Para Raquel Teixeira, desafio são escolas de tempo integral

Secretaria da Educação precisará convencer núcleos sociais a adotar modelo

Por Diego Nuñez

Meta de Raquel é elevar de 18 para 550 as escolas de tempo integral no Estado
Raquel Teixeira deve ser uma das principais figuras políticas do Rio Grande do Sul em 2023. Reconduzida à Secretaria da Educação (Seduc), comandará a pasta que é a principal aposta do governador eleito Eduardo Leite (PSDB) para o seu novo governo. Raquel tem como missão uma meta ambiciosa: elevar de 18 para 550 as escolas de tempo integral no Estado. Sobre os gargalos de infraestrutura e falta de professores, a secretária garante: "Quando o governador se comprometeu em 550 (escolas de tempo integral), ele não tirou da cabeça dele. Nós fizemos estudos, levantamentos".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Raquel diz acreditar que o principal desafio é cultural. "É as pessoas entenderem e aderirem à ideia de que precisam se qualificar com mais sofisticação. (...) Essa mudança de mindset tem que ocorrer."
Confirmada por Leite que permanece na Seduc, a secretária também analisa os impactos deixados na educação e na ciência brasileira pelo governo Jair Bolsonaro (PL). "O governo foi completamente ausente e omisso nos quatro anos", critica.
Jornal do Comércio - A educação foi alvo de críticas durante a campanha Ao que a senhora atribui isso?
Raquel Teixeira - Não quero fazer julgamento anterior a mim. Eu fiquei um ano e meio (na secretaria), e um ano e meio pra educação não é nada. Acho que plantei sementes. Nenhuma semente vira árvore amanhã. O que que eu acho que aconteceu? Não foi só na educação do Rio Grande do Sul. Em geral, os anos de dificuldade financeira fizeram com que o Estado perdesse um pouco a capacidade de investimento. Tanto que os problemas mais sérios que nós temos, que estão longe de serem resolvidos, dizem respeito à questão da estrutura, das obras, do processo de terceirização do serviço de merenda, de limpeza, da questão de professores. Então são problemas que foram acumulados ao longo de muitos anos. Quando o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) começou, em 2005, o Rio Grande do Sul era o terceiro melhor no País. Em 2017, era 15º. A gente melhorou no último Ideb. Apesar da pandemia. Apesar de tudo. Apesar do pouco tempo que eu fiquei aqui. Então os caminhos para chegar a gente dá com a formação de professores, e fizemos um programa intenso de formação de professores no Aprende Mais. Ampliamos a aula de língua portuguesa em duas horas semanais, aulas de matemática em 3 horas semanais, contratamos 4 mil novos professores, e todos eles fizeram com bolsa de estudos a formação para como trabalhar esses dados da avaliação. Então isso foi uma ação muito robusta em termos do impacto maior da pandemia na perda de aprendizagem. Isso é uma rotina que tem que ser consolidada que é toda essa questão de trabalhar com dados, tanto que criamos uma área, um dos nossos projetos prioritário se chama educação com base em evidência porque a política pública você mede pelos resultados não pela intenção, então se você não tem evidências, você não pode mensurar os resultados. Então esse foi o foco. Foi importante o próprio conjunto dos diretores escolares que foram eleitos há um ano e que têm um mandato de três anos. A gente acrescentou a eleição, que deu a legitimidade da liderança na escola, mas nós acrescentamos um curso de especialização de 375 horas e todos os diretores e vice-diretores, 6 mil pessoas, estão fazendo um curso de especialização de 375 horas que acaba agora em março também com bolsa de formação. O diretor recebe R$ 800,00 de bolsa, investido R$ 500,00.
JC - O vice-governador eleito, Gabriel Souza (MDB), disse que é preciso uma qualificação constante dos professores na medida que estamos no século 21 e é necessário atualizar as práticas pedagógicas.
