimentos que garantiriam maior arrecadação para o Estado. Por outro lado, confia que as bancadas dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste conseguirão alterar o texto da reforma tributária.
A justificativa do Palácio Piratini para a majoração é que a divisão de receitas para o futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) até 2078 deve ser baseada na média da arrecadação dos estados entre 2024 e 2028. Goelzer e a Federasul, porém, acreditam que é possível modificar a reforma que tramita novamente na Câmara dos Deputados.
Jornal do Comércio - Como a Federasul se posiciona em relação ao projeto que propõe aumento da alíquota básica do ICMS?
Rafael Goelzer - O governador Eduardo Leite, na segunda-feira (passada), chamou uma reunião e expôs esse projeto de aumento de impostos. Ele colocou que esse aumento é distinto dos aumentos de anteriormente. Ou seja, os aumentos de impostos que o RS propôs e realizou foram para tapar buracos em função de uma ineficiência do Estado. E que esse projeto estava vinculado à reforma tributária federal, em um artigo que determina que a média da divisão de arrecadação proporcional dos estados seria realizada através do IBS, o novo imposto, sobre uma média futura de 2024 a 2028. Fazer média futura é um erro crasso. Não se faz média sobre algo que não aconteceu. Se faz média sobre o passado. Média sobre o futuro acaba criando distorções, que é o que está acontecendo hoje em todos os estados brasileiros, essa corrida pelo aumento de impostos. Ele expôs também que havia um movimento articulado conjunto entre todos os governadores do Sul, Sudeste e Centro-oeste, e que Santa Catarina ainda estava negociando.
JC - Inclusive para o mesmo patamar de 19,5%.
Goelzer - Nessa reunião, comentei com o governador que me surpreendia muito estarmos aumentando o imposto para 11 milhões de gaúchos - ou, se nós aumentarmos para o Brasil inteiro no movimento de ampliação de impostos, seria para mais de 210 milhões de brasileiros - por um erro de um texto que ainda não foi aprovado. Se essa mesma mobilização que governadores estão fazendo pelo aumento de impostos, eles fizessem para que suas bancadas federais alterassem um erro crasso de texto, nós não teríamos esse problema. A questão é: será que os governadores estão interessados em fazer essa alteração no texto? É uma dúvida que tenho. Se somarmos a bancada do Sul, Sudeste e Centro-oeste, teríamos 297 deputados federais. Isso é 60% da Câmara. Isso aprova qualquer mudança de texto com total facilidade. Daí as pessoas podem imaginar: não, mas tu tens a composição do Congresso Nacional de esquerda e direita, conservadores e liberais, governo e oposição. Isso não é ideológico. É um erro de texto visível, básico e eu não entendo como é que eles não fazem essa correção. Eles acham mais fácil aumentar o imposto para 11 milhões de gaúchos do que fazer uma correção de texto.
JC - Acredita que esse movimento conjunto de aumento de impostos também poderia ser uma pressão pela mudança do texto no Congresso?
Goelzer - Se houvesse, em qualquer material relacionado à defesa do aumento de impostos, alguma defesa pelo pela mudança do texto, eu acreditaria. Nós estávamos no (almoço) Tá na mesa, na Federasul, e fizemos uma grande mobilização com uma reunião de diretoria estendida, com centenas de empresários de mais de 90 cidades, representando todos os setores econômicos do Estado. Em frente à Federasul, o governo estava fazendo panfletagem de um material defendendo o aumento de impostos. Em nenhuma página deste material é citada a necessidade de uma alteração do texto federal. Se houvesse ali na capa "Corrija-se o erro: não precisaremos aumentar impostos". Não. Aquilo era uma justificativa como se esse projeto já tivesse sido aprovado, promulgado e já estivesse valendo. Detalhe: se esse projeto for aprovado com o texto errado, pode se fazer uma PEC de correção do texto depois dele aprovado. Não há nada que impeça isso. Não existe nenhum item dessa PEC que não possa ser alterado. Estamos falando do segundo parágrafo do artigo 131, que teria que mudar basicamente duas datas. Em vez de 2024 e 2028, nossa proposição seria colocar 2012 a 2019, porque nós tiraríamos o período de pandemia, onde houve distorções de arrecadação, desonerações, alterações que causam uma distorção na arrecadação e nos cálculos. Por isso colocaríamos de 2012 a 2019, terminaria o assunto e sepultaríamos a necessidade e argumentação para um aumento de impostos generalizado para o Brasil.
JC - Na conversa com o governador, foi citada uma possível alteração no texto?
Goelzer - Eu comentei. O governador falou que durante o período de aprovação da reforma tributária, eles mobilizaram a base para fazer alterações pontuais e eu comentei que não fomos chamados para ajudar nessa mobilização. O governador disse que houve essa mobilização, mas eu não posso acreditar que o governador, com o trabalho político que ele tem e com a influência política que ele tem, não consiga mobilizar os deputados da sua base ou do Estado inteiro para corrigir um erro que, como eu disse, não tem nada a ver com questões ideológicas, é um erro crasso, matemático, de fazer uma média sobre algo futuro. Houve, inclusive, uma proposição do (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad (PT) querendo alterar, colocando mais para o futuro. Chega a ser inacreditável, simplesmente coloque para o passado, 2012 a 2019, e ponto final. É simples.
JC - Se é tão simples, por que não se encontra uma solução?
