Guilherme Kolling, Paula Coutinho e Fernando Albrecht
Candidato do PSDB ao Piratini, o ex-governador Eduardo Leite planeja avançar na simplificação tributária se for reeleito. "Nosso esforço é, em até dois anos, tornar a nota fiscal eletrônica a única obrigação fiscal do contribuinte." O tucano fala em retirar setores da Substituição Tributária, desburocratizar compromissos de empreendedores com o Fisco e reter talentos, com investimentos em educação e inovação.
JC VÍDEOS: Como foi a entrevista de Eduardo Leite
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Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Leite descarta privatizar o Banrisul, garante que não irá pedagiar a rodovia ERS-118, e sustenta que é possível manter o equilíbrio das contas públicas no próximo ano. Ele defende a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e acredita que é possível voltar a pagar gradualmente a dívida com a União e manter a folha do funcionalismo em dia.
Em relação à máquina pública, quer reforçar áreas técnicas para acelerar obras com recursos próprios, além criar uma agência de desenvolvimento fora da estrutura do Estado.
Jornal do Comércio - O Estado projeta déficit de R$ 3,7 bilhões em 2023. É possível manter o equilíbrio das contas?
Eduardo Leite - Seguramente em 2023 o Rio Grande do Sul conseguirá ter a cobertura desse déficit, porque R$ 2,2 bilhões vai poder fazer de compensação do pagamento da dívida (com a União) por conta da perda de arrecadação com a redução de ICMS para a alíquota básica em combustível, energia e comunicações. Outro R$ 1,5 bilhão deve ser de investimentos residuais do (Programa) Avançar, que tem recurso em caixa, não com receitas do ano que vem, mas com receita oriunda das privatizações.
JC - Parte do investimento do Avançar fica para 2023?
Leite - O Avançar tem R$ 6,8 bilhões anunciados em investimentos. O que não vai se conseguir executar (nesse ano), tem que colocar no orçamento para poder executar ano que vem.
JC - Nesse contexto, dá para garantir o pagamento em dia do funcionalismo para 2023?
Leite - Sim. Claro que se espera que não haja surpresas de compressão das receitas dos estados como fizeram neste ano.
JC - O senhor planeja uma reforma da máquina pública?
Leite - Há um limite, porque tem irredutibilidade de salários e impossibilidade de demissão de servidores com estabilidade. Cumprimos o desafio fiscal, colocar as contas em dia. Fizemos reformas profundas para reduzir a despesa com a folha de pagamento. Quando assumimos o governo, a despesa com pessoal estava batendo em 78% sobre a receita corrente líquida. Em 2021, fechou em 58%. Para o próximo ciclo de governo, o desafio é mudar a performance do governo.
JC - Como?
Leite - Há alguns gargalos. Ao longo do período de crise financeira, duas áreas hipertrofiaram: a Receita do Estado, na (Secretaria da) Fazenda, porque precisava arrecadar, e a Procuradoria (Geral) do Estado, porque precisava defender o que o Estado do que não conseguia pagar. São pontos de excelência (do governo), com grandes quadros técnicos com boa remuneração. Mas outras áreas acabaram se fragilizando. Há dificuldades técnicas, por exemplo, para obras em escolas, na equipe técnica de planejamento, fazer projetos, acompanhar obras, encaminhar processos licitatórios, porque a máquina acabou enferrujando, porque não tinha capacidade financeira para fazer grandes movimentos (obras). Temos que contratar, melhorar perfil de remuneração para conseguir mais performance, o que não significa inchar a máquina.
JC - O número de secretarias vai ser o mesmo?
Leite - Em termos de número de secretarias, está ok. Muitas vezes a redução do número de secretarias acaba sendo mais para efeito publicitário para determinado público do que de economia, porque se tiver menos secretarias, mas mantiver diretorias com grandes cargos abaixo dessa secretaria, a economia não acontece. Não acho que o RS tenha um número exacerbado de secretarias. E determinadas políticas públicas precisam ter um olhar específico. Por exemplo, separamos a Secretaria de Administração Penitenciária - hoje Justiça e Sistema Penal - da Secretaria de Segurança, para que se possa dar foco de política pública para o sistema prisional.
JC - A atração de investimentos depende de vários fatores, como infraestrutura e ambiente de negócios. Seu governo fez uma minirreforma no Fundopem (programa de incentivos fiscais). Alguma nova política para atração de investimentos?
