Gastal diz que Badesul fará planejamento de longo prazo do RS

Atual secretário de Governança do governo Leite pretende utilizar banco como agência de fomento

Por Diego Nuñez

Claudio Gastal, secretário estadual de Planejamento do RS - entrevista especial -
Para a presidência do Badesul, cargo ao qual foi indicado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) e que deve passar a ocupar após ser sabatinado pela Assembleia Legislativa, o secretário de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), Claudio Gastal, deve levar uma meta que não concluiu à frente da pasta: conduzir o planejamento de longo prazo do Rio Grande do Sul.
Ele quer utilizar o Badesul como uma agência de fomento do RS, estando como "unha e carne" com os projetos prioritários do Estado, para focar em políticas públicas de longo prazo.
O secretário reconhece que investimentos do nível do programa Avançar foram possíveis graças a vendas de estatais, como a Sulgás, mas acredita que as reformas realizadas durante o primeiro governo Leite geram espaço fiscal para novos ciclos de investimento.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Gastal lamenta os ataques aos Três Poderes ocorridos em Brasília, afirma que Leite já é um player nacional e que tende a ser um "presidente fora de série" e "bate palmas" para a indicação de Bernard Appy para a condução da reforma tributária, o economista que, segundo o secretário, mais entende do sistema tributário brasileiro.
Jornal do Comércio - Qual a sua avaliação do primeiro mandato do governo Leite e da sua atuação na secretaria?
Claudio Gastal - Tenho sempre o sentimento de que foi feito muito e é possível fazer muito mais. O princípio é de uma gestão de melhoria contínua. O que você fez hoje foi legal, mas amanhã pode ser melhorado, aperfeiçoado. Olhando o governo como um todo, tive a oportunidade de coordenador o Rumos, no início de 2018, que foi uma série de seminários para discutir eixos de desenvolvimento do Estado que serviriam de base para a candidatura. Tínhamos uma série de dúvidas se seria possível fazer as concessões, privatizações, a própria reestruturação, reformas. O primeiro ano (de governo) foi um ano de muito embate positivo. Teve reforma administrativa, reforma previdenciária, reforma fiscal, que tinha muito pouco espaço para fazer. Tínhamos que ser muito assertivos. E nós definimos aqui o governo digital. Transformação de Estado num Estado digitalmente transformado. Hoje, o Rio Grande do Sul já é dois anos consecutivos o primeiro colocado em governo digital do País. O (site) rs.gov.br está com mais de 650 serviços digitais e permite com que você tenha o Estado na palma da mão do cidadão. Hoje o estado do Rio Grande do Sul é o Estado mais evoluído, com nível de excelência, dentro das 27 unidades de federação no governo digital. A associação nacional das empresas de TI que certifica. Outro eixo que ficou definido era a questão da desburocratização. Começa com o lançamento do projeto Descomplica. No primeiro ano, fizemos a revogação de mais de 20 mil decretos. Uma outra pauta, que eu levo para o Badesul, é que o Estado precisa construir um planejamento de longo prazo para saber para onde vamos nos próximos 30 anos, em termos de economia, em termos de áreas de desenvolvimento, áreas de investimentos, porque os recursos são finitos e você precisa ser mais assertivo.
JC - Com um governo reeleito, talvez seja a primeira vez na história que o RS possa fazer isso...
Gastal - O grande marco que me convenceu a vir trabalhar os quatro anos no Estado foi quando o Eduardo me disse "vai ser um governo de evolução", porque eu tinha um compromisso com o governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018), que eu vinha ajudando na mediação com o setor privado, com os grandes empresários. Eu passei por 22 estados. A grande questão que a gente vê é esse problema de desconstruir. A transformação de um Estado é a longo prazo. Política pública é a longo prazo. Se não tem isso, não avança.
JC - O senhor citou as várias reformas que ocorreram no Estado e que, ao final do ciclo, possibilitaram grandes investimentos através do projeto Avançar. Como foi o planejamento desse programa desde a concepção até a execução desses recursos?