Goelzer - Acho que para os governadores acaba sendo um pouco confortável ter especificamente esse texto equivocado, porque aí tu tens um pretexto para aumento de impostos por um erro de um texto da reforma tributária. Se esse texto não for corrigido, é realmente a prova cabal de que os governadores têm interesse na manutenção dele. Se houvesse a mínima mobilização dos estados para alteração de um erro que é notório, esse erro seria corrigido. Inclusive, esse artigo foi alterado no Senado e ele está em aberto para a Câmara fazer alguma alteração. Não há nada definitivo nesse assunto. Nós estamos em contato com as federações dos outros estados para mobilizar.
JC - Quais serão os impactos da majoração do ICMS no Estado?
Goelzer - De 17% para 19,5% significa um aumento de 15%, tirando competitividade, aumentando pressão inflacionária, aumentando informalidade de forma radical, tendo um risco de aumento de desemprego, saída de empresas do RS e a não atração de novas empresas. O aumento do ICMS automaticamente vai para o produto final. A população está com mais dinheiro para arcar com esse aumento? Claro que não, a gente sabe que as famílias estão reduzindo o consumo, adaptando a sua cesta. Inclusive, no consumo de supermercados, trocando produtos por outros que têm menor valor porque estão com um orçamento extremamente reduzido. Quando o governo coloca que redução de ICMS e de impostos não atrai empresas - eu vi uma argumentação relacionada a isso - eu não sei o que atrai. Santa Catarina sempre se diferenciou com relação ao RS com impostos menores. Agora, temos a mesma alíquota de 17%, mas historicamente SC teve alíquotas menores. Olha o que era SC há 30, 40 anos e o que era o RS, olha o que é SC hoje e o que é o RS hoje. Será que queremos assumir os mesmos erros que fizemos décadas atrás de trabalhar com alíquotas muito maiores do que as do nosso vizinho? SC já observou a grande oportunidade que há nessa guerra fiscal às avessas. Eles viram que não vão precisar baixar a alíquota para atrair investimento. Podem manter, pois os outros estados estão aumentando. E vão atrair investimentos. Quando se fala que a média de distribuição dos governos dos estados pelo IBS vai ser a média de 2024 a 2028, não é a média da alíquota. É a média da arrecadação. Tem duas formas de aumentar a arrecadação. A forma errada, que é o aumento de imposto, ou a forma certa, que é aumento de base. O RS está escolhendo a forma errada.
JC - O RS tem tido dificuldade para aumentar a base de arrecadação. Seria mesmo possível aumentar a arrecadação através da redução do ICMS?
Goelzer - Com certeza. Tenho certeza que Santa Catarina vai explodir em arrecadação mantendo o seu ICMS a 17%. A grande questão é que é impossível achar uma justificativa plausível para a Câmara dos Deputados manter um texto errado.
JC - Se é um erro óbvio, como esse texto foi formulado? Acredita realmente se tratar de um erro crasso ou houve algum interesse que motivou esse artigo?
Goelzer - Não posso afirmar, porque dentro da reforma tributária, há muitos olhares, muitos interesses, muitos agentes diferentes atuando, não só Congresso Nacional. Há muitos atores externos que influenciam nos textos. Quero acreditar que seja um erro crasso, um erro ingênuo, que não foi interesse de utilizar uma reforma importante para o Brasil como um pretexto de aumento de impostos.
JC - De acordo com o texto, a média de arrecadação entre 2024 e 2028 vai definir uma divisão de recursos com validade até 2078. Não poderia ser interessante enfrentar um período de cinco anos com alíquotas majoradas para garantir uma fatia maior de distribuição para o Estado nos próximos 50 anos?
Goelzer - Existe uma questão que é a Curva de Laffer. Ela diz haver um teto para aumento de impostos. À medida que há um aumento excessivo de impostos - e esse é um aumento excessivo de impostos -, em vez de arrecadar mais, acaba-se arrecadando menos, porque vai ter uma evasão de empresas do RS. As empresas não vão ficar aqui pagando mais ICMS para ajudar na média do governo. Não vão perder competitividade e terminar com seu próprio negócio para ajudar o governo do RS. As empresas sairão do Estado. As que estavam para vir, não virão. Vão investir onde haja uma situação mais benéfica para os seus negócios. Não é um sacrifício que vai gerar ganhos futuros. É um sacrifício com o qual a gente vai perder no futuro. Se houver esse aumento de impostos, haverá essa migração de investimentos, como historicamente aconteceu.
JC - Como está a articulação junto aos deputados?
Goelzer - A Assembleia vem fazendo gestões históricas. Os deputados vêm conseguindo realizar mudanças estruturais do Estado, chamar para si a responsabilidade de aprovação de projetos que não são populares, mas que são fundamentais para o futuro do RS. A gente acredita muito na responsabilidade do Parlamento gaúcho - por isso, temos convicção de que esse projeto de aumento de impostos vai ser rechaçado de forma definitiva pelos parlamentares. Pelo que estamos conversando com os parlamentares, mesmo da base do governo, não há nenhum tipo de percepção de necessidade de um aumento de impostos.
JC - Acha, então, que o projeto não será aprovado?
Goelzer - Tenho convicção de que a Assembleia sabe do compromisso que tem na representação do povo gaúcho no Parlamento. Acho que esse projeto vai ser rechaçado. Estamos conversando com parlamentares da base e que não fazem parte da base do governo. Muitos deputados estão dando retorno. A Federasul tem capilaridade basicamente nos 497 municípios do Estado. Estamos contando todas as associações comerciais para verem a posição dos seus prefeitos. Porque no ano que vem temos eleições municipais e queremos saber se esses prefeitos ou os candidatos são favoráveis a colocar mais carga de aumento de impostos nas costas de quem produz e gera valor no Estado ou não. Ou se eles são a favor do desenvolvimento, da prosperidade. Isso está sendo feito com os prefeitos e com os vereadores.