CNM avalia que municípios não vão perder arrecadação com reforma tributária

Segundo simulações realizadas pela CNM, após 20 anos, 88% dos municípios ganhariam em arrecadação e 12% perderiam, enquanto, após 30 anos, não haveria perdas para nenhum município

Por Diego Nuñez

Presidente da Confederação Nacional de Municípios CNM Paulo Ziulkoski
Defensor da aprovação da reforma tributária, que hoje tramita no Senado Federal, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirma que as cidades brasileiras não irão perder em arrecadação no caso de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45.
Segundo simulações realizadas pela confederação, após 20 anos, 88% dos municípios ganhariam em arrecadação e 12% perderiam, enquanto, após 30 anos, não haveria perdas para nenhum município.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ziulkoski disserta sobre os principais pleitos municipalistas na questão tributária e sobre os pontos que ainda podem ser alterados na reforma pelo Congresso Nacional.
Jornal do Comércio - Quais são os principais pleitos municipalistas na reforma tributária?
Paulo Ziulkoski - Primeiramente, gostaria de dizer que precisamos de uma reforma tributária. Mas o que interessaria mais do que os municípios é a discussão da chamada reforma tributária e fiscal. Ou seja, o dinheiro que é arrecadado vai para onde? Para quê? Por que se pagam os impostos? Neste momento a ideia é construir o bolo e depois repartir os pedacinhos para cada um, e continua complicado para os municípios que são, vamos dizer assim, a parte mais pobre na questão arrecadatória. Em segundo lugar, registrar que essa é uma reforma sobre consumo. Ainda não está se falando em uma reforma patrimonial e de renda. O consumo vem mais pelo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Ano passado, em termos nominais, foram R$ 701 bilhões de ICMS arrecadados no Brasil. Por parte dos municípios, o ISSQN, no ano passado, arrecadou R$ 102 bilhões em termos nominais. Portanto, estou falando num imposto de serviço, que vai se chamar IBS, que vai girar em torno de R$ 803 bilhões como base arrecadatória. Algumas cidades do Brasil, de forma equivocada, e lideradas por duas cidades maiores, que seriam São Paulo e Rio de Janeiro, acabaram entrando na discussão sem saber direito o que tá acontecendo. Esses municípios, em tese os grandes, não querem entrar na reforma.
JC - Existe chance de haver perda de arrecadação para os municípios?
Ziulkoski - Existem duas possibilidades concretas. Se preservar-se o que estamos imaginando, 88% dos municípios ganhariam e 12% perderiam se ela entrasse em vigor hoje. Na simulação que fizemos, nos 20 anos em que vai ser paulatinamente implementado, apenas 108 municípios perderiam. Nos 30 anos, ninguém perde mais. Não há perda ao longo dos anos para praticamente nenhum município.
JC - O senhor acredita que a reforma acabe resultando em aquecimento da economia brasileira?
Ziulkoski - Não há nenhuma dúvida. Todo mundo sabe do manicômio tributário que existe hoje. Cada estado tem uma legislação, são milhares de leis. Está sendo simplificado e vai virar um outro ambiente. Por exemplo, o ICMS é um imposto regressivo. Então, isso significa que um grande empresário paga os mesmos tributos em um quilo de café que uma pessoa que ganha meio salário-mínimo. Eu diria que alguns princípios, como mudança de origem e destino, preservar autonomia… porque dizem que vamos perder a autonomia. Vai perder nada, pelo contrário, vai ter mais autonomia ainda. Hoje, um fiscal municipal, basicamente, fiscaliza só IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor), que é o que o município cobra, e também serviços. Agora não, ele vai arrecadar sobre toda base de bens também. Tudo que o mercado vendeu vai ter a tributação municipal. Amplia e mantém a autonomia, no nosso entendimento. Um ponto importante que conseguimos na Confederação (Nacional dos Municípios)foi exatamente na parte do chamado conselho federativo. É nele que vão se dar realmente as grandes discussões. Hoje, se reúnem só os estados, os municípios não têm participação. Agora não. O conselho será constituído por 54 membros, sendo 27 dos estados e 27 dos municípios. Desses, 14 serão uma indicação por voto nominal com o mesmo peso para os municípios com 5 mil habitantes ou 12 milhões. Os outros 13 também são dos municípios, mas de acordo com o critério da população.
