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Com ressalvas, entidades celebram 'vitória histórica' do piso salarial para enfermagem
Entidades criticam a falta de fontes de custeio, mas comemoram a aprovação do piso salarial
Após décadas de luta, foi finalmente instituído o piso salarial para enfermagem – o presidente Jair Bolsonaro sancionou nessa quinta-feira (4) o projeto de lei (PL) 2564/20, que estabelece o menor valor de salário nacional a enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras. A categoria que representa 2,6 milhões de trabalhadores celebra a conquista, mas destaca algumas ressalvas.
"Fizemos uma negociação para o projeto poder passar no Congresso. Houve uma majoração de valor – ficou metade do valor que era pedido. Fizemos essa cedência porque entendemos a importância de ter um piso, já que desde 1975 lutamos pela questão", diz a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (SERGS), Cláudia Franco. "Achamos que é uma vitória, apesar de não ser o que esperávamos".
Segundo o texto, aprovado no Congresso Nacional em julho deste ano, o piso estabelecido para enfermeiros é de R$ 4.750,00. Para técnicos, o valor deve ser correspondente a 70% dessa marca, enquanto auxiliares e parteiras terão direito a 50%.
Para viabilizar a aprovação do piso nacional da enfermagem, o Congresso Nacional promulgou uma emenda constitucional para dar segurança jurídica ao projeto, inserindo o tema na Constituição Federal. Depois disso, o projeto de lei que efetivamente estabelece os novos valores foi aprovado com chancela da ampla maioria de lideranças e bancadas partidárias.
O presidente do Sindisaúde/RS, Júlio Jesien, acredita que o valor não é adequado, mas representa um avanço importante. "Nós chegamos a fazer uma pesquisa sobre o que as pessoas achavam entre a proposta original e a nova proposta com valores reduzidos, e a grande maioria aprovou o piso neste formato", relata.
Bolsonaro vetou um dos artigos do PL por "razões de constitucionalidade", que determinava um reajuste anual do novo piso com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), um dos indicadores de inflação. "Daqui um ano, o piso já perde seu valor e vai começar a ter os mesmos disparates que vemos por região. Porto Alegre, por exemplo, costuma pagar bem. Mas a 15 quilômetros da capital, temos hospitais que pagam um salário muito baixo", pontua Cláudia.
Cláudia ainda ressalta que o piso foi desvinculado da carga horária, o que pode refletir na sobrecarga que já afeta a categoria. Para ela, é o momento de voltar a debater a regulamentação da jornada de trabalho dos profissionais de enfermagem.
"O projeto sobre a jornada de trabalho, na realidade, está há 21 anos aprovado em todas as comissões da Câmara. Está na gaveta do presidente, aguardando votação. Isso chega a ser um desrespeito com a categoria, e entendemos que deve imediatamente ir à pauta", constata a presidente do SERGS.
Jesien complementa:
"São mais de 30 anos de luta histórica buscando o piso de enfermagem e a jornada de 30 horas. A jornada foi deixada de lado neste momento – o que por si só não é o melhor cenário que se imaginava. Entretanto, o piso melhora muito. Tem trabalhadores no Rio Grande do Sul que ganham R$ 1.200,00 e vão passar para um valor significativamente maior".
Saúde: custo ou investimento?
Cláudia e Jesien questionam como a aprovação do piso vai influenciar na destinação de recursos à área da saúde, assim como na contratação de pessoal.
Para o presidente do Sindisaúde, a sanção fortalece mais os planos de saúde e a iniciativa privada do que o Sistema Único de Saúde (SUS). "O impacto (do piso) vai ser grande na categoria, mas uma coisa é fato: a tabela SUS, que contempla muitos dos hospitais filantrópicos, já há mais de 20 anos não é corrigida linearmente. Então, precisa haver um investimento maior em saúde", afirma Jesien.
Cláudia diz que o piso salarial pode influenciar a sistemática das equipes de enfermagem nos hospitais.
"Com a aprovação do piso, a tendência é desenvolver uma lógica da saúde como custo – o que não deveria acontecer, pois a saúde é um investimento. A ideia da gestão, especialmente dos hospitais privados, vira: 'vamos diminuir o número de profissionais que ganham mais mas continuar atendendo o mesmo número de pessoas'. Então, precisamos de uma lei de dimensionamento de pessoal. Hoje, os conselhos conseguem fazer a sinalização de que o dimensionamento está errado, mas não têm o poder de corrigir", explica a presidente do SERGS.
Entidades de enfermagem criticam piso salarial sem fontes de custeio
Entidades nacionais que representam a categoria consideram danosa para o setor da saúde a implementação do Piso Nacional da Enfermagem sem que tenham sido definidas as fontes de custeio para pagar essa conta.
"Até o momento, nem o Congresso Nacional e nem o Executivo definiram se haverá fonte de custeio e como isso será feito. É justa a valorização dos profissionais de enfermagem, mas, sem o correspondente custeio, esse processo ameaça gravemente a manutenção do acesso à saúde da população brasileira", constata a categoria, em nota divulgada nessa quarta-feira.
O texto é assinado pela Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), Confederação Nacional de Municípios (CNM), Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) e a Federação Brasileira de Hospitais (FBH).
"É necessário, portanto, a definição – com a máxima urgência – dessas fontes de custeio, o que deveria ter sido feito antes mesmo da sanção da Lei ocorrida hoje (4 de agosto). A situação para o setor da saúde é extremamente crítica e as entidades do setor buscam, incessantemente, o apoio do Poder Público para encontrar uma solução que garanta o acesso à saúde de toda a população brasileira", diz a nota.