O relator do grupo de trabalho do Congresso Nacional sobre a reforma tributária está confiante em relação à aprovação da proposta, tratada como prioridade pelo governo federal de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) espera ter analisado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tributária até junho, antes do recesso parlamentar, para ser apreciada no segundo semestre pelo Senado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ribeiro disserta sobre os consensos, ou maiorias, formados sobre conceitos como a cobrança no destino, simplificação, transparência através da cobrança "por fora", eliminação da cobrança de imposto sobre imposto, entre outros pontos.
Para o relator, há clima no Congresso para a aprovação de uma reforma tributária no Brasil: "Não lembro, num passado recente, um ambiente tão propício para essa aprovação".
Jornal do Comércio - Qual papel o senhor desempenha como relator do grupo de trabalho e como está esse processo?
Aguinaldo Ribeiro - O principal objetivo é retomar, a partir de tudo que foi discutido sobre a reforma tributária, tanto na PEC 45 quanto na PEC 110, já que eu havia sido relator também na comissão mista para as duas PECs. Partir destes textos para que a gente agora tivesse, de fato, uma reforma tributária com a possibilidade de realmente se concretizar. Estamos fazendo esse trabalho de diálogo, ouvir e discutir. Tem um ponto muito relevante que foi a própria priorização, por parte do governo federal, da reforma tributária - diferente do que a gente tinha vivido anteriormente. Nosso papel é exatamente fazer esse debate novamente com a sociedade civil e que isso sirva para embasar o relatório que vamos apresentar no plenário.
JC - Quando o relatório será lido?
Ribeiro - Temos duas datas. Uma data é a fase regimental do grupo de trabalho, que seria em 16 de maio. Foi criado com 90 dias, portanto dia 16 de maio seria o prazo para apresentarmos o relatório do grupo de trabalho. A partir daí, a data de votação deve ser definida pelo presidente (da Câmara) Arthur Lira (PP-AL), o que ocorre pouco tempo depois. Até porque, depois de concluído o trabalho desse grupo, acho necessário já definir uma data de votação. No meu entendimento, deve ser no primeiro semestre deste ano, antes do recesso.
JC - Qual é o peso do relatório? Sendo aprovado, quais os próximos passos da tramitação?
Ribeiro - Sendo aprovado, temos o texto constitucional. Pressupõe a unificação de cinco impostos: Pis, Cofins e IPI, que são os impostos federais, e ICMS e ISS que são impostos estaduais e municipais. Após a votação da PEC, terá matérias que serão regidas por lei complementar e lei ordinária. Tem esse trâmite até a sua operacionalização. Teríamos um ano para que pudéssemos ter todas essas matérias votadas. Se votar até 2023, seria 2024. Se concluir no Senado também até o final do ano, teríamos 2024 todo para preparação e, em 2025, o início da operacionalização. E teríamos um período de teste, com uma alíquota de 1% do imposto. Isso ainda vai ser discutido. Mas teríamos essa alíquota teste e uma transição que se iniciaria pelo Pis e Cofins. Existe uma sugestão de dois anos, que é para a primeira fase, que seria o que a gente chama do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal, que seria o PIS e Cofins. Posteriormente, mais dois anos de ISS e ICMS. E, ao final, o IPI teria mais dois anos para transição completa do ponto de vista das empresas. Do ponto de vista federativo, teríamos uma transição, que está prevista nas duas PECs (110 e 45) de um prazo maior, de 50 anos. É o que está sendo esculpido. Em função do que existe de benefício fiscal, você precisa de uma transição maior dos contratos que foram feitos tanto pela União, quanto pelos estados e municípios.
JC - Essa alíquota de teste é para o governo visualizar como funcionaria a cobrança do imposto, uma questão administrativa?
Ribeiro - Ela seria para determinar o potencial arrecadatório do novo imposto. Até para ajudar a balizar a alíquota de referência. Essa alíquota de referência, já antecipando, seria a carga tributária existente, que hoje é cobrada por dentro, no sistema atual, seria a mesma carga, só que cobrada por fora e sem o efeito cumulativo.
JC - Cobrada por fora?
