Lula não tem e não terá maioria no Congresso, vê Carlos Gomes

Líder da bancada gaúcha no Congresso Nacional analisa crise de articulação em Brasília

Por Diego Nuñez

Dep. Carlos Gomes, Pres. Partido Republicanos/RS
Após oito anos, a bancada gaúcha no Congresso Nacional tem um novo coordenador. O deputado federal Carlos Gomes (REP) estreia o sistema de rodízio entre as maiores bancadas acordado entre os parlamentares que representam o Rio Grande do Sul em Brasília.
Declarando-se independente, Gomes analisa a crise de articulação e a instabilidade da base aliada do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmando que o Palácio do Planalto não tem e nem terá maioria no Legislativo.
O deputado avalia que a reforma tributária está avançando alheia à inconsistência da base e acredita que o clima é favorável para sua aprovação. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o parlamentar vê o Congresso na condição de protagonista para conduzir os rumos da reforma.
Jornal do Comércio - O governo federal busca atrair o Republicanos para a base?
Carlos Gomes - Não é de hoje. Pelo governo, o Republicanos já seria base há muito tempo. Mas a nossa posição foi de ficarmos independentes, não estar na oposição e muito menos na situação.
JC - Por quê?
Gomes - Ser independente permite mais exercer aquela consciência de votar para aquilo que é melhor para o Brasil e para os brasileiros. É comum que muitas bancadas de parlamentares levem para suas atuações resquícios das eleições. Eu penso que, quando a eleição termina, terminou. Só na próxima, agora. Nos resta olhar para o País, para as pessoas, para o desenvolvimento de políticas.
JC - Essa busca aumentou desde as últimas votações, com o governo tendo problemas em formar uma base sólida?
Gomes - O governo está fragilizado por não ter uma base sólida, não elegeu maioria e não terá maioria. A era (Jair) Bolsonaro (PL, 2019-2022) deu ao Congresso um protagonismo que nunca teve. Como, na época, o Bolsonaro se elegeu sem apoio político algum, apenas com a sociedade e o partido dele, ele também deu uma autonomia maior para a Câmara (dos Deputados). Essa independência criou o apreço da casa por essa independência, que foi justamente o que trouxe essa dificuldade que o governo Lula está tendo. Durante muito tempo sempre foi assim: era situação governista que não tinha responsabilidade mínima com o que estava se votando, ou oposição também sem a responsabilidade com o País. Essa autonomia dá uma consciência maior de responsabilidade na hora de votar.
JC - O senhor pessoalmente também tem essa posição de independência?
Gomes - Claro, sempre. Tem pauta que é de Estado e está acima de governo e de oposição, que são planejar ações que possam resolver problemas estruturalmente, segurança hídrica, educação, saúde, segurança pública. Estruturar o País para que ele, independentemente do governo, possa sobreviver. Senão fica muito sensível a cada governo que entra. Eu sei que, como saímos de uma eleição muito polarizada, tem muito ainda de ódio, rancor, sentimento, e temos que nos despir disso ao passo que caminhamos e olhamos para a frente.
JC - A polarização da eleição ainda é muito latente e presente no clima em Brasília?
Gomes - Ainda existe e está muito forte. Não sei dizer se é o mesmo patamar de quando terminou a eleição em 2018, quando ganhou o Bolsonaro. Até porque, hoje, oposição são aqueles que são considerados e ditos como de direita, ou centro-direita, que não têm a mesma veemência e vigor em oposição quanto a própria esquerda. A esquerda é mais especialista em oposição, que também, quando é situação, às vezes, não sabe ser governo, porque se especializou em ser oposição. Por esta razão, hoje, a oposição existe, mas é mais racional e mais comedida comparada à oposição que Bolsonaro teve, porque era uma oposição da esquerda, e é especialista nisso.
JC - A reforma tributária parece avançar mesmo com a crise de articulação na base do governo.
Gomes - A reforma tributária é um senso comum há muito tempo, de esquerda, de direita, de centro. Se discutem alguns pontos de preocupações, mas existe esse clamor. É um clamor que tem um impacto muito grande na nossa economia, sobretudo aqueles que são empreendedores, que a depender do tamanho da sua empresa, precisam ter uma outra empresa só para gerenciar e compreender os tributos e pagar corretamente. É um peso muito grande. Quando houver essa simplificação, creio que iremos reduzir o custo Brasil, tornando o País mais leve, mais produtivo, mais inspirador, mais empreendedor.