Leite - Atração de investimentos se dá diante de competitividade, mostrar que somos melhores que outros estados. Competimos com tributos, temos conseguido avançar na direção de redução de impostos, de retirada de itens da Substituição Tributária (do ICMS), estratégico também na melhor performance de empresas em determinadas atividades, então, devemos avançar nessa direção. A própria burocracia da tributação é determinante para a competividade. Nosso esforço é em até dois anos tornar a nota fiscal eletrônica a única obrigação fiscal do contribuinte, eliminando obrigações acessórias como a emissão da GIA, Guia de Informação e Apuração. Isso tem um efeito importante não apenas de redução de burocracia, porque a energia do empreendedor precisa estar em empreender e não em administrar a sua relação com o Fisco, que acaba dificultando novos negócios. Então, vamos seguir avançando. Esperamos que, em até dois anos, o RS seja o primeiro estado do Brasil que elimina obrigações acessórias e que torna a emissão da nota fiscal eletrônica a única obrigação fiscal do contribuinte.
JC - Isso ajuda na retirada gradual de grupos de empresas da Substituição Tributária?
Leite - Sim, porque tem uma correlação, a Substituição Tributária conforme melhora o trabalho da Subsecretaria da Receita, com base em tecnologia, vai fechando espaços para sonegação. Vamos aperfeiçoar outros programas como o Devolve ICMS para baixa renda, que tem efeito de transferência de renda e do ponto de vista fiscal, de estímulo a um grande contingente de pessoas que compra em mercados mais informais, que são estimuladas a comprar com o lançamento do CPF na nota. Então, essas medidas vão reduzir sonegação, nos permitindo avançar na retirada da Substituição Tributária. Tem ainda o Tudo Fácil Empresas, que reúne alvará de Corpo de Bombeiros, licenças ambientais, Junta Comercial, e deve encerrar o ano chegando a 50 municípios no Estado.
JC - Mais alguma medida em relação à estrutura?
Leite - Criar uma agência de promoção comercial de desenvolvimento, de captação de negócios. Não seria estrutura pública, seria algo mais próximo ao que foi a Polo RS na década de 1990, fora do governo, com entidades empresarias para ter uma lógica mais privada, mas com participação pública. Por exemplo, o Estado passou a ser livre de febre aftosa sem vacinação, mas precisamos avançar na promoção comercial da nossa proteína animal para acessar novos mercados. Essa agência também terá o propósito de estudo de oportunidades de negócio que temos no RS, a partir das nossas vocações econômicas, trazer negócios e investidores. O Estado atrofiou em várias áreas, acabou perdendo capacidade de planejamento, e essa área de desenvolvimento econômico é uma em que temos de reforçar a estrutura com inteligência, ferramentas para captação de negócios e promoção comercial do Estado... Tudo tem correlação no final das contas, para atrair investimentos, a segurança pública também, as pessoas tem que se sentir seguras para querer viver aqui. É o que retém talentos: estimular pessoas que têm capacidade empreendedora a querer viver aqui, e segurança pública é determinante. E algo que deve ser prioridade nesse próximo ciclo de governo é a educação. Se não tivermos formação de capital humano, não tem estrada que resolva...
JC - Tecnologia e inovação...
Leite - Exatamente. Tenho visitado empresas no Interior, e tem automação que tira os empregos de tarefas mecânicas onde um trabalhador médio era empregado. Os empregos do futuro estão especialmente voltados à criativiadade, tecnologia, habilidades de raciocínio lógico para operar sistemas. Temos muita capacidade, só que precisamos acelerar o passo na formação de capital humano. E aí entra a educação. Precisamos tornar o Estado atraente para a juventude, com formação, mas vem também a capacidade de seduzirmos esses jovens a morar aqui. Por isso, temos avançado em investimentos em parceria com prefeituras, em projetos ligados ao turismo, desenvolvimento de parques, áreas de lazer, tem um efeito de geração de autoestima na cidade.
JC - Outros candidatos ao Piratini se manifestaram contra o RRF, defendendo renegociação. Se tiver abertura da União, o senhor vai rever o acordo?
Leite - Sempre que o credor apresentar uma condição melhor, é óbvio que o devedor vai buscar.
JC - Mas vai pleitear isso?
Leite - Claro, politicamente sim. Agora, o que meus adversários atacavam no 1º turno, e o meu adversário neste 2º turno inclusive, é que teria sido um mal negócio para o RS, o que não foi. Nunca houve aceno ou possibilidade de discutir que a dívida estivesse paga. A ferramenta oferecida ao Estado pelo credor, União, foi a do RRF. A alternativa ao RRF seria voltar a pagar imediatamente de forma integral as parcelas da dívida (com a União), isso sim seria ruim, significaria ao longo da década R$ 19 bilhões extra em pagamento, e o Estado não tem essa capacidade, precisamos ir ao longo da década de forma responsável criando condições para que o Rio Grande do Sul faça o pagamento da dívida até 2048.
JC - Nesse formato, o Estado tem condições?
Leite - Sim, isso está comprovado junto à Secretaria do Tesouro Nacional. Na assinatura do RRF, o RS foi o único estado dos que aderiram - Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro - que conseguiu fazer a homologação do plano administrativamente - os outros precisaram de medidas judiciais - porque comprovou, na análise das receitas e despesas projetadas até 2029, que as contas fecham com o pagamento da dívida. E é importante dizer um efeito do RRF, de algo que está em debate.