Gastal - A palavra-chave para isso é governança, que é a capacidade de você avaliar onde você está, direcionar para onde você vai e monitorar se você está indo no caminho certo. Não tenho como pensar em sobra de recurso sem ter o fiscal resolvido, por isso que foi a primeira pauta de 2019. Claro que o investimento do Avançar vem pela possibilidade das privatizações, Sulgás e assim por diante… mas ele vem já com uma estrutura pensada. Você sabe os problemas do Estado. Quem mais sabe de saúde é o servidor que atua na Secretaria de Saúde, quem mais sabe da educação é o servidor que atua na Educação do Estado. Tivemos também um trabalho muito forte na gestão de pessoas para trazer para esse processo. Começamos a criar os projetos estratégicos e prioritários, acompanhar e definir mesmo que não tivesse recurso para tocar, esperando que se chegasse num momento ia se conseguir avançar. As privatizações permitiram que tivesse esse aporte histórico. Qual é o grande desafio hoje que o Eduardo coloca? É a capacidade de entrega do Estado.
JC - Um programa de investimento do nível do Avançar fica necessariamente atrelado a recursos extraordinários de privatizações ou…
Gastal - Não, não… eu digo assim, foi fundamental porque deu a alavanca. O ajuste fiscal todo feito já permitiu você ter espaços de caixa para fazer investimentos.
JC - A gente pode ver novos "Avançar" no futuro?
Gastal - Sim. Mas no momento que você teve a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ele abre algumas alternativas de busca de empréstimos e financiamentos. Você tem que cumprir. Então vai depender da economia também. O Estado vive do imposto. O imposto vem da geração de economia. Se eu tiver um aumento da economia, e hoje eu tenho resolvida a questão de crescimentos de despesa, vou ter folga no orçamento. Claro que não nesse volume que tivemos. Indiscutivelmente são fundamentais as privatizações no processo de entrada de recursos. Você tinha R$ 100 milhões, R$ 150 milhões de investimento-ano no Daer (Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem). Hoje você tem R$ 1 bilhão. Vai ser todos anos um bilhão? Não, mas de repente se consegue daqui a pouco ter R$ 500 milhões, R$ 600 milhões e manter o processo de investimento. Quando você faz uma concessão de uma rodovia, não é só aquela rodovia. A partir do momento que você tira a necessidade de investimento do Estado naquilo, você coloca naquelas que não têm atratividade.
JC - O que já foi executado do Avançar?
Gastal - Foram R$ 4,76 bilhões até o final de dezembro.
JC - O que se pode esperar para esse primeiro semestre do governo?
Gastal - Aceleração nas execuções do que ficou do Avançar.
JC - Investimento em áreas específicas?
Gastal - Irrigação e a questão do sistema penal que precisa manter o ritmo das obras.
JC - O que motivou a decisão de deixar o governo do Estado e aceitar o convite de presidir o Badesul?
Gastal - Primeiro que toda continuidade ou não é decisão do governador. Então houve a percepção do governo de que é importante trocar, oxigenar. Temos um grande desafio no Estado que é a competitividade. E a competitividade passa por ter alguns instrumentos mais voltados aos projetos estratégicos do Estado, e o Badesul, como uma agência de fomento, porque eu não chamo de banco, que é bem diferente… a agência de fomento tem que ser unha e carne com os projetos estratégicos do Estado. A nossa decisão foi, como conheço muito bem a estratégia do governo, os projetos estratégicos, as prioridades, fiz toda a transição, a montagem da estrutura do governo, bom, agora é colar o Badesul como instrumento de desenvolvimento, como instrumento de fomento à competitividade nesses projetos estratégicos.
JC - Quais seus objetivos no Badesul?
Gastal - O primeiro é esse: o objetivo principal é o Badesul como agência de fomento estar colado com os projetos estratégicos do Rio Grande do Sul para aumento da competitividade. Primeiro, o Estado precisa avançar na lógica de ter ou de utilizar o instrumento de agência de promoção do Estado e atração de investimentos. O segundo eixo, que fica não feito (na SPGG) é o planejamento de longo prazo do Estado. A agência de fomento Badesul ter um papel de protagonismo nesse planejamento de longo prazo do Estado. Tem articulação e capilaridade pra isso. O terceiro item é… temos no nosso modelo de governança do Estado implantado desde 2019, que é a criação do Conselho de Competitividade, um espaço de diálogo público e privado para discutir o Rio Grande do Sul como estado e não como governo. A agência de fomento daqui a pouco pode ser o braço executivo deste conselho de competitividade. O quarto eixo é a questão de hoje, eu vou pegar um exemplo, em vários projetos de concessões e PPPs (Parcerias Público-Privada), adotamos uma grande maioria… a maior carteira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) somos nós de modelagem de projetos. Mas nem todo o projeto é tão grande para um BNDES. Daqui a pouco quem sabe os municípios e os próprios projetos de estados precisam de modelagens menores, menos complexas, e a agência de fomento pode vir a ser um instrumento desse tipo.
