Lívia Araújo e Paula Coutinho
Professora da rede pública aposentada e ex-presidente do Cpers-Sindicato, Rejane de Oliveira é a única mulher - e única negra, faz questão de enfatizar - disputando a eleição ao Palácio Piratini neste ano, em uma chapa totalmente feminina.
JC VÍDEOS: Como foi a entrevista com Rejane de Oliveira
A candidata reflete esses dois aspectos em seu plano de governo: a educação e a implementação de uma política emergencial que prevê o aumento do salário-mínimo regional e a realização de obras públicas, "porque quem precisa da creche, da moradia, são as mulheres", pontua. No âmbito educacional, a candidata do PSTU prega investimentos "para que a escola seja um espaço social, includente, capaz de receber os nossos estudantes de uma forma acolhedora, para formar cidadãos críticos".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Rejane pregou a suspensão do pagamento da dívida do Estado com a União e a interrupção de processo de privatização de empresas estatais, a desmilitarização da Brigada Militar.
A candidata também contou como sua campanha faz para driblar a pouca exposição causada pela cláusula de barreira: "estar nas portas de fábrica, nas escolas, nas esquinas panfletando e conversando com a classe trabalhadora".
Jornal do Comércio - Como a senhora vê a representatividade da sua candidatura, sendo a única mulher na disputa, e também a única negra?
Rejane de Oliveira - Achamos muito importante que o PSTU tenha uma chapa de mulheres para apresentar no estado do Rio Grande do Sul. Mas não basta ser mulher. Precisamos, sim, de mulheres no poder que tenham uma consciência política, que sejam socialistas e revolucionárias, e que queiram romper com o sistema capitalista para implementar o socialismo, para que as mulheres ocupem não só o espaço do poder mas a dignidade de vida. Então, nosso plano de governo, além de tratar da questão de um governo socialista dos trabalhadores e das trabalhadoras, temos um plano emergencial para resolver os problemas emergenciais da população, e nesse programa estão contidos principalmente os elementos que tratam dos problemas que as mulheres enfrentam.
JC - Pretende levar essa representatividade da sua chapa ao secretariado? A senhora tem a intenção de garantir, por exemplo, paridade de gênero?
Rejane - Temos uma lógica completamente diferente das estruturas de governo que estão colocadas hoje para nós. Primeiro, defendemos um governo socialista que esteja a serviço da população, e para isso, nós vamos criar os conselhos populares, que é a classe trabalhadora organizada. É ela que vai organizar esse governo, que vai estabelecer as prioridades, que dirá quanto vamos investir nessas prioridades.
JC - Esses conselhos substituíram secretarias? Haveria um conselho para cada um dos temas centrais, como educação, segurança pública, infraestrutura?
Rejane - Os conselhos é que organizarão a estrutura do nosso governo, eles decidirão como que nós podemos estar nos organizando para melhor atender as necessidades da população.
JC - Para chegar a esse modelo, haveria alguma transição?
Rejane - Sim, nós vamos ter um processo de transição. Teremos um plano emergencial para resolver os problemas imediatos da população, priorizando o tema da fome e do desemprego, que trabalha com dobrar o salário-mínimo regional, trabalha com acabar com as dívidas dos trabalhadores, que contraíram dívidas por conta de uma crise financeira, econômica e política que não é uma crise dos trabalhadores, mas sim uma crise jogada sobre o lombo dos trabalhadores. Na pandemia, as pessoas se endividaram para poder sobreviver, então achamos que uma isenção deve ir para as dívidas dos trabalhadores, e não para isentar os empresários de impostos. Queremos também a redução da jornada do trabalho sem redução de salário, para abrir mais postos de trabalho e para que todos possam ter direito a cultura, lazer, ao cuidado com a família, as mulheres poderem ler, estudar. E queremos fazer um plano de obras públicas com os desempregados, para construir hospitais, creches, escolas, saneamento, e que esses trabalhadores desempregados que estão hoje com as mãos paradas por falta de emprego.
JC - Isso seria custeado como?