JC - Há clima para votar a reforma tributária neste ano?
Gomes - Penso que há clima, disposição, vontade de votar essa matéria que é esperada há tantos anos. Existe também essa compreensão dos governadores e dos prefeitos. Claro que eles têm preocupação, mas há essa compreensão que é importante. Creio que é possível sim aprovar ainda este ano, e quem sabe já nesse segundo semestre, até agosto ou setembro.
JC - Acredita que as CPIs podem contaminar o clima do Congresso em relação aos temas estruturantes?
Gomes - CPI sempre tem palanque político. Mas, paralelamente, há espaço para avançar com temas importantes como a reforma tributária. Até porque quem está nessa CPI sabe porque está, tem seus interesses políticos e também técnicos, mas é perfeitamente separável e possível de não deixar contaminar. E aí entra a questão da maturidade de cada parlamentar, seja deputado ou senador. A maturidade que tem que ter para separar os temas. São temas totalmente distintos, e a reforma tributária é uma matéria de Estado, não é de partido e nem de governo. É de Estado e de um clamor de todos os governos que nós já tivemos até hoje, que não tiveram condições de aprovar. E hoje também não será pela condição do Lula, do governo, mas sim pela compreensão do Congresso Nacional e do senso comum dos brasileiros, sobretudo dos investidores e empreendedores.
JC - O Projeto de Lei (PL) das Fake News está travado. Acredita que ainda pode avançar?
Gomes - Foi um PL demonizado. Acredito que esse projeto não prosperará, mas digo que é importante termos uma lei que possa disciplinar o uso das redes sociais. Disciplinar não é tolher, não é impedir, não é cercear, é disciplinar. Porque o que eu digo eu me responsabilizo, o que eu disser nas redes também tem que ter responsabilidade. Não pode ser terra de ninguém.
JC - Tem alguma previsão de qual pode ser o próximo grande tema a ser enfrentado pelo Congresso?
Gomes - Antes da reforma tributária, não vejo outra matéria a ser discutida. A matéria central é essa. Gostaria que houvesse uma reforma administrativa. Penso que precisamos dar uma repassada dentro da estrutura de governo. O que é carreira de Estado? O que não é? Quem precisa fazer concurso público? Porque daqui a pouco faço concurso público para uma função que precisa hoje e amanhã não precisa mais. Então, penso que em uma reforma administrativa seria muito importante que o Congresso Nacional se debruçasse e fizesse, ainda que mínimo, mas que permitisse aos governantes trabalhar com o Estado, talvez não mínimo, também não máximo, mas um Estado que fosse eficiente para gerar as soluções que necessitamos.
JC - Como está o início de trabalho na coordenação da bancada gaúcha?
Gomes - Na verdade, não é o início. Você já entra em um ciclo de ações. O deputado (Giovani) Cherini (PL, ex-coordenador) já vinha há oito anos com várias ações em andamento. Além de auxiliar na captação de recursos através das emendas de bancada, buscar melhorar os investimentos do Estado. São R$ 284 milhões (em emendas) por ano. Em quatro anos, passa de R$ 1 bilhão. Questão também de envolver cada vez mais a bancada nos temas que dizem respeito ao Estado. Quando assumi, tivemos aquele momento difícil em que as nossas vinícolas estavam sendo atacadas por um fato isolado e que aquele momento exigia uma atenção especial, porque é um setor muito caro, que envolve mais de 20 mil produtores de uva, na sua grande maioria da agricultura familiar, de pequena propriedade. Foram momentos difíceis.
JC - Como o tema do trabalho análogo ao escravo nas vinícolas da Serra repercutiu nacionalmente? Afetou a imagem da produção gaúcha?
Gomes - Inicialmente, sim. Sempre há prejuízo, especialmente para as empresas envolvidas. Mas isso já passou, a curva do prejuízo já passou. Foi um fato isolado de três empresas. Houve uma repercussão equivocada, maior do que o fato em si.
JC - É um setor que enfrenta dificuldades fiscais.
