Diego Nuñez, Bruna Suptitz e Nikelly de Souza
Em meio a debates sobre concessões de parques importantes de Porto Alegre, como a histórica Redenção, o Marinha, o Trecho 3 da Orla do Guaíba e a Orla do Lami, Sebastião Melo (MDB) estuda outras alternativas para áreas verdes da capital gaúcha.
O prefeito quer utilizar o parque Chico Mendes, localizado na Zona Norte da cidade, como um local de testes para o uso de segurança privada em parques, em uma experiência que poderia ser reproduzida em outras localidades.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, no mês de aniversário de Porto Alegre, Melo explica por que acredita que este é o caminho para coibir a violência noturna nos parques, se compromete em reabrir a Usina do Gasômetro ainda em 2023, a enviar o projeto do Plano Diretor para o Legislativo até o final do ano, relata como pretende realizar a concessão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e se esquiva sobre a reeleição.
Jornal do Comércio - O seu governo chegou à metade do mandato. Qual será a marca da gestão Sebastião Melo?
Sebastião Melo - Somos um governo que tem muito cuidado com o social, com a educação, com a inovação, com a zeladoria da cidade. A prefeitura é um conjunto de ações que faz a cidade funcionar. Acho que a marca do governo é de diálogo, de entrega, de melhorar a ambiência de negócios na cidade, a autoestima do Porto Alegrense, essa é a marca.
JC - A marca não poderia, ou até deveria, ser a conclusão do Plano Diretor?
Melo - O Plano Diretor esteve interrompido por causa da pandemia. Tivemos um problema com a Universidade Federal (do Rio Grande do Sul, Ufrgs), tivemos que mudar a rota. Diria que, por linhas tortas, acho que acertamos, porque as cidades que nascem depois da pandemia são outras cidades. Fazer uma reforma do Plano Diretor durante a maior crise sanitária, talvez brotasse ali um plano diretor que se esgotasse logo em seguida. E o Plano Diretor é a linha geral. Não há Plano Diretor ideal, é o possível. Outro tema dentro do Plano Diretor é a operação consorciada urbana da Ipiranga, que já está na rua a licitação para contratação do projeto executivo. Aí tem lei para frente, tem que formar consórcio, tem que botar dinheiro. É uma outra marca importante. Da mesma forma que começamos lá no governo (José) Fogaça, mais especialmente (José) Fortunati, a recuperação da orla (do Guaíba), que hoje todo mundo aplaude. O (riacho) Ipiranga é outra grande das bacias hidrográficas, então isso não é um tema singelo. Vamos fazer um grande esforço para deixar até o final do mandato para que quem nos suceder possa tocar.
JC - O termo é bem técnico, Operação Urbana Consorciada...
Melo - Operação Urbana Consorciada é fazer um recorte de uma área e dar um regime urbanismo diferenciado para a região. No corredor da Ipiranga, ainda há muitos vazios urbanos, terrenos. Se você aumentar a altura, você cria aquilo que chamamos de mais valia, e a mais valia você joga num fundo e esse fundo financia obras que são de interesse da sociedade. Só esse aumento de altura não vai resolver. Vai ser necessário botar mais dinheiro público. Estou conversando com o governador Eduardo (Leite, PSDB) e ele disse: "Olha, Melo, eu tenho interesse em ter uma obra emblemática em Porto Alegre, e nós temos duas para discutir". A operação consorciada é uma e a outra é o centro de eventos. Essas duas obras acho que o governo do Estado poderia… entrarmos com parte de dinheiro público do município, o Estado poder entrar, e a iniciativa privada com a grande parcela.
JC - Assina o Plano Diretor ainda nesta gestão?
Melo - A Câmara já está resolvendo a sua comissão, o que ajuda muito, pois quando chega lá já tem um acúmulo de debate. Nossa intenção é mandar esse ano o Plano Diretor. A harmonia e autonomia dos poderes é uma regra básica da democracia. Mandado o Plano Diretor, o que posso fazer é colocar o governo à disposição para auxiliar os vereadores a tomar a decisão. Agora, a pauta passa a ser dos vereadores, porque não se faz Plano Diretor por decreto, por portaria. A Câmara sempre respondeu muito bem em ano de eleição. Vamos imaginar que a gente entregue em outubro o plano. Aí, com a comissão formada, já pode ter um acúmulo e ter condições de enfrentar as temáticas. Não há Plano Diretor ideal. A gente está escutando verdadeiramente. São visões muito diferentes. Tem que olhar para a regularização fundiária, para o alagamento da cidade, para o transporte coletivo, para a questão social. O que não dá é reduzir o Plano Diretor a prédios. Ele é desenvolvimento econômico, é sustentabilidade, é área rural. O maior desafio para ter sustentabilidade é combater a pobreza. Tem 80 mil pessoas que moram em área de risco (em Porto Alegre). Vejo muito pouco ser discutido no Plano Diretor
JC - Como o déficit habitacional de Porto Alegre pode ser resolvido?
