Reestruturação vai melhorar qualidade do serviço, defende presidente do IPE Saúde

Bruno Jatene acredita na aprovação do projeto que modifica regras do plano de saúde dos servidores públicos estaduais

Por Diego Nuñez

Bruno Jatene, presidente do IPE-Saúde
Presidente do IPE Saúde desde março de 2022, Bruno Jatene resgata os motivos e aponta soluções para a crise no plano de saúde dos servidores públicos estaduais. Com déficit mensal de R$ 36 milhões e dívida de R$ 250 milhões, a reestruturação busca não apenas o equilíbrio financeiro da instituição, mas também a melhoria da prestação do serviço aos usuários.
Jatene responde às críticas ao projeto do governador Eduardo Leite (PSDB), afirmando que não há quebra no princípio da paridade com a contribuição de dependentes, mas admite que as mudanças podem causar evasão de usuários. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Jatene defende o Projeto de Lei Complementar (PLC) 259/2023 como a principal saída para a crise do IPE Saúde.

Jornal do Comércio - Como foi sua chegada ao IPE?
Bruno Jatene - Em março do ano passado fui convidado pelo governador para o IPE Saúde, com o objetivo claro de resolver um problema que não tinha sido enfrentado diretamente. Uma autarquia que tem décadas, mas que no formato separado como autarquia especializada na área da saúde teve iniciou lá em 2018. Naquela época, tinha R$ 650 milhões de dívida junto aos seus prestadores. Com uma inflação médica muito acima da inflação normal. Uma carteira de usuários bastante envelhecida. Era uma situação muito crítica. Além de uma dívida muito alta, tínhamos um déficit muito elevado também. Continuamos tendo, claro. Mas reduziu em relação ao que estava. Temos um déficit hoje ele está na casa de R$ 36 milhões e a dívida, que conseguiu ser reduzida mesmo com déficits sucessivos. Conseguimos reduzir a dívida para algo em torno de R$ 250 milhões. Se deu em fruto da recuperação de créditos, de um esforço muito grande pelo lado também da despesa e sobretudo na questão de gestão do instituto mesmo, tentando identificar oportunidade de redução de despesa, de melhorias de receitas.

JC - Como o IPE chegou nesta situação?
Jatene - Tem muitos fatores. O primeiro deles remonta a 2004, quando havia uma contribuição global entre IPE Saúde e IPE Previdência. Era Ipergs. E a alíquota, que era de 3,6%, reduziu para 3,1%. Já se tinha discussão e a possibilidade de que cairia essa obrigatoriedade de permanecer no plano, então reduz para 3,1% exatamente para manter os salários mais altos. O segundo ponto é a retirada da obrigatoriedade de permanecer dentro do IPE Saúde. Isso fez com que muitas pessoas passassem a sair do plano, especialmente os salários mais altos. O terceiro aspecto é relacionado à inflação na área da saúde, que é de duas a duas vezes e meia acima da inflação normal, especialmente no final dos anos 2010 e sobretudo em função a pandemia. Outro fator diz respeito à nossa carteira de usuários, que tem uma idade bastante avançada. Hoje, mais de 50% da carteira no plano principal está concentrada com pessoas acima de 59 anos. Também os cônjuges estão acima de 59 anos. É uma carteira envelhecida, agravada sobretudo pelo fato de que essas pessoas, em geral, estão com um salário médio de até R$ 5 mil. Isso faz com que a contribuição desse contingente não faça frente à necessidade de despesa. Esse contingente de usuários utiliza muito o plano de saúde e a arrecadação é baixa em relação à sinistralidade que proporciona. Outro aspecto é em relação aos dependentes. Hoje eles não pagam e representam quase 40% do gasto do IPE Saúde. Entendemos que é importante haver essa contribuição.

JC - Essa proposta é suficiente para solucionar a crise?
Jatene - Ela é um dos eixos, porque estamos falando especificamente do eixo de revisão do modelo de financiamento. Temos outros eixos também muito importantes para reestruturar o IPE Saúde na sua completude. Temos um eixo específico de auditoria e regulação, que precisa ser fortalecido. Outro eixo é de equalização do passivo, que é resolver a dívida atual, e isso vai ser encaminhado por meio da recuperação de crédito dos ativos que o IPE Saúde tem junto ao Estado, aos Poderes. Outro eixo trata sobre a reestruturação da despesa, que é a mudança do formato de remuneração junto aos prestadores. Vamos fazer uma transição gradual para o modelo de pacotes, saindo do modelo de conta aberta que temos e que não dá previsibilidade para o instituto e para os próprios prestadores. Vamos seguir um modelo que nos permita ter mais previsibilidade.

