Nova proprietária da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) desde a assinatura do contrato, a Aegea vai imediatamente iniciar o seu programa de investimentos. A empresa decidiu que não vai aguardar o pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE) referendar as decisões do presidente do tribunal, Alexandre Postal, que possibilitaram a assinatura do contrato. A Aegea também não teme nem vê possibilidade de a venda ser revista.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o vice-presidente de Operações da Aegea, Leandro Marin, afirma que as tarifas serão mantidas. O nome da companhia continuará sendo Corsan e a presidente Samanta Takimi permanece no cargo.
Jornal do Comércio - Como está o processo de transição no controle da Corsan e quais foram as primeiras mudanças internas na companhia?
Leandro Marin - É sempre um momento de incerteza, de muita dúvida para todos os envolvidos. Não só para os colaboradores da Corsan, mas para nós também, que estamos chegando agora. É uma companhia grande, com um corpo técnico muito qualificado. Então é um momento de aproximação. Fomos impedidos de fazer essa aproximação durante essa fase de discussões judiciais, então ficou um hiato de comunicação, e agora a gente está recuperando esse atraso, a partir da assinatura do contrato, fazendo essa integração. É uma fusão de empresas em que essas culturas vão se encontrar e vão encontrar uma nova forma a partir desta mistura de culturas, tenho certeza que melhor do que a Aegea e a Corsan hoje.
JC - Como fica o organograma da Corsan?
Marin - O organograma não muda. É exatamente o mesmo que a Corsan vem operando. Todos os diretores estão mantidos, todos os gerentes, o corpo funcional, os técnicos, tudo exatamente como estava. O que temos lá dentro são colegas em pontos focais das áreas da Corsan para ajudar a tomar as decisões de uma forma mais ágil e gradativamente ir implantando o modelo de operação que vai precisar ser customizado. Não tem uma cartilha que vem e implanta, mas temos um know-how de operação que queremos botar à disposição da Corsan.
JC - Quem fica à frente da companhia? A presidente vai ser mantida?
Marin - A presidente continua, por enquanto. Vamos começar a reforma na governança pelo Conselho de Administração. O acionista controlador mudou, muda-se o Conselho de Administração. Mas a gestão da Corsan continua como está. E vamos avaliar com calma que mudanças fazer, quando fazer. Não tem nenhuma pressa ou urgência em fazer essas modificações.
JC - Onde pode haver modificações, além do conselho? Diretorias específicas, cargos de decisão?
Marin - Isso vamos estudar a partir de agora. Não temos ainda nenhuma mudança programada. Inclusive, por força do acordo que a gente fez no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), todos os colaboradores e funcionários da Corsan têm 18 meses de garantia de emprego, então isso vai ser feito com muita parcimônia. O principal que vamos mudar agora é o sistema de suprimentos e contratações, que não precisam mais cumprir os requisitos de empresa pública, não precisa mais fazer licitação, processos burocráticos, que a lei de uma empresa pública demanda. Isso muda já na largada, dá agilidade maior nesses processos, com um modelo de operação que seja do atendimento do serviço solicitado pelo usuário, na gestão dos insumos, gestão da produtividade, da qualidade do abastecimento. Mudanças organizacionais virão com o tempo, mas a gente não tem nada urgente para fazer.
JC - Como vai ficar o nome da empresa?
Marin - A empresa continua Corsan. É uma marca muito respeitada aqui no Rio Grande do Sul pela população em geral.
JC - Como a Aegea observou as batalhas judiciais nas horas que antecederam a assinatura?
Marin - Com muita expectativa. Estávamos aguardando o comando do Estado para a finalização da operação. Quem estava manejando esses recursos era a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Estávamos acompanhando muito de perto, com muita apreensão e expectativa. Quando veio o comando do governo para liquidar a operação do leilão, confiamos que a situação, de fato, estava segura para fazer esse movimento, e fizemos imediatamente. Depositamos o dinheiro na conta do governo do Estado e recebemos, em troca, as ações a partir da assinatura do contrato.