JC - O conselho federativo tem sido alvo de polêmicas, inclusive despertando críticas do governador Eduardo Leite (PSDB).
Ziulkoski - É que o cachimbo entorta a boca, não estou falando especificamente do governador do Rio Grande do Sul. Falo de todo Brasil. Tem que ter paciência para discutir com os municípios. Não pode agir mais de forma autoritária como fazem hoje no ICMS, tem que ter participação. Nós já conseguimos a vitória principal, vamos ver se o Senado agora confirma ou não. Se o governador, vamos dizer, de Roraima, que tem 1 milhão de habitantes, quiser debater com o governador de São Paulo, que tem 38 milhões, aí é uma questão entre eles. Nós queremos isso que já foi aprovado (na Câmara dos Deputados). Quanto aos governadores, é algo que tem que ser resolvido entre eles. Agora, o conselho tem que existir.
JC - Quais vão ser, na prática, as mudanças com a imunidade tributária recíproca para os municípios?
Ziulkoski - Hoje quando a prefeitura compra um caminhão, patrola, ambulância, já vem embutido tudo que é tributo. Com isso, ficaria isento dessa carga tributária. E vai valer para municípios, para estados e para a União. Isso já está no relatório, já foi aprovado. Vamos ver se se mantém, pois tudo está sendo discutindo.
JC - Quais são as alterações que estão sendo preparadas para o IPTU?
Ziulkoski - Hoje o IPTU é sobre o patrimônio. Compra um imóvel por R$ 1 milhão e a prefeitura não pode colocar como preço-base para o IPTU esse R$ 1 milhão. Ela tem que colocar o preço histórico. Não há atualização. Depois de muita discussão, o Supremo (Tribunal Federal) decidiu alguns anos atrás que, para aumentar o IPTU, tem que ter lei. Lei não é decreto, não é planta de atualização. É lei. Aí quando o prefeito manda a lei (ao Legislativo), não se vota. Agora vamos botar na Constituição que é obrigatória a atualização, porque não tem cabimento abrir uma sonegação imobiliária dessas.
JC - Como a CNM se posiciona, atualmente, em relação à reforma?
Ziulkoski - A posição da CNM é pela continuidade. Temos que chegar ao fim, não tem volta. Até porque não temos força para dizer se queremos ou não queremos. Há uma consciência nacional que tem que ter a reforma tributária. Vamos ver o que é possível fazer.
JC - O Senado justamente discute alterações no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Como os senadores têm recebido as pautas municipalistas?
Ziulkoski - A gente tem conversado. A disposição é nunca dizer que não, né? Lógico que, depois, o escrever é um pouco diferente. A gente vem acompanhando as emendas que temos que fazer, e são várias. Vamos aguardar. Não posso falar o que o Senado vai fazer. Provavelmente vai mudar algumas coisas e, com isso, o texto volta para Câmara, então não sei nem se aprova esse ano a reforma.
JC - O governo federal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e até o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm se mostrado abertos às pautas municipalistas?
Ziulkoski - Não. Nem olham muito para os municípios, infelizmente. O que a União quer é abocanhar cada vez mais recursos. Se ela pudesse tirar tudo que os municípios têm, tiraria, não tenho nenhuma dúvida disso. Seja o governo que for, não é o governo Lula ou (Jair) Bolsonaro (PL), é qualquer um deles. A União é sempre muito voraz. Quer tudo para ela.
JC - O senhor citou a reforma de patrimônio e de renda. Acredita que há espaço para debater a própria matriz tributária?
Ziulkoski - Não tenho nenhuma dúvida que o passo seguinte é, uma vez aprovada (a reforma tributária), já em seguida entrar na reforma patrimonial e de renda. Isso vai entrar em seguida na ordem do dia de votação. Agora, não é misturado, porque aí vira um pandemônio muito maior para poder encaminhar.
JC - A CNM está preparando uma mobilização para o enfrentamento da crise financeira dos municípios? Quais são as origens dessa crise?
