Nova conselheira-presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), Luciana Luso de Carvalho assumiu a missão de comandar a instituição há três meses. A posse para o mandato que vai até o dia 11 de dezembro deste ano ocorreu em 27 de abril. Desde então, a advogada tem tratado de temas sobre assuntos que impactam diretamente a sociedade.
Um dos que mais têm jogado holofotes à agência é o serviço prestado pela CEEE Equatorial, que Luciana diz não ser possível aceitar. "O serviço da Equatorial não está apresentando qualidade satisfatória esperada pela população e pela Agergs", analisa a gestora.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a presidente observa que em função da incapacidade de prestação do serviço, a agência aplicou uma multa de R$ 29 milhões à empresa em 2022, em razão do descumprimento de diversos parâmetros da qualidade do fornecimento de energia elétrica.
A presidente da Agergs também destaca a atuação da agência de regulação nos serviços de saneamento, além de dois novos desafios advindos do processo de privatizações: a fiscalização da distribuição do gás canalizado e das rodovias concedidas.
Para cumprir e melhorar seu papel de fiscalização, no entanto, a nova presidente enxerga que é preciso aumentar o quadro da Agergs. Ao longo do tempo, segundo Luciana, a estrutura da agência tornou-se insuficiente para a quantidade e relevância dos serviços públicos regulados e para o atendimento das múltiplas demandas de usuários, agentes regulados e setores produtivos.
Jornal do Comércio - Qual a atuação da Agergs e como os serviços da agência impactam a sociedade gaúcha?
Luciana Luso de Carvalho - A Agergs é uma agência de regulação que tem a função de regular serviços públicos delegados, ou seja, não prestados diretamente pelo Estado. A regulação abrange diversas atividades: normatização setorial, fiscalização, aplicação de penalidades, reajustes e revisões contratuais, decisão de conflitos entre agentes, usuários e poderes concedentes, e atendimento aos usuários. Atualmente, a Agergs regula 10 serviços públicos: abastecimento de água e esgotamento sanitário, rodovias concedidas, distribuição de gás canalizado, transporte rodoviário intermunicipal de passageiros, transporte metropolitano, estações rodoviárias, transporte hidroviário de veículos e de passageiros, distribuição da energia elétrica e irrigação.
JC - Como os gaúchos podem perceber no seu dia a dia o impacto da importância da Agergs?
Luciana - Como se pode perceber na abrangência de atividades e de serviços públicos regulados, as funções exercidas pela Agergs impactam diretamente a vida dos gaúchos, pois a agência atua em serviços essenciais para a dignidade das pessoas, como o abastecimento de água e esgotamento sanitário, e também muito relevantes para outras atividades econômicas, como o gás canalizado e as concessões rodoviárias.
JC - Um exemplo é a fiscalização sobre a prestação de serviços da Corsan...
Luciana - Exato. Em relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário, pode-se citar as normas de fornecimento dos serviços da Corsan, de compensação ao usuário por interrupção de longa duração do abastecimento, as fiscalizações técnicas, comerciais e do cumprimento dos planos de saneamento básico municipais pela companhia, bem como a assessoria técnica aos municípios. Em relação ao gás canalizado, cuja regulação passou a ser exercida pela Agergs em junho de 2021, pode-se citar os regulamentos do denominado mercado cativo de gás e do mercado livre, a aprovação de contratos de suprimento para o atendimento ao mercado da Sulgás, bem como revisões tarifárias que observaram o contrato de concessão e também os custos eficientes da operação. Portanto, a atuação da Agergs impacta positivamente a vida do cidadão e também o desenvolvimento econômico do Estado.
JC - Deputados de oposição ainda tentam reverter a privatização da Corsan, que inclusive passou por um imbróglio jurídico até o contrato ser assinado entre o governo do Rio Grande do Sul e Aegea, empresa que ficou encarregada da concessão. Como vê esse movimento agora?
Luciana - A Agergs, ao contrário de outras agências federais e estaduais, não atua como poder concedente dos serviços regulados. Por isso, a Agência não faz a formulação de políticas públicas, como a decisão de privatização da Corsan. A atuação da agência, mediante as diversas e complexas atribuições, ocorre no âmbito da execução dos contratos de concessão pelos prestadores.
JC - E como avalia a questão do serviço da CEEE Equatorial?
Luciana - O serviço da Equatorial não está apresentando qualidade satisfatória, esperada pela população e pela Agergs. Há problemas de continuidade do fornecimento, de atendimento e de manutenção, que estão sendo objeto de fiscalização. Apesar dos fortes eventos climáticos ocorridos no Estado, não é possível aceitar o longo período para o restabelecimento do serviço, como verificado em algumas cidades da zona sul do Estado.
JC - Quanto ao setor de energia elétrica, a Agergs atua na fiscalização de quantas distribuidoras?
Luciana - Vinte distribuidoras (7 concessionárias e 13 permissionárias), por força de convênio entre o Estado e a União e do contrato entre Agergs e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma vez que a energia elétrica é de titularidade da União. Portanto, há uma ação coordenada entre as agências.
JC - Em que casos são aplicadas multas por parte da Agergs?
Luciana - A Agergs aplica multas por descumprimentos contratuais e da legislação aplicável a cada serviço, em conformidade com cada contrato de concessão. A multa é aplicada após regular processo de fiscalização, em que é garantido às concessionárias o contraditório e ampla defesa.
JC - Quais os exemplos recentes de sanções executadas pela Agergs?