JC - Com essas reviravoltas na Justiça, não acredita que possa ter ficado uma imagem de fragilidade desse processo?
Marin - Quem acompanha um pouco esses processos de concessão, privatização, sabe que é normal esse tipo de discussão. Há vários outros casos em operações, nossas inclusive, que foram precedidas desse tipo de discussão. Entendemos como normal. Na nossa visão - e passou por isso um pouco a decisão de fazer o investimento aqui no RS -, o processo não tem nenhuma mácula, está 100% seguro, temos total convicção que nas discussões que virão isso vai ser pacificado.
JC - Ainda há apontamentos do Ministério Público de Contas e o pleno do TCE precisa se manifestar. A Aegea teme que a assinatura do contato possa ser revertida?
Marin - Não. Temos convicção de que não será. Por uma questão de análise nossa, e do posicionamento da PGE também, com o qual a gente concorda, que no mérito, ou seja, na discussão central, não tem nada que justifique uma reversão. A Assembleia gaúcha aprovou, que é o órgão máximo e legítimo para essa discussão. A equipe técnica do TCE já aprovou. A Corsan contratou consultores renomados, com o apoio do BNDES, supervisão do BNDES que estruturou vários outros projetos de leilões no Brasil de saneamento, que a gente inclusive venceu alguns deles, então conhece bem essa modelagem. No mérito, não conseguimos enxergar nenhum tipo de mácula ao processo.
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JC - A Aegea vai aguardar a decisão do pleno do TCE para realizar os investimentos?
Marin - Não. A partir do momento que há a transferência das ações, a Aegea já é controladora da empresa e já começa a operar como tal. Então, agora, o que a gente espera são decisões confirmatórias. Não tem nenhuma pendência judicial para começar a operar.
JC - Como será o processo de aplicação do programa de investimentos?
Marin - Temos alguns eixos de atuação. O primeiro é continuidade operacional. Um foco muito grande na manutenção dos equipamentos, revitalizar estruturas, modernizar instalações, consertar vazamentos e continuar operando o sistema de esgotamento sanitário para que não haja descontinuidade. O segundo eixo é o plano de 100 dias em que pretendemos começar essa interação com todos os municípios operados pela Corsan. Desenhamos um pacote de intervenções que já levam algum benefício que impacte o sistema desses municípios nesses primeiros 100 dias. Então é uma melhoria operacional de um equipamento que não está funcionando bem, um bairro que não tem água e uma pequena obra resolve, um poço para melhorar a capacidade de produção de água de uma cidade, uma reforma de um reservatório, interligação de um sistema de esgotamento sanitário que uma pequena obra libera um bairro inteiro. Coisas dessa natureza.
JC - Aegea fala em priorizar regiões que têm menos acesso a saneamento. Já tem mapeadas quais são as regiões?
Marin - Tem mapeada.
JC - Quais são?
Marin - De maneira geral, nos 317 municípios onde a Corsan atende, a média de cobertura da rede de esgotamento sanitário é de 20%. Mas há cidades como Torres, que tem mais de 60%, e há inúmeras cidades, a maioria delas, com 0%. A realidade é de ausência de atendimento nesse quesito. É generalizado. Então começa, a partir de agora, uma fase de projetos de engenharia, de estudos que precisam ser feitos para implantação dessas redes.
JC - Quando a população vai começar a sentir os impactos dessas primeiras ações?
Marin - Já nesses 100 dias. A ideia é essa, que as ações já tragam impactos para as populações onde nós atuamos. A despoluição do Litoral já começa a surtir efeito nos próximos 180 dias. E a partir daí o avanço da cobertura e a interligação de novas residências à rede vão ser percebidas no dia a dia com certeza.
JC - Qual o tempo de contrato da Aegea com os municípios?