JC - Qual a diferença prática entre esses dois modelos?
Jatene - Vou trazer um exemplo de uma cirurgia bariátrica. No modelo de conta aberta, o hospital vai fazer a cirurgia bariátrica e cada hospital… é como se abrisse um caderno e fosse lançando aquilo que é utilizado de material, o honorário médico, se tiver alguma órtese e prótese, algum material especial, vai lançar. Isso vai acontecendo conforme o uso dentro daquele procedimento. No caso de pacote, a gente tem um valor estabelecido. A cirurgia bariátrica vai custar X mil reais. Se houver um uso mais eficiente por um hospital ou outro dos materiais, dos procedimentos, da diária, isso vai dar a margem de lucro para o hospital. Mas eu já tenho antecipadamente o valor fixado por meio do pacote em que a gente reúne todos os custos envolvidos no hospital e eu já defino antecipadamente qual é o valor que eu vou considerar para aquele procedimento. O modelo de conta aberta acaba fazendo com que o IPE Saúde não tenha previsibilidade, porque ele autoriza a cirurgia bariátrica sem ter necessariamente uma ideia de quanto é que vai ser o valor.

JC - Após as reuniões com partidos e entidades, ainda é possível ceder em algum ponto do projeto e mesmo assim manter o equilíbrio financeiro que se planeja?
Jatene - Encaminhamos um PLC que tem uma previsão de arrecadação na ordem de R$ 720 milhões. Esse valor já contempla o equilíbrio das contas em termos de déficit, cobre o déficit financeiro e atuarial que temos e também permite que a gente faça uma revisão nos honorários médicos, que é uma demanda da classe médica legítima e importante. É um aspecto que está contemplado dentro dos R$ 720 milhões. Também nos permite fazer uma melhoria do ponto de vista assistencial em termos de plano. Qualquer emenda que venha a desidratar, do ponto de vista financeiro, o projeto, acaba fazendo com que o plano em si corra risco do ponto de vista da sustentabilidade.

JC - Esse acréscimo de recurso vai ser não só suficiente para reestruturar o plano, mas também para melhorar a qualidade de prestação de serviços?
Jatene - Sim, é isso que nós queremos. Primeiro, cobrir o déficit que temos é fundamental para que possamos sustentar o plano. Queremos também melhorar os honorários médicos, o que naturalmente nos daria um ganho do ponto de vista assistencial, pois mais médicos vão se interessar pelo IPE Saúde, reduziremos o prazo de uma consulta médica, teremos mais condições de aumentar nossa tabela de cobertura de algum procedimento, de algum material, especialmente a parte de próteses e órteses, que eventualmente não está dentro da nossa tabela. Então, vamos melhorar o serviço na ponta, junto aos hospitais, junto aos médicos, exatamente para poder viabilizar o melhor plano.

JC - Algumas entidades dizem que o projeto onera principalmente os servidores idosos e de baixa renda. Como vê esse apontamento?
Jatene - Fizemos dois limitadores importantíssimos. Embora a alíquota esteja passando de 3,1% para 3,6%, criamos uma tabela de referência de mensalidade que tem um valor limite por faixa etária. Já é um importante mecanismo de limitação do valor que o servidor vai pagar. Além disso, incluímos uma trava global em 12% do salário do titular. A pessoa com dependentes, somando o valor da contribuição do titular e dos seus dependentes, não pode ultrapassar os 12%. Essa trava global foi bastante elogiada pelos deputados, porque suavizou enormemente, especialmente para aqueles que têm baixos salários e que têm dependentes. Acreditamos que essa trava global conseguiu aliviar bastante essa onerosidade que seria maior para esse grupo de usuários.

