'Não há desperdício', diz vice-prefeito de Porto Alegre sobre compras para escolas

"Reconhecemos que existe um problema (de gestão), mas não é o problema que está apontado na CPI", afirma Ricardo Gomes

Por JC

FOTO PARA PERFIL Ricardo Gomes – Vice-prefeito de Porto Alegre
Nikelly de Souza e Diego Nuñez
Em meio a crises de gestão na Secretaria de Educação de Porto Alegre (Smed), o vice-prefeito Ricardo Gomes (PL) foi convocado a assumir a pasta. Hoje, duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) tramitam na Câmara Municipal com o objetivo de investigar a situação que levou chromebooks, livros didáticos e outros materiais que deveriam estar em sala de aula, mas acabaram parados em depósitos da Smed.
Gomes é responsável por liderar o Comitê Gestor Operacional, órgão criado após a crise da secretaria com o objetivo de apontar soluções. O vice-prefeito admite que houve uma falha de gestão no momento de aquisição dos materiais, mas garante que os itens irão chegar à comunidade escolar.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Gomes esclarece questões emblemáticas para a cidade, como a modelagem de concessão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), que será enviada à Câmara em julho, e também comenta sobre a fase final da privatização da Companhia Carris Porto-Alegrense (Carris).
Jornal do Comércio - Que ações estão sendo desenvolvidas para solucionar a crise na Secretaria Municipal de Educação?
Ricardo Gomes - Eu assumi a pasta, de forma temporária, com a missão de fazer com que tudo o que foi adquirido chegue aos alunos. Nós adquirimos 25 mil chromebooks, mais de 20 mil já estão na ponta disponíveis para uso. O estoque dos materiais tem sido noticiado como um tema de desperdício. Na verdade, não há desperdício, porque todos os materiais que foram adquiridos vão ser aproveitados da forma mais transformadora possível, que é levar a tecnologia aos alunos.
JC - O senhor considera esse problema enfrentado pela secretaria uma falha de gestão?
Gomes - É claro, nós admitimos isso, é uma falha de gestão. O normal seria que nós adequássemos a elétrica de uma escola para receber as estações de carregamento e os computadores. A tomada tinha que ter chegado antes do computador, é uma falha. Por erros de planejamento, os computadores chegaram antes da adequação elétrica, mas ela vai acontecer. É fundamental que as pessoas entendam que, pela primeira vez, estamos colocando um computador na mão de cada aluno da rede pública. Do que adianta fazer South Summit em Porto Alegre se eu não consigo fazer a inclusão digital das crianças, principalmente da periferia?
JC - Houve relatos da compra de livros didáticos que não foram acordados com as equipes escolares…
Gomes - A grande maioria dos livros que foram comprados está sendo usada pelas escolas municipais. É responsabilidade da Secretaria de Educação dar a linha pedagógica e prover os materiais para serem trabalhados em sala de aula. Existem 4 mil professores e 98 escolas. Eu não posso ter 98 currículos diferentes, ou 98 materiais didáticos diferentes.
JC - É o que acontece hoje?
Gomes - Porto Alegre ainda não tem um currículo unificado para todas as suas escolas. Existe um escândalo na educação de Porto Alegre. Nós já tivemos a fama de ser uma das melhores educações do Brasil. Hoje nós chegamos a ser a pior educação entre as capitais, esse é o escândalo. A cidade precisa enfrentar o problema de infraestrutura das escolas, o combate à evasão escolar, mas, fundamentalmente, ter um currículo unificado nas salas de aula.
JC - Houve relatos de professores que atuam como porteiros nas escolas…
Gomes - Isso obviamente é uma distorção, temos contrato com portaria de vigilância nas escolas.
JC - Esse serviço é oferecido em todas as 98 escolas?
Gomes - Todas as 98 escolas têm contrato de vigilância. Pode ter algum problema no dia a dia de gestão. Professor atuando como porteiro é um desvio. Pode ter casos pontuais, mas essa não é a regra da educação em Porto Alegre.
JC - O que levou à saída da secretária Sônia da Rosa?
Gomes - Com toda essa movimentação na secretaria, a Sônia entendeu que o melhor a se fazer inicialmente seria se afastar para que tivéssemos total tranquilidade para fazer todas as averiguações e intervenções que fossem necessárias na pasta.
JC - Já há algum nome sendo cogitado para assumir a Smed?
