Marcus Meneghetti e Paula Coutinho
O candidato à reeleição, Eduardo Leite (PSDB), acredita que as críticas dos adversários ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) - assinado na gestão tucana - são eleitoreiras. Candidatos de direita e de esquerda têm contestado, principalmente, a volta do pagamento da dívida com a União e o congelamento das despesas por nove anos. Há questionamentos também ao valor do passivo gaúcho com a União, que atualmente gira em torno dos R$ 75 bilhões.
JC VÍDEOS: Como foi a entrevista de Eduardo Leite
"Já tivemos governos do PT, já tivemos Jair Bolsonaro (PL), e nenhum deles apresentou outro caminho que não fosse o RRF. Nunca cogitaram perdoar a dívida, nunca encaminharam qualquer tipo de discussão que significasse a anulação da dívida com a União. Então, não é responsável vender para a população gaúcha que é possível resolver os problemas do RS dessa forma."
O tucano renunciou ao cargo de governador no final de março, quando tentou viabilizar a candidatura à presidência. Com a decisão do PSDB de apoiar Simone Tebet (MDB) ao Planalto, Leite decidiu concorrer a um segundo mandato. Questionado se pretende cumprir o mandato em um eventual segundo governo, ele diz que "se houver qualquer questão diferente disso, é um assunto para daqui a quatro anos".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Leite defende que o superávit atingido na sua gestão é sustentável e não depende de recursos extraordinários das privatizações. Também projeta novos modelos de concessões rodoviárias e sustenta que a privatização do Banrisul não é prioritária como era a venda da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e da Companhia de Gás do RS (Sulgás).
Jornal do Comércio - Alguns candidatos dizem que vão rever o RRF porque não concordam com a negociação feita no seu governo.
Eduardo Leite - Estou tão seguro que foi o melhor encaminhamento que estou me apresentando para um novo mandato. O RS precisa resolver o problema da dívida, não simplesmente postergar, empurrar para frente, a liminar que permitia que o Estado não pagasse a dívida. A liminar foi sustentada pelo argumento principal de que o RS estava em vias de assinar o RRF (na gestão do governador José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018). Se o Estado não assinasse, a liminar ficaria absolutamente fragilizada, e o RS teria que voltar a pagar integralmente o valor da dívida. Então, ao longo dessa próxima década, até o encerramento do período de RRF em 2029, o Estado deixará de pagar R$ 19 bilhões, sendo repactuado até 2048. O RRF é, portanto, a saída adequada. É a saída possível dentro das regras contratuais e de um ambiente de segurança jurídica.
JC - Acredita que as críticas têm um componente eleitoral?
Leite - O que nossos adversários defendem é algo, talvez, que resolvesse o seu período de governo, pouco importando se o problema vier a estourar lá na frente. A gente viu esse tipo de comportamento historicamente no RS. Se deixou de pagar precatórios, se sacou dos depósitos judiciais, se sacou do caixa único, sempre se utilizou de ferramentas que resolviam os governos de plantão, jogando para os governos subsequentes uma bomba, que acabou explodindo nos últimos anos, quando tivemos graves problemas fiscais.
JC - Com o RRF, a dívida é pagável?
Leite - Acho até desejável que se crie um ambiente de possibilidade de repactuação em nível nacional, não apenas para o RS, mas outros entes subnacionais. Mas isso só acontecerá em um ambiente em que o País recupere credibilidade o suficiente para fazer um movimento desses. Uma vez que a União tem um profundo desequilíbrio nas contas, um déficit público monumental, como ela vai deixar essa dívida de lado ou encerrar a discussão com os estados e municípios (devedores)? Então, em um curto prazo, não vejo outra solução (além do RRF).
JC - O que pensa da tese de alguns candidatos de que a dívida já foi paga ou representaria um valor menor que R$ 75 bilhões?
Leite - Embora tenhamos que estar sempre dispostos a conversar sobre esse tema, a verdade é que as regras contratuais que estão no contrato da dívida do RS com a União são as mesmas disponibilizadas a todos os estados. Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e RS são os maiores devedores da União, respondendo por cerca de 70% da dívida. Se incluirmos a prefeitura de São Paulo, esse valor chega a quase 80%. Como todos os contratos foram firmados nas mesmas bases contratuais, a tese que o RS não deveria esse valor serviria para todos os outros estados que têm dívidas sendo pagas. E mais: todos aqueles estados que já pagaram suas dívidas teriam dinheiro para receber. Portanto, se fosse revisado o contrato do RS, seria potencialmente algo trilionário. É difícil enxergar um ambiente em que o Supremo Tribunal Federal tome uma decisão que acarrete um passivo trilionário para a União, ou que o Congresso vote algum tipo de perdão da dívida. É pertinente que se discuta o tema da dívida, mas é irresponsável um candidato vender a ideia de que a solução do RS está simplesmente nesse debate.