Raquel - Exato, mudança é a coisa mais constante na vida humana, se não tivesse mudança, a gente estava na caverna. Então a mudança é a característica mais permanente da humanidade, só que a velocidade com que as mudanças acontecem hoje é assustadora. A previsão que existe é de que nos próximos 15 anos será gerado um volume de conhecimento correspondente ao que foi gerado nos últimos 150 anos. Então essas velocidades de 150 em 15 que daqui a pouco vai ser de 15 em 5, essa velocidade requer apoio aos professores. Então, o papel da educação deixa de ser aquele papel hierárquico, de cima pra baixo, do professor que é a fonte do conhecimento dando uma aula expositiva, expondo seus conhecimentos e o aluno só ouvindo… a perspectiva mudou completamente, o olhar da educação tradicional era no ensino e no professor, o olhar da educação contemporânea é no aluno e na aprendizagem. Isso muda completamente a forma de trabalhar muda o perfil da escola, muda o perfil do professor e o papel da secretaria é conseguir repertório para alimentar os diretores e os professores porque o sistema é que é responsável pelo sucesso. Outra coisa que acho que foi positiva que a gente trabalhou muito foi a construção de um sistema coeso porque temos que implementar políticas públicas, se possível que sejam de Estado e não de governo. Uma outra coisa que foi negativa no Rio Grande do Sul foi essa constante mudança, ou rompimento, a falta de continuidade. Mas então voltando à coesão uma política pública, ela é formatada no órgão central, que é a secretaria, mas ela tem que ser cascateada, é o termo que a gente usa. Ela tem que ser cascateada para as regionais, das regionais ela é cascateada pelos diretores de escola, dos diretores de escola ela vai para o professores, e dos professores ela chega na sala de aula no aluno, isso é um processo muito complexo quando você tem 2.379 escolas, quase 800 mil alunos e 60 mil professores. Então se a gente não tiver uma coesão sistêmica, a gente não chega em todas as escolas. A minha preocupação como gestora não é a boa escola, a boa escola o diretor já sabe fazer, não é ela que me preocupa, mas como gestora eu não posso me conformar que o aluno que nasceu perto de uma escola boa, tem um tipo de qualidade enquanto um aluno que nasceu perto de uma escola em que o diretor ainda não aprendeu a ser bom, tenha outro tipo de educação. A gente construiu e estamos consolidando uma coesão que se traduz em trabalho, desde que cheguei, tenho reunião obrigatória semanal com todos os coordenadores regionais, com todos os diretores da Secretaria da Educação. Faço muita live com diretores de escola. Temos esse curso de especialização dos diretores que é constantemente em contato com eles, então esse trabalho, que é mais de organização macro do sistema, acho que foi o que funcionou agora, a gente já tem que entrar na parte micro, né? Cada aluno, cada dia, cada escola. Esse é o desafio para os próximos anos.
JC - O que muda para a educação com a aprovação da reestruturação do governo?
Raquel - A educação foi um dos blocos mais beneficiados. Muda que a gente vai ter mais pessoal qualificado, porque agora a gente tem salários melhores para oferecer. Vamos expandir as escolas de tempo integral, que é compromisso de campanha do governador. Preciso ter uma equipe dedicada a Ensino Médio em tempo integral para conseguir implementar a política. Não tenho gente suficiente para ter uma equipe dedicada a Ensino Médio tempo integral, à educação antirracista, que é outra coisa de combate à desigualdade muito importante. Tenho que ter uma equipe dedicada.
JC - É uma meta bastante ousada. São 550 escolas de tempo integral pretendidas pelo futuro governador. Hoje apenas 140 apresentam condições e somente 53 manifestaram interesse.
Raquel - Depois dessa rodada de 53, mais 14 se decretaram abertas e já aderiram. Então, temos 67 novas escolas. Hoje nós temos 18. Já pra 2023, teremos 85 escolas de Ensino Médio em tempo integral - e pela primeira vez com uma política unificada de todas elas. Quando o governador se comprometeu em 550 (escolas), ele não tirou da cabeça dele. Nós fizemos estudos, levantamentos. Essas 140 são escolas que têm infraestrutura adequada, número de professores adequados. A gente tinha algumas premissas para definir o que é uma escola pronta para o tempo integral. Primeiro, ela tem que ter Ensino Médio diurno, em prédio que tenha condições de abrigar o dobro de alunos. Porque, se tem 200 alunos, viram 400, porque ficam lá manhã e tarde. Só 53, mais 14 agora, aderiram porque eu não estou impondo o Ensino Médio (de tempo integral) a nenhuma escola. A gente apresenta, a escola discute internamente e faz adesão, ou