JC - Como o servidor poderá contribuir até 12%, há o argumento de que o Estado estaria quebrando o princípio da paridade.
Jatene - Entendemos que não. A própria Constituição estadual e a própria lei define que a contribuição paritária estaria voltada exclusivamente para o titular. O Estado mantém a paridade com o titular. A alíquota do Estado vai ser exatamente igual à alíquota do servidor. É sempre bom lembrar que no IPE Saúde a contribuição não é obrigatória, é facultativa, não apenas para o titular, mas sobretudo para os dependentes. O IPE é um instituto de assistência à saúde que foi montado para os seus servidores. Estamos falando aqui dos titulares. Mantivemos a paridade para o servidor, que é aquele para o qual foi destinado realmente o IPE Saúde, e damos ainda a possibilidade de incluir os seus dependentes. Nossa avaliação é de que não há necessidade, por parte do Estado, de fazer aporte para a cobertura dos dependentes. Até então os dependentes não pagavam nada. Nunca se falou de paridade para os dependentes exatamente porque os dependentes não pagavam nada. No momento que temos uma crise dessa magnitude, fazendo uma avaliação jurídica, como a que foi feita, a paridade é restrita aos servidores titulares e os seus dependentes são convidados a pagar. É importante dizer que muitos dependentes também têm uma renda própria, utilizam o plano e não fazem qualquer contribuição.

JC - O projeto altera também a forma de fazer a revisão da contribuição, com a possibilidade de revisão anual da tabela de referência.
Jatene - Estamos fazendo um movimento que não simplesmente quer corrigir para o curto prazo. Queremos dar sustentabilidade ao plano. Os estudos atuariais voltados para a área da saúde sempre devem ocorrer a cada um ou dois anos. Isso é comum entre planos de saúde. Quero dizer com isso que estamos introduzindo dentro do modelo de financiamento do IPE importantes mecanismos de sustentabilidade. Estamos colocando uma tabela de referência de mensalidade que vai ser revisada a cada ano. Essa tabela tem um limite máximo de pagamento por faixa etária. Havendo uma revisão anual, ela pode subir e isso vai fazer com que possa haver ganhos de receitas por parte do IPE. Essa revisão anual vai ser precedida por análise atuarial. A própria diretoria, junto com o conselho de administração, vai fazer uma avaliação sobre a necessidade ou não dessa revisão. E o governador vai ouvir a diretoria e o conselho para que promova a alteração por meio de ato próprio de decreto do Executivo. Esse mecanismo vai dar sustentabilidade ao plano. Isso é fundamental. Esse é talvez um dos principais mecanismos em termos de sustentabilidade, porque nos permite não necessariamente ficar completamente atrelado a uma alíquota, que sempre foi o modelo tradicional adotado pelo IPE, mas trabalhar em cima de uma revisão atuarial que modifique a sua receita pelo lado das tabelas.

JC - Como a paralisação dos médicos credenciados impacta o IPE?
Jatene - Estamos monitorando a paralisação. Há algum tempo já a gente vem se reunindo com a classe médica, com as entidades. Entendemos que a paralisação também faz parte de uma negociação. Ainda não tem afetado em termos de atendimentos. Embora, eventualmente ocorra algum reagendamento. Mas os atendimentos continuam ocorrendo, sem querer minimizar a paralisação. Sinalizamos a eles que qualquer modificação de reajuste de honorários passa necessariamente pela aprovação do PLC.

JC - Em um cenário em que o PLC seja rejeitado na Assembleia. O que ocorreria com o IPE Saúde?
Jatene - Se não houver a aprovação do PLC, acredito que vai ter que se encontrar uma solução alternativa. Imagino que os próprios deputados precisarão fazer esse debate, essa discussão, caso não ocorra a aprovação. Hoje, não podemos trabalhar com essa perspectiva. Desde o primeiro momento, fizemos questão de esclarecer abertamente, de forma clara e transparente, qual é a situação do IPE Saúde.

JC - Acredita que a reestruturação será aprovada?
Jatene - Acho que a gente vai aprovar o PLC. Estamos trabalhando para isso, tentando inclusive esclarecer tudo que é possível, tentar ajustar alguma coisa ou outra, exatamente para poder viabilizar a aprovação do PLC.
 

Perfil

Natural de Belém (PA), mas radicado em Porto Alegre desde 1998, Bruno Jatene tem formação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Finanças pela George Washington University, Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas e Processamento de Dados pela Universidade da Amazônia. Profissionalmente, atuou por cerca de 12 anos em diretorias de empresas do setor privado e ingressou no Estado em 2010. Foi subsecretário adjunto e conselheiro da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) e, a partir de 2015, ingressou no Tesouro do Estado, onde exerceu, a partir de 2018, a função de subsecretário adjunto Financeiro. Desde março de 2022 preside o Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (IPE Saúde).