Rejane - Acabando com as isenções de impostos das grandes empresas. Em seu primeiro ano de governo, Eduardo Leite (PSDB) isentou as grandes empresas, com grande potencial de lucro, em R$ 20,1 bilhões; no segundo ano, em R$ 9,3 bilhões. São quase R$ 30 bilhões que ele deixa de arrecadar. Nós queremos suspender o pagamento da dívida e fazer uma auditoria independente. É daí que vamos retirar o dinheiro e, principalmente, com a expropriação das dez maiores empresas do nosso Estado, que os trabalhadores irão administrar, e o lucro dessas empresas será para garantir uma vida digna para classe trabalhadora.
JC - O não pagamento da dívida se daria por moratória, por ações judiciais?
Rejane - É, nós vamos fazer primeiro a suspensão imediata do pagamento da dívida, que é uma decisão política. Os outros candidatos, ou os outros governos que passaram pelo Estado, eles nunca negaram a dívida, mas nós negamos, dizemos assumidamente que essa dívida já foi paga. É diferente fazer o discurso de que essa dívida já foi paga e não tomar nenhuma iniciativa para resolver esse problema.
JC - A União pode impor sanções, interromper repasses, proibir a tomada de investimentos e empréstimos com órgãos nacionais e internacionais...
Rejane - Estamos fazendo um debate com a classe trabalhadora, mostrando que é possível fazer uma ruptura com o sistema capitalista, que já provou que não resolverá o problema da população. Senão, não teríamos exploração, fome, miséria. Nós usamos as eleições para explicar às pessoas que é possível uma ruptura com o sistema capitalista. O dia em que nós ganharmos uma eleição, é porque haverá uma maioria da população que compreendeu o nosso programa e que é aliada dele, e nós seremos um governo que incentivará que o povo esteja nas ruas para garantir as políticas em seu benefício. Nós não achamos que seja possível fazer todas essas mudanças que propomos apenas pelo nosso desejo político transformador, socialista, revolucionário. Isso só será possível com a mobilização popular.
JC - A senhora disse que pretende revogar as privatizações, e isso remete ao papel dos servidores no Estado. Qual a sua proposta para o funcionalismo?
Rejane - Em primeiro lugar, todas as privatizações que aconteceram no Estado serão revogadas. Nós não temos acordo com privatização, achamos que ela não resolve, e sim piora a situação do Estado e da classe trabalhadora. Os governos de plantão, os governos capitalistas sempre querem entregar o patrimônio público para a iniciativa privada, porque os amigos do rei sempre têm retorno. Em segundo, achamos que os servidores públicos são os trabalhadores que fazem a relação com a população. Se não fosse o SUS, que nós queremos público e estatal, teríamos muito mais de 700 mil mortes pela Covid no nosso país. São eles que garantem um serviço de qualidade. Nos diversos governos passados, desde a direita até os governos de conciliação de classe, depois os governos do PT e agora (Jair) Bolsonaro (PL), da ultradireita, todos fizeram reforma da Previdência para tirar direitos dos servidores públicos e da classe trabalhadora. Faremos o caminho contrário: queremos valorizar os servidores públicos.
JC - A pandemia agravou ainda mais a situação educacional do RS, com altos índices de evasão e déficit educacional. Como resgatar crianças e jovens de volta à escola?
Rejane - Historicamente, o Estado se vangloria de que o ingresso na escola pública é muito importante. Nós também, mas a permanência é fundamental. E, para o aluno permanecer na escola pública, é preciso investimento na educação, em material pedagógico... hoje, nós só temos na escola a professora, o quadro e o giz. E se a gente for olhar esse mundo digital em que estamos vivendo, quantas oportunidades têm os nossos estudantes: de pesquisa, de olhar para fora... a escola acaba deixando de ser um processo educacional atrativo. Por isso, é necessário investimento pedagógico para que os nossos estudantes consigam ter a teoria e a prática na condução do seu aprendizado, para que a escola seja um espaço social, includente, que seja capaz de receber os nossos estudantes de uma forma acolhedora, para formar cidadãos críticos que possam, de fato, se desenvolverem a partir de uma formação capaz de enxergar cada aluno como um ser humano que pensa, que tem opinião, e que quer o mundo melhor, então é fundamental que esse processo aconteça.
JC - Há candidatos que têm defendido um investimento maior no ensino técnico e profissionalizante. Qual a sua visão?
