Guilherme Kolling, Paula Coutinho e Diego Nuñez
O governador reeleito Eduardo Leite (PSDB) encontra o governador do Rio Grande Sul, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), na manhã desta terça-feira, às 10h30min, para dar início oficialmente à transição de governo. Pela primeira vez desde a redemocratização, haverá continuidade de projetos no Palácio Piratini. O cargo de governador é exercido por Ranolfo, que foi seu vice, o que confere a Leite tranquilidade para se debruçar sobre temas para o futuro. Enquanto o atual governador toca questões do presente do Piratini, como o empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a privatização da Corsan, o foco de Leite é em 2023.
Nesta entrevista concedida ao Jornal do Comércio menos de 24 horas depois de serem conhecidos os resultados das urnas, o governador reeleito promete reformulações nas secretarias de Educação e de Obras, e projeta a meta de ter 50% das escolas do Ensino Médio com tempo integral no Estado até 2026.
Já na transição, o tucano promete planejar a criação de uma agência de desenvolvimento no Estado – uma estrutura privada com um apoio público para permitir uma postura mais agressiva na captação de investimentos para o Rio Grande do Sul. Leite também se disse preocupado com o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) após as eleições e comentou sobre como será a relação com o próximo governo federal, durante o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Jornal do Comércio - Quando o senhor pretende formalmente dar início aos trabalhos de transição?
Eduardo Leite – N Nesta terça-feira pela manhã vou encontrar o governador Ranolfo para ajustar de que forma vamos fazer isso. Embora seja o mesmo projeto, ele é o governador do Estado. Naturalmente existem protocolos que precisam ser bem observados. A partir da conversa com ele vamos definir onde vamos instalar o gabinete de transição e definir a equipe que vai se encarregar de organizar as informações. É claro que é um tanto diferente do que normalmente acontece. Tem uma continuidade. No outro gabinete de transição precisávamos nos apropriar de dados e informações do governo. De certa forma, agora, isso a gente já tem. Então, vamos mais politicamente conduzindo e ajustarmos com o próprio Ranolfo o que já podemos ir antecipando de medidas dentro deste governo.
JC - Tem grandes projetos encaminhados que poderiam ser finalizados neste ano. Por exemplo, encaminhamento do empréstimo com o BID, privatização da Corsan e bloco de rodovias a serem concedidas. Esses temas serão encaminhados pelo governador Ranolfo?
Leite - Tudo o que ele puder encaminhar, melhor. A privatização da Corsan segue seu curso normal do processo. O empréstimo do BID também. Vida que segue normalmente. Ele deu sequência àquilo que a já tínhamos deixado encaminhado e é natural que siga coordenando nesse momento. O que é muito positivo no processo de transição agora é que tem um governador cuidando do dia a dia, do que está em curso, e eu como governador eleito posso me debruçar especialmente sobre o planejamento para o futuro. É um período em que estou como governador eleito, com dois meses pela frente, até assumir efetivamente, especialmente podendo projetar o futuro e organizar projetos sem precisar me preocupar com a operação diária do governo. É uma operação de burocracia, de coordenação de projetos, dados, pequenos gargalos que surgem, pequenos entraves e que precisam ser desatados da operação diário de um governo. Estarei debruçado sobre o planejamento das bases do próximo ciclo. Ou seja, revisitar a estrutura de governo. As secretarias de Educação e de Obras vão precisar ser revisitadas em suas estruturas internas para dar mais agilidade e capacidade de resposta nas obras do governo, especialmente na área de educação. Aportamos recursos para fazer investimento na infraestrutura das escolas e o governo apresentou dificuldade em conseguir levar adiante por uma dificuldade de capacidade administrativa, técnica dessas secretarias.
JC - A educação foi uma área do governo bastante criticada durante a campanha eleitoral. Podemos considerar que será uma das prioridades do novo governo?