JC - O senhor acredita que o perfil de quem estiver à frente do Planalto, depois das eleições, influenciará nessa discussão?
Leite - Já tivemos governos do PT, já tivemos Jair Bolsonaro, e nenhum deles apresentou outro caminho que não fosse o RRF. Nunca cogitaram perdoar a dívida, nunca encaminharam qualquer tipo de discussão que significasse a anulação da dívida dos estados com a União. Então, não é responsável vender para a população gaúcha que podem resolver os problemas do RS dessa forma.
JC - O superávit que o RS atingiu na sua gestão é sustentável ou depende de recursos de privatizações e da conjuntura nacional?
Leite - A conjuntura nacional sempre vai afetar, na medida em que temos um País que infelizmente não oferece segurança nas decisões do Congresso. O caso mais recente é a alteração abrupta do ICMS do combustível, energia, comunicação. Então, estamos inseridos em um contexto, no qual nada é sustentável se a economia não ajudar e se o Congresso continuar jogando mais despesas e menos receitas para os entes subnacionais. Por outro lado, as regras que trabalhamos nesses últimos anos e o RRF têm um plano que atesta essa sustentabilidade, sem as privatizações. Conseguimos equilibrar as receitas correntes com as nossas despesas correntes e, se o Estado mantiver a disciplina fiscal ao longo dos próximos anos, temos sim condições de manter a sustentabilidade do seu equilíbrio. Não necessariamente com um superávit no volume que tivemos no último ano, mas com condições de operar em algum nível de superávit primário e orçamentário.
JC - O RRF congela as despesas do Estado, cujo gasto global não poderá exceder a inflação...
Leite - A despesa pode ser aumentada até o limite da inflação, só que há um espaço nas receitas, que devem crescer mais do que isso. Trabalhamos para que possamos fazer frente à ampliação do pagamento da dívida com a União e a uma política para zerar o estoque de precatórios até 2029 de maneira sustentável. Então, a limitação imposta pelo teto de gastos se refere às despesas, não às receitas. Por isso, dá para assegurar que o Estado conseguiria manter o equilíbrio...
JC - Considerando que o funcionalismo público é um contingente importante nas eleições, e que vislumbra um futuro comprometido em termos de reajuste, há margem para avançar na recomposição salarial?
Leite - O primeiro desafio era colocar os salários em dia. Conseguimos. Em seguida, colocamos o décimo-terceiro em dia. Todo o atraso custou aos cofres públicos cerca de R$ 700 milhões em juros pagos aos servidores (para cobrir parte do prejuízo que eles tiveram contraindo empréstimos ou cheque especial por conta dos salários atrasados). Nesse ano, conseguimos fazer uma revisão geral da ordem de 6% para os servidores. Além disso, os professores que estão em sala de aula tiveram só neste último ano mais de 30% de reajuste. Um professor que entrasse em sala de aula em 2019 recebia R$ 2.500,00, que era o piso do magistério para 40 horas, tendo que receber um completivo para chegar a esse valor. Hoje o piso do magistério é R$ 3.800,00, e os professores que entram para dar 40 horas de aula recebem R$ 4.200,00. É quase 10% a mais que o piso, sem precisar de completivo. É claro que é desejável um salário ainda melhor para os professores e outras carreiras, mas isso deve obedecer ao limite da capacidade financeira. Não é o RRF o limitador do teto de gastos, o limitador é a possibilidade financeira, o dinheiro que a população está disposta a pagar na forma de impostos.
JC - Um dos temas que tem sido levantado é a privatização do Banrisul. Como se posiciona?