Ribeiro - A grande diferença que temos no imposto, primeiro é que ele passa a ser cobrado no destino e não na origem, como é hoje. Hoje, nosso imposto é cobrado na origem. Por isso tem aquela diferença de alíquota tanto na base de cálculo na origem quanto no destino. Teríamos, no IVA, a cobrança apenas no destino. Esse é um conceito que é princípio dessa reforma. A partir daí, teríamos a cobrança feita no preço do produto, em uma alíquota que se cobra por fora. É mais ou menos como nos Estados Unidos, onde você tem um preço de um produto e uma alíquota definida que vai para o governo. Não como é dado hoje para nós brasileiros embutido no preço, e nós não sabemos quanto pagamos de imposto, pois já vem composto no preço.
JC - Há pontos de consenso no Congresso?
Ribeiro - Consenso numa reforma como essa… vamos ter a maioria. Não vamos ter consenso em uma matéria tão complexa como essa. Vamos ter uma posição majoritária, como hoje existe. Já temos uma manifestação que é majoritária, isso não quer dizer que seja consenso. Evidente que vamos ter divergências.
JC - Em que temas existe maioria consolidada?
Ribeiro - Existe, por exemplo, na parte conceitual, é fundamental a cobrança no destino. Temos a simplificação que é fundamental como conceito. A transparência que estamos trazendo, para que as pessoas saibam claramente quanto paga de imposto. A questão de se ter segurança jurídica é fundamental em uma reforma como essa. A não cumulatividade também é fundamental, não podemos ter o que se tem hoje de cobrança de imposto sobre imposto, que é o retrato do Brasil. No custo Brasil, 80% reside no sistema tributário. Então isso também é consenso. A eliminação dos resíduos tributários ao longo dos processos também é consenso. E também ter a possibilidade de eliminar ou reduzir a regressividade. Termos um sistema mais progressivo. Quem ganha mais, paga mais. Quem ganhar menos, paga menos. Esse também é um conceito que julgo como consenso dentro da reforma. São pontos maduros.
JC - Nessa questão da proporcionalidade, como a reforma pode não pesar para as empresas? É possível fazer a reforma sem aumento de carga tributária?
Ribeiro - Evidentemente que, em última instância, o desafio que temos é ter uma reforma que não impacta, ao seu final, o preço. Porque quando a gente tá tributando o consumidor, temos que ter cuidado. Por isso que uma das preocupações que temos, e isso vai estar salvaguardado, é que não haverá aumento da carga tributária.
JC - Recentemente, o senhor declarou que seria impossível aprovar uma reforma que diminuísse impostos.
Ribeiro - Temos, na verdade, um contrato fiscal existente. Temos o que está contratado no País. O mundo ideal e meu desejo pessoal seria de redução de carga tributária. Vou além. Seria de reavaliação da tributação no País sobre renda, patrimônio e consumo. Temos hoje uma distribuição na qual muito maior é o peso da carga sobre o consumo, quase 50% do consumo e 25%, 26%, 27% que incide sobre renda. Mas hoje, na realidade atual, não teria como mexer nos temas da tributação indireta sobre o consumo sem observar o que já estava compromissado em relação ao Estado brasileiro. Isso teria que ser um movimento ao longo do tempo. O primeiro movimento seria esse de simplificar os impostos e, a partir daí, enfrentar os demais problemas que temos no País para reduzir essa carga tributária. Ou ter uma mudança dessa carga tributária, tributando mais renda e patrimônio do que o consumo.
JC - Avançando a simplificação proposta hoje na reforma, seria possível vislumbrar essa mudança na matriz tributária?
Ribeiro - Acho que sim. Existe um calendário do governo para, no segundo semestre, após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo, ter uma discussão da tributação sobre renda e patrimônio. Já no segundo semestre.
JC - Como o governo imagina a tramitação da PEC?
Ribeiro - Estamos embarcando nela tudo que foi discutido. O grupo de trabalho está atualizando toda essa discussão.
JC - Quando podemos esperar que venha um texto mais consolidado?
Ribeiro - Vai ser muito rápido, porque vamos ter uma apresentação de texto no plenário. Então, vamos ter já todos os indicativos ao fim da apresentação do texto do grupo de trabalho. A expectativa é que seja votada ainda no primeiro semestre. Ou seja, em junho, é a ideia que a gente vote já na Câmara e possa ser enviada ao Senado Federal.
JC - E tem ambiente no Congresso para aprovar?