Leite - A educação é um tema que tem vinculação à nossa produtividade. Para ter crescimento econômico tem que ter estradas, burocracia reduzida, carga tributária menor… mas se não tiver gente, se não tiver capital humano, o Estado terá produtividade aquém do seu potencial. Temos um plano para a expansão do Ensino Médio em tempo integral. Junto com essa expansão reforçar os itinerários profissionalizantes e de ensino técnico junto com o Ensino Médio, e isso vai ensejar estrutura das escolas e por isso que eu falei que vamos revisitar as estruturas da Secretaria da Educação e da Secretaria de Obras para que possamos ter melhor capacidade de performance dessas secretarias para dar mais agilidade em reformas, criação de escolas em volume necessário inclusive para atender esse propósito de 50% das escolas do Ensino Médio com tempo integral até o final do próximo governo.
JC - O Investômetro do Anuário de Investimentos do JC aferiu mais de R$ 50 bilhões atraídos ao Estado em 2021. O senhor citou uma agência de desenvolvimento para alavancar ainda mais esses potenciais do RS. Considerando que vai ter a participação da iniciativa privada, será gestada em 2023 ou vai ser encaminhada já na transição?
Leite - É um dos pontos que eu quero me debruçar nesse processo de transição. Já tenho alguns conselheiros fazendo um benchmarking de formatações de agências de desenvolvimento e promoção comercial de outros estados e até de outros países no sentido de podermos definir o formato do que vamos apresentar aqui no Estado. É um das estruturas que queremos fazer, mas que não deve ser dentro do governo. Essa deve ser fora do governo. Nossa expectativa é de conseguirmos fazer uma estrutura que é privada com um aporte público para poder trabalhar com liberdade, com mais agilidade e a estrutura técnica necessária para fazer a promoção comercial do Estado, mais agressiva na captação de investimento.
JC - No momento em que estamos fazendo essa entrevista, o presidente Bolsonaro ainda não se pronunciou após o resultado das urnas. Preocupa essa situação em nível nacional?
Leite - É preocupante essa não manifestação porque a democracia é um regime em que se perde eleição. Você tem uma rotina de eleições a cada quatro anos justamente para dar a segurança aos grupos da sociedade de que não precisam recorrer à força, à violência ou a qualquer outro artifício para exercer o poder. Por quê? Porque sabe, ao perder a eleição, que vai ter espaço para contestar e criticar a partir do Parlamento, da imprensa livre, dos movimentos sociais ou seja qual for outra forma de manifestação. O governo eleito terá que lidar com a oposição, com a contestação daqueles que foram derrotados. E os que foram derrotados sabem que terão a oportunidade de em quatro anos disputar novamente o poder. A democracia são as regras do jogo para que possamos conviver com as diferenças que temos com a certeza de que haverá sempre uma nova chance, uma nova oportunidade para grupos formarem a maioria. Na medida em que o presidente da República não reconhece, não se manifesta sobre o resultado, é claro que isso preocupa, mas espero que haja por parte dele… um presidente precisa que estar preocupado com o país para quem governa, com a população. Confio que ele quererá o melhor para essa população e o melhor é garantir estabilidade, credibilidade para nossa democracia, portanto, reconhecer o resultado e fazer uma transição pacífica com a tranquilidade que é necessária. Espero que isso se desdobre dessa forma.
JC - O senhor tinha dito que independentemente do vencedor da eleição para o governo federal teria uma relação republicana. Dado o resultado, o senhor chegou a conversar com o presidente eleito?
Leite - Ainda não. Imagino que ele tanto quanto eu esteja na assoberbado com demandas de imprensa e dos seus próprios colaboradores de campanha. Estou com mais de mil mensagens no WhatsApp que eu vou ter que tentar dar conta nessas próximas horas, então ainda não conversei. Mas pretendo assim que possível conversar. A expectativa é positiva. Eu tenho, do ponto de vista programático, uma diferença com o Partido dos Trabalhadores, mas eu respeito muito a vontade popular e o próprio Partido dos Trabalhadores como um representante importante da população, o partido e o presidente eleito, Lula, têm uma experiência e uma vida pública que me dão expectativa de que tenhamos um bom trabalho conjunto em favor da população. Não existe um povo municipal, um povo estadual e um povo federal. É um povo só. A gente governa para o mesmo povo, nosso destinatário final é o mesmo para as nossas ações. E a gente tem que saber trabalhar em sintonia, em sinergia a favor dessa população. Se divergirmos, exercer a divergência dentro da arena política nas regras institucionais enfrentando os argumentos, o bom debate político.