Melo - Tem que ter casas novas, apartamentos, mas tem que regularizar aquilo que é possível regularizar. As terras que estão ocupadas hoje, e que são públicas, vou botar água, botar luz e regularizar. A regularização é uma questão social. No espaço que cabem 200 famílias, tem 300. Como acolho as 100? Aí a pessoa fala "eu tô aqui e daqui eu não saio". Não é uma coisa tão singela. E tem o compra compartilhada, que é você dar R$ 15 mil para aquele cidadão de baixíssima renda que não tem a entrada para dar. Inclusive há uma discussão lá na Câmara, querem que eu isente o ITBI também dessas compras. Vamos analisar. Depois tem o bônus moradia, que acho uma solução boa e hoje está mais de R$ 100 mil. O debate que está posto hoje é que se acolhe muitas dessas famílias, mas outras vão para a área de risco. É enxugar gelo. Está decidido que não se tira nenhuma família mais sem ter uma solução para não voltarem outras. Existem muitas áreas de altíssimo risco em Porto Alegre e aumentou muito os moradores em situação de risco.
JC - O que o senhor pensa hoje sobre a concessão da Redenção?
Melo - Foi colocado para fins de consulta, entre várias coisas, colocar estacionamento na Redenção. Esse tema foi muito polêmico, então eu já descartei. Temos um problema de segurança nos parques. Se o governo tivesse guardas suficientes para colocar em cada parque, com cercamento eletrônico… é uma alternativa. Mas tenho poucos guardas e demanda de Segurança Pública demais da conta. Espero fazer o Chico Mendes, que é um parque que tinha uma cerca precária, vamos cercar com uma cerca muito melhor o Chico Mendes, vai custar R$ 2 milhões, e quero fazer uma experiência de botar segurança privada rodando lá dentro. Ali vai nascer uma experiência que talvez sirva para outras localidades.
JC - A prefeitura faria a contratação essa segurança privada?
Melo - Sim. Voltando à Redenção: nunca esteve na modelagem da Redenção cercar o parque. Temos o mercado do Bom Fim que todo mundo paga o aluguel, tem aquele parquinho que é uma concessão e tem algum recurso, tem o Araújo Vianna que é R$ 40 mil que entra no caixa da prefeitura por mês, tem o Refúgio do Lago e tem o trenzinho. E o dinheiro da área azul também. São sete coisas. Aí isso deu R$ 200 mil, R$ 250 mil por mês. Aí fazer uma concessão menor, menos anos e deixar um gestor único e esse dinheiro que sobrar é para cortar grama, é para cuidar dos monumentos e para ter segurança. As pessoas têm direito a usar os parques também de noite, e esse é o desafio que está posto.
JC - Esses recursos entraram no caixa único?
Melo - Hoje estão soltos.
JC - Outros parques que foram anunciados, como Orla do Lami, Marinha e Trecho 3, também teriam esse modelo?
Melo - Tiramos Orla do Lami porque o modelo foi mal compreendido. Se tem o Lami como uma praia de Porto Alegre, banhável por muito tempo. Ia botar dinheiro para qualificar a praia. Com essa modelagem pequena, não tem dinheiro para o Lami. Está fora. O da Redenção foi feita escuta, e hoje tem uma modelagem. Porque tem a concessão da Orla (Trecho) 1, com a concessão do Harmonia e todas aquelas adoções. E no Trecho 3 tem a pista de skate, que são R$ 50 mil por mês, e quem banca a manutenção da pista é o adotante. Já tem uma modelagem de parcerias. Estaríamos estendendo essa parceria para o parque Marinha. Nesse vamos prosseguir.
JC - Quando será a reabertura da Usina do Gasômetro?
Melo - Vamos entregar a Usina em 2023. Vamos abrir para interessados a serem gerentes da usina. Usina é cultural? É cultural. Vai ter café? Vai ter cinema? Vai ter teatro? Tudo isso está nesse processo. Ela terá grande atratividade. É um espaço icônico da cidade.
JC - Em relação à concessão do Dmae, se chegou a um modelo interessante para o município?
Melo - Foram dois anos de intenso debate. Estamos desenhando um modelo de manter 100% da produção da água pública. O Dmae continua existindo. Essa semana saiu uma classificação de esgoto no Brasil, e Porto Alegre perdeu pontuação. A manutenção tem sido péssima e a extensão de rede tem sido zero. Entregar para o privado estender rede de esgoto mediante metas é atender o marco regulatório, que é lei federal que estabeleceu prazos rigorosos corretíssimos. Porto Alegre está tratando só 50% do esgoto. Temos que passar de 90%. Entregar o esgoto para o privado, acho corretíssimo. Entregaria também a extensão de rede de água. Hoje, não chega água na ponta por falta de pernas do Dmae. Essa é a modelagem possível. Entregando a água, o volume do dinheiro para o leilão seria muito grande. Preferimos fazer uma concessão parcial, segura. Essa é a modelagem que estamos construindo em uma fase quase final.