JC - Qual?
Leite - O Banrisul. A Fitch Ratings, uma das maiores consultorias de análise de crédito, em julho desse ano quando fez a análise, elevou a nota do banco por conta da adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal. O acionista controlador, que é o Estado, encontra-se em uma posição melhor do ponto de vista fiscal e financeiro.
JC - O ciclo de privatizações encaminhado já concluiu esse processo. Ou novas privatizações podem ser feitas?
Leite - Privatizações são as que o governo já encaminhou. Assumi o compromisso de não encaminhar a privatização do Banrisul.
JC - O senhor descarta privatizar o Banrisul?
Leite - Nunca esteve no nosso plano de governo.
JC - Mas o senhor falava em discutir a privatização, citava os três bancos públicos - BRDE, Badesul e Banrisul...
Leite - Acho que debater (a privatização) não pode ser um tabu, mas política exige fazer concessões. Existe em uma parcela relevante da sociedade gaúcha o sentimento de que o banco não deve ser privatizado. Então, em defesa do que é maior para o Estado, para evitar que o nosso adversário - que diz que vai botar a mão no dinheiro do banco, desfazer reformas que fizemos, fazer outras concessões de benefícios e vantagens que não se pagam, ou seja, vai destruir o legado deste governo que é colocar as contas em ordem... Então, para proteger o Estado disso, fazemos concessões e esta é uma delas, não vamos encaminhar a privatização do banco. Encaminhamos privatizações nas empresas que atuam em áreas de concessão de um serviço público, energia (CEEE-D, CEEE-T e CEEE-G), gás (Sulgás) e saneamento (Corsan), porque existem regras estabelecidas que essas companhias não estavam conseguindo cumprir e que levaria a uma perda da concessão.
JC - E as estradas?
Leite - Priorizamos o modelo de concessão comum, em que o concessionário é remunerado pela tarifa, e aí entram estradas nas regiões mais populosas e de maior movimentação econômica do Estado, Região Metropolitana (de Porto Alegre), Serra e Norte. O bloco 3 foi feita a concessão, deve ser assinado o contrato, vai significar um investimento para duplicar integralmente a RS-122 e qualificar rodovias na Serra e na ligação da Serra com a Região Metropolitana. O bloco 2 está sob análise, e tem o bloco 1, retirado e deve ser novamente submetido, envolve a (rodovia ERS) 118.
JC - Assume o compromisso de não pedagiar a ERS-118?
Leite - Sim, assumo este compromisso pelo entendimento de que, pelo diálogo com a sociedade, houve manifestação clara de que este pedágio não é bem recebido.
JC - Quadros históricos do PT como os ex-goverandores Olívio Dutra e Tarso Genro abriram o voto para o senhor. Como avalia a conjuntura da eleição no 2º turno e o contexto nacional?
Leite - Estes apoios e manifestações de votos são bem-vindos, é claro, e os recebo ciente de que não significam assentimento com minhas ideias, e aí mesmo está a responsabilidade de um governante, saber que governa para todos, e não apenas àqueles que concordam. O que eles veem é que do nosso lado há o respeito que não há do outro lado. E o Rio Grande do Sul é que está em jogo, aqui não é uma mera extensão de Brasília.
JC - O senhor não se posicionou a favor de Lula (PT) nem de Jair Bolsonaro (PL). Vai anular ou votar em branco ao Planalto?
Leite - Não irei anular nem votar em branco, meu voto, como cidadão, para presidente, me reservo no direito de não falar para que não contaminemos o debate aqui.
Perfil
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite é natural de Pelotas e tem 37 anos. É bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e tem mestrado em Gestão e Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. Foi aluno convidado do curso de Políticas Públicas da Columbia University, de Nova York (EUA), em 2017. Concorreu em 2004, à Câmara de Pelotas, ficando como suplente. Foi vereador na cidade entre 2009 e 2012, presidindo o Legislativo em 2011. Concorreu a deputado estadual na eleição de 2010, mas não se elegeu. Eleito prefeito de Pelotas em 2012, Leite governou o município e elegeu sua sucessora, Paula Mascarenhas (PSDB) em 2016. Em 2018, elegeu-se governador do Rio Grande do Sul. Em março de 2022, renunciou na tentativa de ser candidato ao Planalto, mas não conseguiu viabilizar sua candidatura. Leite, então, decidiu concorrer ao Piratini, revendo sua posição de ser contra a reeleição. Avançou para o 2º turno da eleição ao governo gaúcho com 1,7 milhão de votos.
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Entrevista com o candidato do PL ao governo do Estado, Onyx Lorenzoni, pode ser lida neste link.