Ziulkoski - O problema é histórico, não é de hoje. O copo está derramando há muito tempo. Há alguns anos, qual é o município que tinha um posto de saúde? Nenhum. Era tudo do Estado. As escolas, as escolinhas rurais eram dos municípios. As urbanas, todas as grandes escolas, tudo era do Estado. Tudo que tinha era do Estado e da União. Isso tudo foi sendo repassado. Agora existem as chamadas competências, e foi tudo se acumulando nos municípios. Assumem os postos, assumem as escolas, fazem o transporte escolar que não existia para combater a evasão escolar, merenda para todo mundo, com a fantasia de ter turno integral, assistência social. Aí, fazem uma lei em Brasília e passam tudo para o município. Tudo acumulou, e a União deve e não paga os estados também. A União deve para nós mais de R$ 50 bilhões em coisas concretas, do dia a dia.
JC - Outra questão que atinge os municípios são os eventos climáticos adversos, como as enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul. Acredita que a União deveria ter um papel maior nessas questões?
Ziulkoski - Se o poder público tem o dever de organizar a sociedade e atuar onde ela é mais vulnerável, mais necessitada, é óbvio que ele tem que atuar nessa parte. Só que na hora de pagar o imposto, o que é pago para a prefeitura? Hoje é uma discussão nos municípios no Interior que estão criando uma taxinha para o lixo, de R$ 20,00, R$ 30,00. É uma guerra. A União faz o que quer. Votam uma emenda constitucional lá de R$ 130 bilhões porque alguém prometeu na campanha. No município, não. E explode em quem?
JC - Outra pauta municipalista é a questão previdenciária. Existe a proposta da redução da alíquota patronal do INSS pago pelos municípios. Qual seria o impacto dessa medida?
Ziulkoski - No Rio Grande do Sul, temos 340 municípios que têm o chamado fundo próprio. Tem cerca de 157 que estão no regime geral do INSS. É um Estado onde o fundo predomina. Nos outros, nem tanto. Hoje, a dívida dos municípios do Brasil, do conjunto que deve para a União, vai a R$ 203 bilhões. Os municípios baianos devem R$ 40 bilhões. Os municípios do Rio Grande do Sul, devem R$ 1,8 bilhão. Cada um tem uma realidade. O que a Bahia tá propondo, e nós apoiamos: diminuir a alíquota de 20%, 21% e 22% para 8%, 10%. Isso dá um impacto de R$ 11 bilhões na União. Eles não querem e provavelmente mudarão. Estamos negociando outra forma de compensar os municípios.
JC - Como?
Ziulkoski - Mas essa é a questão da alíquota. No Rio Grande do Sul não teria esses benefícios. Teria que fazer outra emenda que eu propus, de transferir para os municípios e para as prefeituras a mesma reforma da Previdência que foi feita para a União. Porque isso é um escárnio federativo, fazer para União e não fazer para os municípios. Aí os municípios não conseguem aprovar nada, porque os vereadores não votam nada porque o lobby do funcionário público é muito forte. Esses municípios que têm fundo próprio têm um passivo atuarial muito alto, devem muito. Aqui no RS, vai na base de R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões. Se transferir, diminui em 40% esse déficit. Com isso sobra dinheiro na receita disponível.
 

Perfil

Paulo Roberto Ziulkoski é advogado. Foi o primeiro prefeito de Mariana Pimentel, logo após o município emancipar-se de Guaíba, de 1993 a 1996, e retornou para a gestão da cidade entre 2001 e 2004. Durante a ditadura militar, teve o seu primeiro contato com a vida pública ao presidir o setor jovem na divisão gaúcha do MDB, onde assumiu o mesmo posto em âmbito nacional e, logo em seguida, se tornou o líder político do municipalismo. Foi eleito presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) de 1996 a 1997 e de 2002 a 2003. Entre 1997 e 2018, ocupou a presidência da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) com a missão de defender interesses dos municípios nos diálogos com a União e o Congresso Nacional. Em 2021, foi novamente eleito presidente da CNM para cumprir o mandato até 2024. Exerceu a liderança naquela que se tornaria a maior concentração de gestores do País: a Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, evento anual na capital federal com a presença de autoridades dos Três Poderes.