JC - Como é que fica a drenagem nesse modelo?
Melo - Nosso investimento hoje em drenagem é muito baixo. Todo o dinheiro do ativo que advier dessa modelagem é para nova drenagem e manutenção. É dinheiro carimbado.
JC - Para ser executado pelo município?
Melo - Sim, porque o mercado não topa pegar a drenagem, porque drenagem é alagamento, natureza. Vamos começar a drenagem com casa de bomba. Temos 26 e todas elas com problema. Todo o dinheiro que advier dessa modelagem, 100% do recurso é para você investir em manutenção.
JC - Acredita que terá dificuldade de aprovar a extinção da licença-premium na Câmara?
Melo - Essa matéria está lá desde o ano passado. Queríamos que ela fosse enfrentada, não foi possível, e agora ela está pronta para ir a plenário. O governo federal acabou com licença-premium em 1997, 1998. E vários governos pelo Brasil. Hoje, a cada cinco anos, tem três meses de licença-premium. Imagina um funcionário com 35 anos, quantos meses ele vai ter. Imagina um funcionário com um salário de R$ 20 mil e pega 18 meses. A lei diz que só o funcionário pode pedir a licença-premium. E ele não pede. Quando chega perto da aposentadoria, ele faz um requerimento, pega um advogado, entra na Justiça e ganha a licença-premium. Nesses últimos dois anos e meio, Porto Alegre aportou, em decisões judiciais, em torno de R$ 14 milhões. Fizemos a reforma da Previdência, que é muito mais complicada. Mas estamos num ano de virada de governo. Uma coisa é enfrentar um tema de 24 votos no início do governo, outra coisa é enfrentar no meio. Já se aproxima da eleição. O tema vai à votação e, se não tiver voto, respeito a decisão do Legislativo. Distorções que foram criadas ao longo dos anos na vida pública precisam ser corrigidas gradativamente. Se a maioria dos municípios já fez isso, se Eduardo (Leite) já fez isso, tenho legitimidade porque votei isso como deputado (estadual).
JC - O nome de Sebastião Melo tem muito apoio à reeleição do centro à direita. Como o senhor está se preparando para 2024?
Melo - Fizemos uma aliança na eleição passada nesse espectro de centro-direita e hoje esses partidos todos compõem a base desse governo. Não abrimos ainda esse processo de sucessão porque eu acho que quem está no governo tem que trabalhar para entregar melhorias para cidade e para as pessoas. Se antecipamos o debate eleitoral, contaminamos muitas entregas da cidade. Mas também não posso desconhecer que no dia que termina uma eleição começa a outra. Terminou a eleição do presidente Lula, já começou a eleição de 2026. E assim vai a do Eduardo (Leite) e assim vai a do Melo. Nosso campo, que hoje compõe o governo, terá uma candidatura. Se ela vai ser o Melo ou o Ricardo (Gomes, PL), ou outro nome, é uma discussão que ocorrerá no seu momento oportuno.
JC - O senhor é um nome?
Melo - Tem 12, 13 partidos na base do governo. A busca de uma reeleição tem que ser uma construção. Esse tema não está em debate nesse momento. Não estou dizendo sim ou não. Estou dizendo que o projeto sim, o nome é que nós temos que construir.
Perfil
Prefeito disse que medida poderá coibir a violência noturna nos parques
LUIZA PRADO/JC/fotos: LUIZA PRADO/JC
Sebastião de Araújo Melo nasceu em Piracanjuba, no estado de Goiás. Tem 64 anos, é casado com Valéria Leopoldino e tem dois filhos: Pablo e João Artur. Até os 15 anos, Melo trabalhou no campo, como lavrador, e mudou-se para Porto Alegre em 1978, onde se filiou ao MDB, seu único partido até hoje. Para poder concluir e custear os estudos de Segundo Grau no Colégio Marechal Floriano, trabalhou em lancheria no centro da cidade. Também foi carregador de caixotes nas Centrais de Abastecimento (Ceasa) e vendedor em lojas de material de construção. Cursou Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Iniciou-se na política estudantil ao presidir o centro acadêmico. Atuou como advogado e exerceu o cargo de conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil. Em 2000, elegeu-se pela primeira vez vereador de Porto Alegre, reelegendo-se em 2004 e em 2008. Após o terceiro mandato, foi eleito vice-prefeito em 2012 na chapa de José Fortunatti (PDT, 2012-2016). Foi candidato a prefeito em 2016, mas não se elegeu. Em 2018, foi eleito deputado estadual. Em 2020, concorreu à prefeitura da Capital e foi eleito no segundo turno com 370.550 votos.