Marin - Cada município tem uma situação. O contrato com o Estado é um contrato de compra e venda de ações. O Estado transferiu as ações da companhia. A Corsan detém 317 contratos de concessão. Cada contrato tem uma vigência. O que vamos fazer a partir de agora é uma grande negociação com os municípios, porque a maioria desses contratos não tem as metas do marco do saneamento inseridas. Precisamos regularizar esses contratos. Com cada prefeitura, cada prefeito, vai ser uma negociação individual.
JC - Dos 317 municípios atendidos pela Corsan, 111 assinaram um aditivo com a Aegea. Como fica a situação desses outros cerca de 200 municípios que não assinaram?
Marin - Os municípios que assinaram esses aditamentos contratuais antes da privatização estão, em princípio, adequados do ponto de vista do marco do saneamento. Os contratos contemplam as metas que os municípios têm que atender, de universalização, de atingir 90% de cobertura no esgoto e 99% na água. E o prazo para fazer frente à amortização desses investimentos está adequado. O parâmetro que foi utilizado foi 2062. Então, estende o prazo dos contratos e insere investimentos que não eram previstos para que não precise aumentar a tarifa. Os outros contratos, que não fizeram isso, têm a oportunidade de fazer a partir de agora. Essa é a nossa negociação, para que o façam, porque já tem, nos seus municípios, uma empresa prestadora de serviço com capacidade financeira para fazê-lo. Basta que se faça essa regularização contratual para que todos esses municípios atendidos pela Corsan passem a estar regulares. E essa responsabilidade é do prefeito.
JC - Até quando esses contratos têm validade enquanto não ocorre essa regularização?
Marin - Cada contrato tem um prazo de vigência. Tem contrato que vence em 2028, 2032, 2035. Cada contrato tem uma história. Tem 10 contratos, desses 317, que estão vencidos, com prazo expirado. A Corsan continua prestando serviço, porque não vamos deixar a população desatendida, mas esses contratos também vão precisar passar por uma discussão de regularização. Os outros 307 estão vigentes e são prazos ainda longos. Vamos fazer uma adequação para justamente inserir esses investimentos.
JC - Falar em 99% de acesso à água e 90% de tratamento de esgotos não é uma realidade no Brasil hoje. Em 10 anos, é possível ter esse avanço?
Marin - Sim, é possível. No Brasil, como um todo, é muito desafiador porque muitos municípios ainda não têm um endereçamento claro. Exemplo disso é aqui no Rio Grande do Sul mesmo. O Estado tem 497 municípios, dos quais 317 têm um prestador de serviço com capacidade financeira comprovada, que são os municípios da Corsan. Os outros tantos vão precisar resolver essa equação. Alguns municípios maiores, como Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, vão ter mais facilidade, talvez. Mas uma imensa gama de municípios vai ter muita dificuldade. A gente imagina que essa meta, no Brasil, já está muito apertada de ser cumprida. Muitos municípios ainda não sabem o que fazer. Nos municípios da Corsan, que já estão endereçados, é um desafio enorme, mas aí sim tem uma realidade mais fática de possibilidade. Nos outros, é uma meta muito desafiadora.
JC - Qual será a política tarifária da Corsan, sob a Aegea? Vai mudar alguma coisa para o usuário?
Marin - A tarifa não muda. A tarifa é a vigente. Não temos o poder de autodefinir essa tarifa. Isso é papel das agências de regulação. Claro que temos um papel importante na discussão desse modelo tarifário. Já temos reuniões técnicas marcadas com os técnicos de agência para começar a discutir um novo modelo de regulação. Uma coisa é regular uma companhia estadual, pública, outra coisa é uma companhia privada, tem alguns requisitos que precisam ser discutidos e enquadrados. A tarifa não muda. Vamos entrar com as tarifas vigentes em cada município e assim elas permanecerão. Quando a rede de esgotamento sanitário chegar aos domicílios, aí tem uma cobrança por esse serviço adicional. Se cobra a água de quem tem água, quando passa a ter o esgoto, passa a cobrar o esgoto. Mas a tarifa é a mesma.