Luciana - Exemplo de multa aplicada pelo Conselho Superior ocorreu em 2022, na CEEE Equatorial, no valor de R$ 29 milhões, em razão do descumprimento de diversos aspectos da qualidade do fornecimento de energia elétrica. Atualmente, nova fiscalização está em tramitação na agência. Também houve aplicação de multas em relação a descumprimentos contratuais no abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como em outras distribuidoras de energia elétrica.
JC - Neste cenário de privatizações, como mudou o papel da Agergs?
Luciana - A Agergs tem dois novos desafios muito importantes, referentes à distribuição do gás canalizado e às rodovias concedidas. Além disso, as metas de universalização do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, estabelecidas pela Lei 14.026/2020, impõem reforços à fiscalização dos serviços. Portanto, há necessidade de reestruturação da agência e do quadro de servidores o mais breve possível, de modo a possibilitar a atuação adequada da agência nesse novo cenário. Some-se a esses três serviços, os demais já tradicionalmente regulados pela agência, como estações rodoviárias e transporte de passageiros, que também exigem atenção, em face das dificuldades na prestação que foram agravadas durante o período da pandemia.
JC - Qual a sua missão como presidente da Agergs?
Luciana - Minha atuação está integrada com os conselheiros Paulo Roberto Petersen, Algir Lorenzon e Alexandre Alves Porsse, uma vez que, por lei, a administração da agência é colegiada. Assim, o Conselho Superior tem atuado em três eixos principais.
JC - Pode detalhar os eixos deste mandato?
Luciana - Em primeiro lugar, a divulgação das atividades exercidas pela agência e sua participação em todas as instâncias de discussão dos serviços regulados: Assembleia Legislativa e suas comissões, secretarias estaduais e municipais, prefeituras, câmaras de vereadores, Defensoria Pública, dentre outros. Em segundo, intensificação das atividades de normatização setorial e fiscalização. E em terceiro, reestruturação institucional da Agergs e valorização do quadro de servidores, que é medida indispensável para que a agência possa ampliar a regulação e responder de forma adequada aos desafios do aumento de serviços regulados.
JC - Por que é necessária a reestruturação do quadro de servidores?
Luciana - Apesar do corpo técnico capacitado e multidisciplinar, ao longo do tempo, a estrutura da agência tornou-se insuficiente para a quantidade e relevância dos serviços públicos regulados e para o atendimento das múltiplas demandas de usuários, agentes regulados e setores produtivos. Essa situação foi causada em boa parte pela grande defasagem na remuneração dos servidores, que ficaram durante 16 anos sem reposição em seus vencimentos básicos, causando contínua evasão de servidores capacitados e experientes.
JC - Quais ações estão sendo encaminhadas para modificar essa situação?
Luciana - No início do mês de julho, a Agergs entregou dois projetos de lei para o Secretário de Parcerias e Concessões (Pedro Capeluppi), a fim de corrigir os problemas relatados, que impactam a capacidade regulatória da agência. O Conselho Superior e o quadro funcional confiam na sensibilidade deste governo quanto ao importante papel da Agergs para as políticas públicas, de modo a promover a reestruturação da agência e valorização dos servidores ainda em 2023.
JC - A senhora identifica algum outro gargalo para que o trabalho da Agergs possa ser aperfeiçoado?
Luciana - A Agergs precisa ser compreendida pelos governos e pela sociedade como instituição indispensável ao desenvolvimento econômico e social do Estado. Nessa linha, a reestruturação é medida que se impõe, a fim de evitar mais perdas de servidores com experiência em regulação para outras carreiras de Estado, como o Tribunal de Contas, por exemplo.
JC - Como a Agergs se mantém?
Luciana - A agência tem integral sustentabilidade econômico-financeira, não recebendo qualquer valor do Tesouro para o custeio de suas despesas. Além disso, os integrantes do Conselho Superior têm mandatos, o que confere à agência a independência decisória, fundamental para o exercício da regulação técnica.
JC - De que forma a sociedade pode colaborar com o trabalho de fiscalização da Agergs?
Luciana - A Agergs dispõe de diversos canais para ouvir a população quanto aos serviços públicos regulados, disponíveis no site www.agergs.rs.gov.br, bem como a presença nas principais redes sociais. A Ouvidoria da agência está à disposição pelo telefone 0800 979-0066. Para o serviço de energia elétrica, o telefone é o da Aneel: 167. Outra forma importante de participação do cidadão gaúcho ocorre nas consultas e audiências públicas, em que as propostas de atos normativos são disponibilizadas no site da agência para as contribuições de todos os interessados, sendo todas elas devidamente analisadas e publicizadas.
Perfil
Luciana Luso de Carvalho tem 52 anos e é natural de Porto Alegre. Ela é advogada concursada da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) há 21 anos, onde também atuou como diretora de Assuntos Jurídicos por sete anos antes de assumir esse novo desafio profissional. A advogada é conselheira eleita pelos servidores para o mandato de janeiro de 2023 a janeiro de 2027. Fica como presidente entre 27 de abril de 2023, dia em que foi empossada para conduzir os trabalhos da Agers, até o dia 11 de dezembro de 2023, quando conclui seu mandato no cargo. Luciana é mestre em Direito, formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e especialista em Regulação de Serviços Públicos na Escola de Administração, também pela Ufrgs. É autora do livro As agências reguladoras de serviços públicos e o controle do Tribunal de Contas da União, publicado pela editora Fórum, em 2022. A Agergs foi criada em 9 de janeiro de 1997, sendo a primeira agência reguladora a ser instalada no País. Atualmente, regula 10 serviços públicos, entre os quais energia elétrica, saneamento, gás canalizado, rodovias e transporte rodoviário intermunicipal.