não, voluntariamente. Se a escola não quiser, não vai sair do papel. Talvez esse seja o desafio maior que a gente vá ter no Rio Grande do Sul. Uma coisa que é louvável, admirável - mas que nesse momento é um desafio -, é a cultura do jovem começar a trabalhar cedo. A gente tem que discutir com as famílias e com as escolas. O mundo mudou. As demandas do século 21 são muito diferentes. Habilidades para resolução de problemas complexos, criatividade, capacidade de pensamento crítico, de análise de cenário… são habilidades que só a escola dá. Esse investimento de três anos em tempo integral vai colocar o jovem em outro patamar de qualidade, inclusive para atender a demanda do setor produtivo gaúcho, que é sofisticado. Nos últimos três anos, 10,8 mil empregos abertos não foram preenchidos porque as empresas não encontraram nos jovens o perfil adequado. O que a escola em tempo integral pretende fazer é dar essa qualificação nova que o mundo requer. E aí é o que eu chamo de desafio, porque as famílias, os jovens e as escolas têm que entender essa mudança para poder fazer essa mudança cultural.
JC - Acredita então que o principal desafio é cultural?
Raquel - Acho que é as pessoas entenderem e aderirem a ideia de que precisam se qualificar com mais sofisticação, porque a escola hoje não é só o lugar de física e matemática. É o lugar onde você aprende a colaborar. E a escola tempo integral permite espaço para iniciação científica, para projetos criativos, onde se aprende a fazer escolhas, onde vai aprender a se preparar para o mundo. Essa mudança de mindset tem que ocorrer.
JC - Com o governo Jair Bolsonaro (PL) chegando ao fim, qual sua avaliação da condução da educação nacional da atual gestão?
Raquel - Não houve condução. O governo foi completamente ausente e omisso nos quatro anos, a começar pela escolha dos ministros. A gente teve ministro que não tem nenhuma ligação com a educação. Pela primeira vez a gente teve caso de corrupção dentro do MEC com o próprio ministro. Quais foram os períodos em que houve os maiores avanços na educação? Paulo Renato, oito anos ministro do (ex-presidente) Fernando Henrique (Cardoso, PSDB, 1995-2002). Fernando Haddad (PT), 7 anos ministro do Lula (PT). Então foram nesses períodos que as políticas avançaram exatamente pelo tempo e pela continuidade das políticas implementadas. Nós tivemos uma rotatividade de pessoas não qualificadas no Ministério da Educação (no atual governo).
JC - Qual é o impacto que se teve na ciência brasileira e na pesquisa com a queda de investimentos que ocorreram nos últimos quatro anos?
Raquel - As bolsas de pesquisa de mestrado, doutorado, com valor nunca adaptado. A própria merenda escolar - 30 centavos por aluno desde 2017 sem nenhum reajuste, enquanto houve inflação. A fome voltou ao mapa do Brasil. Esse tipo de ausência, de omissão, que não pode acontecer. A ciência brasileira, que é feita basicamente nas universidades federais, está paralisada. Fui professora por 10 anos na Universidade de Brasília, 30 anos na Federal de Goiás, e vejo a paralisação que aconteceu, o desânimo e a evasão de talentos que estamos tendo. Todas as universidades, todos os grupos de pesquisa perderam pesquisadores valiosos.

Perfil

Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, natural de Goiânia, possui extensa carreira de serviços prestados na área da educação. É PhD em Linguística pela University of California em Berkeley, graduada em Letras e mestre em Letras e Linguística pela Universidade de Brasília (UnB). Tem especialização em Etnolinguística pela Universidade Federal de Goiás e pós-doutorado em Língua e Cultura pela Escola de Altos Estudos de Paris. É membro-licenciada do Todos pela Educação, além de integrante da Academia Feminina de Letras de Goiás.
Atual secretária de Educação do Rio Grande do Sul, atuou como coordenadora da Escola de Formação de Professores de São Paulo de agosto de 2020 a março de 2021. Nos últimos 20 anos, foi secretária de Educação, secretária de Ciência e Tecnologia, secretária de Cultura, secretária de Cidadania e secretária de Esporte em Goiás. Foi também conselheira do Conselho Nacional de Educação e deputada federal por oito anos. Neste mês, foi confirmada para seguir no comando da Educação na próxima gestão de Eduardo Leite (PSDB).