Leite - O RS precisa ter banco público para investimentos. A questão é se ele precisa de três bancos: BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), Badesul (Agência de Desenvolvimento do RS) e Banrisul, que é um banco de varejo e também atua no agro. Claro que é um banco estatal com ações na bolsa, então tem uma governança mais complexa, mas precisa atender aquilo que é a vocação do Estado, por isso, ampliamos a carteira de crédito para o agronegócio. Essa é uma discussão que precisa ser feita também com os setores produtivos, as entidades econômicas, à luz da mudança do perfil do setor bancário...
JC - A relação dos clientes com os bancos está mudando...
Leite - Nos últimos anos, o surgimento de bancos digitais tem mudado o perfil dos clientes, a forma como as pessoas se relacionam com os bancos. O grande ativo do Banrisul, uma das justificativas que sustentou a sua existência em anos mais próximos, é o número de agências. Bom, a existência de agências físicas deixa de ser um ativo à luz dos bancos digitais. Cresce fortemente na classe C a utilização de bancos digitais. O que justificou a existência de um banco público no passado não necessariamente justifica a existência dele atualmente. Mas um processo de privatização do banco não tem a mesma urgência que tinham as privatizações de infraestrutura e energia elétrica.
JC - Quanto às estradas, pretende conceder mais um lote de rodovias à iniciativa privada?
Leite - Sem dúvida, a gente precisa fazer isso para viabilizar investimentos que são bilionários, especialmente nas estradas mais relevantes. A EGR opera há 10 anos em cerca de 800 quilômetros de estradas e duplicou apenas oito quilômetros. Nas concessões que estão sendo encaminhadas, a projeção é fazer a duplicação 400 quilômetros, dos 1.100 quilômetros concedidos. Além de garantir uma manutenção melhor dessas rodovias, também aumentam os investimentos em entroncamentos, rótulas de acesso, viadutos, interseções etc. Todo o investimento será de R$ 10 bilhões só nos três lotes de rodovias (encaminhados ao longo da atual gestão). Um lote já foi feito; os outros dois estão em vias de acontecer.
JC - A ideia é se concentrar no encaminhamento dos dois lotes pendentes? Ou há novos lotes no horizonte?
Leite - Priorizamos as concessões onde flagrantemente o volume diário médio de veículos faz diferença no fluxo financeiro. São rodovias que estão em regiões onde está a maior parte da população gaúcha e a maior parte da economia, como a Região Metropolitana, a Serra, os vales em direção à metade norte, Passo Fundo, Erechim etc. Em um novo governo, teremos que olhar para as demais regiões, talvez projetando novos modelos de concessão...
JC - Que tipo de modelos?
Leite - Onde você tem fluxo suficiente de veículos, você pode fazer uma concessão comum, onde a concessão é remunerada integralmente pelos valores aferidos na tarifa cobrada. Por outro lado, em outras localidades, em que há grande extensão de estradas e menos fluxo de veículos, você precisa fazer uma concessão patrocinada, em que o Estado participa com aporte de recursos. É necessário ajustar a política de investimentos ao que é possível em termos de aporte e ao que é razoável em termos de tarifa a ser cobrada.
JC - Se for eleito, vai cumprir os quatro anos de mandato?
Leite - Estou concorrendo para ser governador nos próximos quatro anos. Se houver qualquer questão diferente disso, é um assunto para daqui a quatro anos. A hipótese de uma eventual candidatura no âmbito nacional daqui a quatro anos acontecerá na medida que eu faça um governo exitoso. Então, meu foco é no governo do RS.
Perfil
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite é natural de Pelotas e tem 37 anos. É bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e tem mestrado em Gestão e Políticas Públicas na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Foi aluno convidado do curso de Políticas Públicas da Columbia University, de Nova York (EUA), em 2017. Concorreu pela primeira vez a um cargo público em 2004, para a Câmara de Pelotas, ficando como suplente de vereador. Foi vereador na cidade entre 2009 e 2012, presidindo o Legislativo em 2011. Concorreu a deputado estadual na eleição de 2010, mas não se elegeu. Leite foi prefeito de Pelotas entre 2013 e 2016. Por criticar a reeleição no Brasil, abriu mão de concorrer a um segundo mandato à prefeitura pelotense. Em 2016, elegeu sua sucessora, Paula Mascarenhas (PSDB). Em 2018, elegeu-se governador do Rio Grande do Sul. Em março de 2022, renunciou na tentativa de ser candidato ao Planalto, mas o PSDB optou por apoiar Simone Tebet (MDB). Leite, então, decidiu concorrer a um segundo mandato ao Piratini.