Gomes - Não temos nenhum anúncio, mas estamos conversando com muitas pessoas.
JC - As duas CPIs que estão tramitando na Câmara e que buscam investigar esses casos na Smed são um problema para o governo?
Gomes - Temos total tranquilidade de prover todas as informações com a maior transparência possível. Nós reconhecemos que existe um problema, mas ele não é o problema que está apontado na CPI. É um problema de logística, de gestão de estoques. Vamos prover todas as informações, não só para a CPI, mas para Tribunal de Contas, Ministério Público de Contas e todos os órgãos de controle.
JC - Não é contraditório o líder do governo abrir uma CPI para investigar o próprio governo?
Gomes - A Câmara tem a sua própria dinâmica e esses processos não se originam aqui no Executivo. Acho que o melhor a fazer quanto a isso é deixar o Legislativo fazer o seu papel. Respeitamos a separação de Poderes. A CPI que foi proposta pelo vereador (Idenir) Cecchim (MDB), que é o líder do governo, foi justamente um gesto de mostrar que não há nada a esconder.
JC - Por que a liderança do governo articula para ter uma CPI que ela mesma possa conduzir em vez de uma CPI independente?
Gomes - Independente ou de oposição? A composição da CPI reflete a maioria da casa, não as assinaturas que a propõe. Se algum vereador da oposição quer o destaque, o holofote de conduzir a CPI, isso não me diz respeito.
JC - Houve a confirmação de que em julho a concessão do Dmae será encaminhada à Câmara. A vereadora Mari Pimentel (Novo) disse que esse movimento é uma cortina de fumaça para a CPI…
Gomes - Eu acho que para a cidade de Porto Alegre esse é o assunto mais importante para qualquer pessoa que tenha a sensibilidade de conhecer as áreas mais empobrecidas da cidade. Hoje, tratamos 52% do nosso esgoto, o resto é jogado no Guaíba. Isso é um problema ambiental, humano e social. Acho até uma indecência com as pessoas sugerir que esse tema vá para lá para fazer uma cortina de fumaça. O governo pode fazer todas as discussões em paralelo, o que não faremos é deixar de enfrentar um problema crucial da cidade. Tratar isso como um assunto menor dentro de uma investigação de um depósito, de um almoxarifado, é uma irresponsabilidade com a grande maioria da população.
JC - A modelagem para a concessão do Dmae está finalizada?
Gomes - Sim, a proposta é de que o Dmae continue com a prefeitura, que faça a captação e o tratamento da água. Já o setor privado deve ficar com a distribuição da água, com a gestão comercial do Dmae, com a expansão da rede de água e esgotos, além da captação e tratamento da rede de esgotos. E a ideia é que, com o recurso oriundo dessa concessão, o Dmae possa avançar em obras de drenagem na cidade.
JC - Por que a prefeitura considera importante a concessão do Dmae?
Gomes - Se o investimento para universalizar o saneamento fosse feito pelo Dmae, no ritmo que vem sendo adotado nos últimos anos, levaria 37 anos para acontecer. O Marco Legal do Saneamento indicou que devemos atingir a universalidade em 10 anos. O investimento necessário é da ordem de R$ 3,7 bilhões. O Dmae nos últimos anos não consegue investir mais do que R$ 100 milhões. É importante dizer que esse processo de parceirização aconteceria sem o aumento da tarifa. Ainda que o Dmae levasse 37 anos para fazer a universalização, teria que aumentar a tarifa. Não vou nem falar só do ponto de vista legal do Marco do Saneamento, mas do ponto de vista humanístico.
JC - Como a prefeitura irá impedir o aumento da tarifa com a concessão?
Gomes - Hoje, Porto Alegre tem uma perda comercial d'água. Isso é água que é distribuída, mas não consegue ser cobrada. Também há uma perda de água por vazamento na rede. Isso faz com que o Dmae só consiga receber cerca de 50% da água que ele trata. Quando o parceiro faz o investimento, ele reduz a perda física d'água e diminui a inadimplência, que no setor privado é cerca de 8%. Já no Dmae a inadimplência chega a 23%. Isso faz com que, com a mesma produção de água, eu consiga faturar quase o dobro do que eu faturo hoje. É daí que vem a rentabilidade da parceirização. É o investimento na rede e a melhoria da gestão comercial que faz com que haja margem para o setor privado fazer o investimento e se remunerar.
JC - Qual o investimento necessário para a drenagem?