Ribeiro - Existe, sim. Temos, pela primeira vez, uma convergência de municípios… pode ter pontualmente alguma divergência, mas estamos numa discussão muito avançada com os prefeitos. E também, nos estados, estamos com discussão muito avançada. E, pela primeira vez, com a União priorizando como necessidade estrutural sua reforma tributária. Não me lembro no passado recente de ter um momento tão propício para essa votação. O consenso que já existe, tanto setorial quanto federativo, é que se precisa mudar o sistema atual.
JC - Quais os principais desafios para conseguir o apoio dos prefeitos?
Ribeiro - Há uma discussão maior em relação aos grandes municípios. Nos municípios menores, já havíamos começado uma reforma tributária do ISS. É exatamente a cobrança no destino do ISS. É uma demanda dos municípios menores. Nos municípios maiores, há uma preocupação em relação a essa questão porque houve um aumento da arrecadação do ISS e há uma preocupação sempre daquilo que é novo, quando você junta com ICMS. Quando tem crescimento econômico, vai ter aumento de arrecadação por todos os entes. É a crença dos estudiosos.
JC - A reforma pode ajudar a acabar com a guerra fiscal entre os estados?
Ribeiro - Com o IVA, acaba a guerra fiscal. Não teremos mais a possibilidade de guerra fiscal, porque não tem mais o instrumento do imposto como ferramenta de concessão de benefício. Esse é um ponto que inclusive é constitucional. E a partir daí vamos ter um outro ambiente no País. Essa convicção temos com muita clareza de que será um benefício, pois vamos estar eliminando legislações que existem hoje que trazem insegurança jurídica e o contencioso tributário, administrativo e judicializado. Hoje, temos quase um PIB dentro contencioso tributário no País. Vamos melhorar esse ambiente. Não tenho dúvida nenhuma que essa reforma nos trará o que precisamos, que é ter um país competitivo, sem essa guerra fiscal, trazendo simplificação para o contribuinte, clareza pro cidadão, eliminando os resíduos tributários, que é fundamental num processo como esse. Ao final, vamos ter um sistema tributário muito mais simples, muito mais transparente, com muito maior segurança jurídica e que trará também justiça tributária.
JC - Qual a sua posição em relação ao governo federal, como deputado, e qual a posição do PP, que apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que tem parlamentares identificados com o governo atual?
Ribeiro - O PP, do ponto de vista da bancada, ainda não teve uma reunião para definir o nosso posicionamento e existem parlamentares do Nordeste que têm uma uma ligação maior com o governo atual e existem parlamentares que tinham mais ligação com o governo passado. Essa discussão ainda não passou pela bancada. Como também do ponto de vista da executiva nacional, embora o nosso presidente, senador Ciro Nogueira (PP-PI), sempre tenha colocado a sua posição, ele sempre tratou como uma posição pessoal, dizendo que, no momento oportuno, esse debate vai ser feito no âmbito do partido. Estamos com muita tranquilidade, até porque, apesar de posições eventualmente diferentes do partido, somos um partido que tem uma característica de muita preocupação com o setor produtivo, com a família. São valores do nosso partido. Muito brevemente vamos estar discutindo para termos uma posição partidária e, como bancada, muito rapidamente vamos estar sendo chamados para essa posição.
Perfil
Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro nasceu em Campina Grande, na Paraíba, em 13 de fevereiro de 1969. Seu primeiro cargo público foi assumido em 1998, como secretário de Agricultura, Irrigação e Abastecimento da Paraíba. Em 2002, foi eleito deputado estadual e reeleito em 2006. Durante os dois mandatos, pôde assumir as Secretarias de Ciência e Tecnologia, Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Paraíba e de Ciência e Tecnologia do município de João Pessoa. Em 2010, elegeu-se pela primeira vez deputado federal e assumiu a liderança do PP na Câmara dos Deputados. Entre 2012 e 2014, foi Ministro de Estado das Cidades durante o governo Dilma Rousseff (PT, 2010-2016). Em 2017, foi líder do governo Michel Temer (MDB, 2016-2018) na Câmara. Em 2019, durante o seu terceiro mandato em Brasília, assumiu a liderança do Bloco da Maioria durante o governo Jair Bolsonaro (PL, 2019-2022). Em 2023, retoma a relatoria do projeto para a Reforma Tributária no Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados e assume novamente a Liderança da Maioria na Câmara.