JC - O governo pretende transferir R$ 1 bilhão para população de baixa renda através do Devolve ICMS. Onde mais o governo pode avançar em justiça tributária?
Gastal - O Devolve ICMS acho que é o exemplo para Brasil da necessidade de reforma tributária. Porque quem mais paga tributo no Brasil é o pobre. O sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo e o Devolve ICMS é um exemplo ao Brasil inteiro de como é possível você ter instrumentos inovadores que façam devolver à população de baixa renda, que não deveria estar pagando imposto como paga no Brasil. E isso em forma de consumo, que isso gira a economia. Outros instrumentos de Justiça tributária, pega o Juro Zero, que fizemos na Secretarias de Desenvolvimento Econômico, para micro e pequenas empresas. Só que o tributo é extremamente centralizado no governo federal, e a execução é descentralizada. Quem mais sofre é o município.
JC - Acredita que dessa vez é possível ocorrer a reforma?
Gastal - Acho que é. Há uma conjunção de fatores importantes. Acho que há uma questão de crise do Estado, a pandemia trouxe um problema econômico grave. A demanda crescente da população pelo Estado. Ninguém aguenta mais pensar em aumento tributário.
JC - O que precisa ter em uma reforma tributária?
Gastal - O modelo da reforma tributária do Bernard Appy. Eu bato palmas para a indicação do Bernard Appy (para Secretário Especial de Reforma Tributária) porque acho que é hoje o cara que mais entende do sistema tributário brasileiro e tem uma proposta que é a melhor alternativa que a gente tem. Não vai ser perfeita. Nosso sistema foi criado de uma forma tão esquizofrênica que para desatar tudo não é só uma reforma tributária. Daqui a pouco, vai ter que fazer uma grande, como essa, mas depois vai ter que fazer ajustes, porque tem um nível de dependência de impostos municipal e estadual e a própria política pública dependente. Se faço a reforma tributária de um lado, vou ter que começar a ver quais são as políticas públicas que estão sendo afetadas agora.
JC - Como vê a projeção nacional de Leite? Ele pode se viabilizar como candidato à presidência em quatro anos?
Gastal - Acho que ele já é um candidato forte. Quando? Não sei. Mas ele já é um player nacional e vai ter todo meu apoio e todo o meu suporte quando precisar, independentemente da posição que eu esteja. Conheço o Eduardo desde a época de vereador em Pelotas. Eu recebi o título de cidadão pelotense quando ele era presidente da Câmara de Vereadores em Pelotas. Admiro ele, acho que é alguém iluminado. Tem dois políticos que admiro muito, um se chamava e outro se chama Eduardo. Um é o Eduardo Campos (PSB), que teria sido um presidente fora de série, e o Eduardo Leite, que tende a ser um presidente fora de série.
JC - Como avalia os atos de vandalismo ocorridos na capital federal?
Gastal - Não sou muito de dar muitas opiniões políticas e partidárias, mas nesse momento ninguém pode se omitir. O que foi feito beira a barbárie. Foi algo que demonstra o quanto como sociedade ainda temos muito que refletir. E as nossas chamadas elites intelectuais, empresariais, políticas têm que refletir o ponto a que a gente chegou.
 

Perfil

Claudio Gastal nasceu em 1º de outubro de 1961, em Santiago do Chile. Mas, com poucos meses de vida, mudou-se para Pelotas. Graduou-se na área de Análise de Sistemas pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), com mestrado em Sistemas de Informações pela PUC-Campinas. Foi professor adjunto da UCPel e coordenador do Escritório de Desenvolvimento Regional em Pelotas. De 2011 a 2015, atuou como secretário executivo da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade da presidência da República. Foi presidente do Movimento Brasil Competitivo entre 2015 e 2018. Logo depois das eleições de 2018, participou da transição do governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018) para a gestão Eduardo Leite (PSDB). Na administração do tucano, assumiu a Secretaria de Governança e Gestão Estratégica. Desde 1º de junho de 2020, com a fusão da sua pasta com a de Planejamento, Orçamento e Gestão, acumula a direção das duas estruturas. Neste início de 2023, Gastal deve deixar o cargo de secretário de Planejamento, Governança e Gestão para assumir a presidência do Badesul, a convite e Leite.