Gomes - Não só em relação a outros estados do Brasil. Os nossos produtos competem muito com os produtos do Mercosul, do Chile, do Uruguai, da Argentina, que têm uma carga tributária diferenciada em cima desses produtos. E aí tem o agravante de que se faz um movimento hoje muito forte para sair o acordo Mercosul e União Europeia. Os vinhos estão inseridos nesse acordo. Esse acordo sendo chancelado, os nossos produtos irão perder competitividade ainda maior, porque na União Europeia, por exemplo, o produto vinho é tratado como alimento e não como bebida, então tem uma carga tributária diferenciada, algumas até subsidiadas pelo próprio governo. O nosso já tem em média de 30% a 35% a maior do custo de produção. Por isso, protocolamos na Câmara o projeto da Zona Franca da Uva e do Vinho.
JC - Outro tema que envolve agricultura e a bancada gaúcha é o combate à estiagem. Como os parlamentares podem contribuir para a busca de uma solução?
Gomes - A questão da estiagem, seca, chuva é algo que está acima de nós. Porém, enquanto gestores, os governos, tanto em nível federal, estadual e municipal, precisam se programar porque em alguns lugares falta, em outros chove demais. Ou seja, tem água, o problema é como armazenar essa água. Um planejamento estratégico para que possamos aumentar a nossa segurança hídrica. Para isso acontecer, como são obras estruturantes, obras que não são baratas, precisa ter um norte dado pelo governo federal, passando pelos estados e também com a compreensão dos municípios. O que falta no Brasil é um projeto de planejamento de segurança hídrica.
JC - Tem que partir do governo federal?
Gomes - Tem, porque é onde se concentra o maior número de recursos.
JC - Outro tema que o Rio Grande do Sul busca em Brasília é a questão do ICMS. A bancada está articulada junto ao governo do Estado nessa questão?
Gomes - Nós estivemos essa semana em Minas Gerais, na reunião do Cosud (Consórcio Sul e Sudeste), o consórcio das regiões Sul e Sudeste, compreendendo os sete estados que mais contribuem para o governo federal com a arrecadação de impostos. Essa é uma grande queixa, porque estamos na iminência de uma reforma tributária, e existe uma preocupação dos municípios, estados, sobretudo estados do Sul e Sudeste em que se concentram mais ou menos 80% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil. Esses estados arrecadam bastante e devolvem pouco. Precisa haver equilíbrio. Existe um alinhamento dos coordenadores de bancadas do Sul e Sudeste com os governadores. Existe um movimento, a PEC-27 (Proposta de Emenda à Constituição), de 2022, que cria o fundo constitucional para as regiões de Sul e Sudeste. O Nordeste já tem, o Norte, o Centro Oeste, Brasília… só o fundo de Brasília já chega a R$ 22 bilhões e Brasília é pequenininha. O Rio Grande do Sul não tem, todos os sete estados do Sul e Sudeste não têm. Estamos lutando para a criação desse fundo através da PEC-27.
JC - Mesmo que o contrato do Regime de Recuperação Fiscal esteja assinado, o Estado procura melhorar alguns termos. Acha que tem espaço para renegociar?
Gomes - Penso que sim, porque dentro desse movimento do Cosud, não é só o Rio Grande do Sul. Tem Rio de Janeiro e Minas em que a situação financeira dos estados é parecida. Quando agimos em bloco com as regiões, a chance de termos êxito é muito maior. Por que Norte e Nordeste conseguem muito mais políticas positivas do que nós? Porque sempre atuaram unidos. E o Sul e Sudeste nunca tiveram esse grau de unidade. Precisamos dar as mãos porque temos problemas semelhantes, temos pontos de convergência.
 

Perfil

Carlos Gomes nasceu em 13 de junho de 1972, no município de Saúde, no estado da Bahia. É pastor, radialista e deputado federal gaúcho filiado ao Republicanos e presidente estadual do partido. Foi deputado estadual do Rio Grande do Sul por dois mandatos na Assembleia Legislativa, entre 2007 e 2014. Foi eleito deputado federal pela primeira vez em 2014, Na eleição seguinte, conquistou novamente uma vaga na bancada gaúcha da Câmara dos Deputados. Em 2022, foi eleito para seu terceiro mandato como deputado federal com 102 mil votos. É presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cadeia Produtiva da Reciclagem no Congresso Nacional. É coordenador da bancada gaúcha no Congresso desde março, após acordo para rodízio na coordenação entre os partidos com maior número de parlamentares.