Gomes - O sonho dourado, para ficar em uma situação ideal, o número chega a quase R$ 6 bilhões. Então, obviamente, não é possível fazer isso num curto espaço de tempo. No entanto, com a parceirização, o recurso que viria de outorga, que é o pagamento que o parceiro privado faz anualmente para a prefeitura, seria de R$ 109 milhões por ano. Só isso já dobraria o investimento que a cidade faz hoje em drenagem. Ou seja, parceirizando eu mantenho a tarifa de água, faço investimentos que são impossíveis de serem feitos pelo setor público, faço a expansão da rede de água e de esgotos e consigo dobrar o que a prefeitura coloca hoje em investimento em drenagem. Então, a gente calcula R$ 109 milhões por ano, enquanto durar o contrato. Isso já é o dobro do que a gente gasta hoje em drenagem.
JC - Existe a possibilidade de que a Câmara vote a concessão ainda neste ano?
Gomes - O tempo é da Câmara, mas a nossa expectativa é de que seja votado ainda este ano.
JC - Um outro tema que deve ser enfrentado é a privatização da Carris…
Gomes - A privatização da Carris já está na fase final de aprovação. Assim que sair a análise do Tribunal de Contas, vamos publicar o edital e marcar a data do leilão. São duas modelagens em uma. A primeira é a venda da Companhia Carris Porto-Alegrense, que é a privatização da empresa. A segunda modelagem é a transformação dessas linhas que a Carris opera e que nunca foram concedidas, pois sempre foram exercidas diretamente pelo poder público. Vamos transformar essas linhas em uma concessão, como acontece com os outros 78% do transporte de Porto Alegre. A Carris tem 22% do mercado. Estamos adotando um modelo que já é testado e que está funcionando para todo o setor privado que atua com o transporte coletivo na cidade.
JC - Como está sendo pensado o novo modelo do trecho 2 da Orla?
Gomes - A modelagem está sendo pensada em uma Parceria Público-Privada (PPP). Não é função do poder público ser operador de um centro de eventos. A ideia é que tenha um anfiteatro em melhores condições, uma esplanada onde possam acontecer eventos maiores e que possa abarcar 30 mil pessoas. Também deve ter um atracadouro e uma marinha pública, que, inclusive, está no Plano Diretor de Porto Alegre desde os anos 1950.
JC - Vai ser mantido esse caráter público do anfiteatro, com acesso gratuito?
Gomes - Todo o centro de eventos está dentro da Orla. Portanto, o centro estará inserido em um espaço público. Não é um processo de exclusão das pessoas. Ele é um processo de profunda melhoria do uso público daquela área. A prefeitura vai ter datas para usar o centro de eventos. A Secretaria de Cultura vai poder usar essas datas, e vamos ter muito mais uso público daquela área do que temos hoje.
JC - Existe algum prazo para começar o projeto?
Gomes - A gente ainda está em fase de construção dessa parceria no lado público, junto com o governo estadual.
JC - O senhor segue como candidato a vice do prefeito Sebastião Melo (MDB) na eleição do próximo ano?
Gomes - Esse é um processo que ainda não está acontecendo. Alguns partidos se manifestaram, a gente começa a discutir a eleição do ano que vem, mas eu e Melo estamos muito focados na gestão da prefeitura.
JC - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve em Porto Alegre na semana passada para um encontro do PL, seu partido…
Gomes - O presidente Bolsonaro teve esse papel de despertar uma ação política da direita. Pela primeira vez, o governo do PT tem uma oposição estruturada mais forte, e acho que isso é um legado dos anos Bolsonaro.
 

Perfil

Ricardo Gomes tem 43 anos e é natural de Porto Alegre. Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 2003. De 2003 a 2014, foi vice-presidente do Instituto Liberdade. Também presidiu o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) no biênio 2011-2012. Foi presidente da Rede Liberal da América Latina entre 2018 e 2020. Em 2014, a convite do então deputado estadual Marcel van Hattem (ex-PP, hoje no Novo), tornou-se chefe de gabinete. Em 2016, foi um dos organizadores dos atos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). No mesmo ano, se filiou ao PP e concorreu a vereador da Capital, se elegendo pela primeira vez. Em 2020, trocou o PP pelo DEM, e foi eleito vice-prefeito na chapa de Sebastião Melo (MDB). Em fevereiro de 2022, Gomes migrou para o PL, partido do qual faz parte até os dias de hoje.