Olívio defende um "Estado de bem-estar social"

Pela segunda vez, Olívio Dutra disputa uma vaga ao Senado

Por Caren Mello

Olívio Dutra propõe mandato de construção coletiva com os suplentes
Depois de 8 anos afastado do cenário eleitoral, Olívio Dutra retorna à vida pública disputado uma cadeira no Senado Federal. Caso eleito, trabalhará na defesa de um Estado que tenha como foco o cidadão, estimulando as capacidades individuais e a diversidade das regiões. Quer, também, retomar as discussões sobre direitos trabalhistas, com revisão da reforma. "A ampliação de direitos historicamente conquistados é compatível com o desenvolvimento econômico", garante.
Na defesa do que chama de um "Estado de bem-estar social", Olívio não se contrapõe a parcerias com a iniciativa privada, desde que o Estado não abdique do seu papel de controle.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o candidato petista falou sobre algumas de suas propostas para representar o Estado em um caminho de desenvolvimento sustentável.
Jornal do Comércio - O senhor está inovando ao propor um mandato coletivo. Como vai funcionar?
Olívio Dutra - Vamos trabalhar juntos. Os suplentes são dois jovens: uma mulher negra, a Fátima Maria (PT), que já é vereadora e tem uma prática de mandato participativo, e o Roberto Robaina (PSOL), um militante social, historiador. Minha proposta é primeiro conhecer bem as agendas, a relação do Senado com as unidades federativas. O Rio Grande tem desigualdades. Vamos procurar trabalhar para que o desenvolvimento econômico seja viável.
JC - Esse desenvolvimento passaria por quais medidas?
Olívio - Tem que haver melhor distribuição da renda, desconcentração do poder administrativo, valorização dos municípios. Não tendo recursos e havendo necessidade de obras estratégicas, o Estado pode compartilhar com a iniciativa privada, mas não pode abdicar do seu papel de planejar, propor a qualificação do serviço sob controle público. Queremos representar o Rio Grande nessa ideia do desenvolvimento ambientalmente sustentável, socialmente justo e participativo.
JC - É uma pauta extensa e com recursos limitados. Quais seriam as prioridades?
Olívio - Eu imagino que é o Rio Grande real. Temos que trabalhar as enormes injustiças: a fome, o desemprego. Quem tem fome, tem pressa. Temos que estimular o Estado a funcionar para a maioria, e, mais adiante, a reforma política. As que foram feitas mal devem ser aperfeiçoadas. Temos que trabalhar para ampliar, não reduzir os direitos trabalhistas historicamente conquistados, e isso é compatível com o desenvolvimento econômico. Eu defendo o Estado de bem-estar social.
JC - Qual a reforma mais urgente: tributária, administrativa ou política?
Olívio - Essas reformas são discutidas há bastante tempo, são necessárias, não podem ser eleitoreiras. Nós apresentamos uma proposta de reforma tributária quando eu estava no governo federal, em abril de 2003, que simplificava a estrutura tributária e que aplicava princípio de justiça tributária e o poder público, sob controle efetivamente público, direcionaria os recursos para desenvolver de forma mais parelha a região. Acho que as emendas parlamentares foram um retrocesso, e o orçamento secreto, uma derrota para a democracia republicana. A sociedade brasileira também precisa de uma educação mais organizada, sem intervenção do Estado, de respeito aos credos religiosos. Temos, na origem, o povo afrodescendente, temos os povos primitivos que também têm a sua cultura. São espaços ricos da formação plural e diversificada.
JC - O senhor é respeitado em vários espectros da política, desde a esquerda até o campo conservador. A sua candidatura foi pensada para resgatar esta conciliação?
Olívio - Eu não me considero tanto assim, não sou perfeito, tenho minhas limitações e busco superá-las na relação com os outros, através da leitura, conhecimento da realidade, do contato com as pessoas. A política é isso, é a construção do bem comum com o protagonismo das pessoas. Por isso, acho que tenho como contribuir, mas não tenho uma experiência que acho definitiva.
JC - No seu governo, houve a polêmica das isenções fiscais que não foram concedidas à Ford. No entanto, ela encerrou as operações na Bahia, mesmo com isenções, deixando 60 mil desempregados.
Olívio - A primeira coisa é a gente pensar na maior riqueza que é o povo. Temos que respeitar as pessoas, a pluralidade, a diversidade, aplicando mais recurso na educação em todos os níveis. Acho que o Estado pode se desenvolver de forma mais espraiada, estimulando vocações locais.
JC - Elas são muitas no RS. Como trabalhar essas diferenças?
Olívio - Tem coisas da natureza de cada região que precisam estar na visão de planejamento do Estado. Uma lavoura mais ampla, mecanizada, a agricultura familiar, a agropecuária de pequeno e médio porte, que pode se desenvolver melhor, com assistência tecnológica, financiamento adequado. É preciso garantir que o campo não fique esvaziado, produzir só para exportação. Precisamos exportar, mas a agricultura familiar tem uma importância enorme: 70% do que ela produz vem para a mesa do brasileiro.
JC - O Regime de Recuperação Fiscal tem sido muito contestado. Este debate passará pelo Senado?
Olívio - Essa questão vem de longe. Lembro de quando nós chegamos no governo, em 1998, e, mesmo antes, o governador (Alceu) Collares (1991-1994, PDT) foi à Justiça questionar um acordo sobre essa questão da dívida. É uma questão seríssima. Vamos primeiro fazer um encontro de contas. Há situações em que a União deveria pagar porque o Estado fez obras que não eram da sua competência, que eram obras federais. A unidade federativa está sob intervenção, o Estado abdicou de sua autonomia. No tempo do (ex-governador Leonel) Brizola, o pacto federativo funcionava bem melhor, tanto que o Estado podia emitir títulos da dívida pública através de um banco público. Nós temos um banco público que é o Banrisul e que é lucrativo.
JC - A pauta das privatizações também será levada ao Senado?
Olívio - A água, por exemplo, é um bem público, não pode ser uma mercadoria para servir de lucro para grandes empresas. É uma questão séria essa da privatização da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento). A própria CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), a produção, a distribuição, são questões estratégicas para o desenvolvimento. Vão, de certa forma, reduzindo o Estado a um mero espectador do que a política de cima define. O Estado tem condições, tem uma história, uma cultura, uma estrutura que pode lhe dar mais autoridade, isso possibilita até que ele busque financiamentos externos.
 

Perfil

Olívio de Oliveira Dutra é natura, de Bossoroca, e tem 81 anos. É formado em Letras pela UFRGS, trabalhou como bancário e, em 1975, foi eleito presidente do Sindicato dos Bancários. Chegou a ser preso em função de sua atuação como sindicalista. Foi um dos fundadores do PT. Foi, em 1986, eleito deputado federal constituinte. Em 1988, como prefeito Porto Alegre, implantou o Orçamento Participativo, e tomou medidas controversas, como a intervenção no sistema de transportes público.
No Estado, de 1999 a 2003, seu governo foi marcado pela suspensão do acordo realizado com duas montadoras no RS, pela criação da UERGS e pela adoção do OP em âmbito estadual. Em 2003, foi empossado no Ministério das Cidades, ficando no cargo por dois anos. Em 2014, foi candidato ao Senado, sendo derrotado por Lasier Martins.