Rejane - A reforma do ensino médio vem por esse caminho. Mas todas as reformas vieram no caminho de diminuir as disciplinas, de dizer que estavam trabalhando com ensino profissionalizante, mas não há um técnico contratado para essas disciplinas profissionalizantes. Não há profissionais para o ensino técnico. Na realidade, esta educação técnica que vem sendo divulgada é para fazer com que os filhos da classe trabalhadora sirvam de mão de obra barata para os empresários. Os filhos dos ricos são formados para irem para universidade, para serem os patrões do futuro. Dos filhos da classe trabalhadora, eles tiram disciplinas, sucateiam as escolas, pagam mal os professores.
JC - No caso da segurança pública, a senhora tem um plano específico para esses servidores?
Rejane - Primeiro, queremos desmilitarizar as polícias. Queremos unificar a Polícia Civil e a Brigada Militar, e fazer um debate dentro de uma lógica diferente da que acontece hoje, de que a polícia serve para proteger a propriedade privada. Queremos uma polícia que proteja as pessoas, a população. Esta polícia que vai na periferia e atira nos jovens negros e negras, essa polícia que põe um trabalhador dentro de uma viatura como se fosse uma câmara de gás e mata o trabalhador, essa polícia não pode acontecer. O aparato do Estado tem que ter uma outra visão. E achamos que os trabalhadores das polícias precisam ter direitos também, ser valorizados, ter direito a ser sindicalizados, a ter opinião política sobre as coisas, a poder escolher qual o político que tem o projeto que o representa. A polícia, ao se enxergar enquanto trabalhador, jamais pode reprimir os trabalhadores que lutam pelos seus direitos. Faço parte de uma categoria que apanha da polícia porque luta por um direito estabelecido em lei, veja a discrepância disso.
JC - Ainda sobre segurança pública, um dos índices que vem crescendo exponencialmente no Estado é o feminicídio. Qual a sua política para coibir esse crime?
Rejane - As mulheres sofrem em todas as situações, inclusive no tema da fome e do desemprego. Nosso país é o quinto em número de morte de mulheres por feminicídio e isso é muito grave. Mas temos uma conjuntura de um governo federal que teve como símbolo uma arma apontada para as mulheres, para os negros, para os indígenas, para os LGBTs. O discurso que autorizou a violência e o ódio no nosso país foi o de Bolsonaro. Então, o feminicídio é fruto de uma política, de um incentivo a violência contra aqueles que são oprimidos. É preciso, então, ter uma política muito séria sobre isso. Precisamos ter políticas educacionais de combate ao machismo, ao racismo, à LGBTfobia, e a valorização dos indígenas que são os verdadeiros donos da terra. Quando a gente diz "queremos dobrar o salário emergencialmente", quem recebe menos no nosso país e no nosso Estado são as mulheres. Queremos um plano de obras públicas, porque quem precisa da escola pública, da creche, da moradia são as mulheres.
JC - Devido à cláusula de barreira, o PSTU não participa do horário no rádio e na TV. Como faz para chegar na população para apresentar suas propostas?
Rejane - Nossa tarefa é difícil, grandiosa, mas nos orgulhamos muito dela, é estar nas portas de fábrica, nas escolas, nas esquinas panfletando, conversando com a classe trabalhadora. O esforço é muito maior, obviamente, porque sabemos que quando começa o horário eleitoral e os debates, vai baixando o nosso percentual, porque as pessoas vão se ligando mais naqueles que estão vendo no dia a dia na TV e no rádio. Mas vamos fazer a nossa tarefa, de nos apresentarmos à classe trabalhadora e para a população mais pobre, que são nosso foco.
Perfil
Rejane de Oliveira tem 61 anos e é natural de Porto Alegre. Formada em Letras pela Faculdade Porto-Alegrense (Fapa), começou sua carreira como professora das séries iniciais do Ensino Fundamental na rede estadual de ensino, em 1982. Foi diretora do Sinpro-RS, diretora de Assuntos Jurídicos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e, no Cpers/Sindicato, foi tesoureira, 1ª vice-presidente e, em 2008, foi eleita presidente da agremiação, que liderou por duas gestões, até 2014. À frente do Cpers, liderou greves e mobilizações durante os governos de Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT). Após filiar-se ao PT nos anos 1990, Rejane deixou o partido em 2015, e se filiou ao PSTU. Atualmente, Rejane faz parte das executivas Estadual e Nacional da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas).