Novo presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o prefeito de Restinga Seca, Paulinho Salerno (MDB), iniciou a gestão da entidade já engajado em um desafio que está alarmando prefeitos de todo o Brasil: as medidas federais - oriundas dos Três Poderes - que impactarão em aumento de despesas e diminuição de receitas para todos os municípios. Sem contar a PEC Kamikaze, voltada à concessão de benefícios para além do teto de gastos.
A preocupação externada por Salerno e compartilhada por demais prefeitos é a cobrança legal que recai sobre as cidades independentemente do porte. "Quem realmente cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) são os municípios, mas são eles que sofrem as sanções. São eles que fazem o reajuste de servidores e cumprem os percentuais mínimos", reclama.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Salerno fez um balanço dos principais avanços da causa municipalista, como o aumento da fatia no Fundo de Participação dos Municípios, mas também elencou as bandeiras da gestão, sendo a inovação a principal delas.
"Temos a inovação na gestão, como usar ferramentas para melhorar o atendimento ao cidadão e diminuir custos e burocracia, mas também tem o fomento aos hubs de inovação que não estão limitados à Região Metropolitana." Áreas como o agronegócio e o meio ambiente, defende Salerno, podem mudar e melhorar a vida e a economia das diferentes regiões do Estado.
Jornal do Comércio - que avaliação o senhor faz da mobilização de prefeitos em Brasília, levando em conta a possível perda de quase R$ 12 bilhões para os municípios gaúchos estimada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM)?
Paulinho Salerno - A mobilização foi boa. Foi um esforço realmente estarmos lá. A questão dos pisos (salariais), por exemplo, temos em torno de 150 projetos de piso. Só nessa semana havia dois para serem votados no Senado. Mas as realidades dos municípios são diferentes. Não é que sejamos contra. O problema todo é que são 5 mil e tantos municípios com brasileiros com realidades completamente diferentes, e a criação de pisos em nível nacional acaba ferindo nossa autonomia. Eu sou prefeito de um município e tenho meu orçamento, meu planejamento, e conheço minha realidade. Porto Alegre, Santa Maria têm outra.
JC - O que é mais urgente para amenizar o impacto dessas medidas?
Salerno - Aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 122 (que limita a criação de despesas sem recursos orçamentários definidos). Na verdade, o que está na PEC já está dito dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas é aquela coisa: quem realmente cumpre a LRF são os municípios, o restante é um pouco maquiado... se você for ver, os municípios são os entes que sofrem sanções. Os municípios é que fazem o reajuste de servidores nem que seja pela inflação, as legislações que determinam os percentuais mínimos em saúde e educação, que hoje já são maiores: nossas médias de investimento em saúde e educação são acima dos 15% e 25%. Então tudo isso impacta. Não somos contra um piso para a Enfermagem, por exemplo, só que o impacto desse piso nos municípios envolve o pagamento desses profissionais em hospitais de pequeno porte, financiados em boa parte pelos municípios; hospitais filantrópicos... até na rede privada esse piso impacta nos custos de planos de saúde, porque é uma cadeia.
JC - Nesse aspecto, de liberação de recursos: como as prefeituras estão enxergando a provável aprovação da PEC Kamikaze?
Salerno - Todo benefício social é importante, não temos dúvida disso, ele vem sempre com algum objetivo de poder superar o momento, como foi no caso da pandemia. O Auxílio Brasil foi importante, o Auxílio Brasil novo, o Bolsa Família, é importante, a gente tem uma fila para ele: é lá no município que a gente faz tudo, cadastra, organiza, é o município que tem de dar resposta para alguém que não recebeu. É a gente que faz tudo, e recebe bem pouco. O governo federal cria os programas, coloca o recurso para criá-los e depois não há reajuste, nem que seja pela inflação. Então, falando da PEC Kamikaze, o que mais me preocupa é que ela está sendo criada e a princípio é só até o final do ano. O que vai acontecer depois? E esse é outro problema: infelizmente as decisões que estão sendo tomadas agora são todas por conta das eleições. Vão criar agora e o que acontece a partir de janeiro? Ninguém sabe.
JC - Mas que riscos estão no horizonte?
Salerno - O maior risco que a gente corre sempre é que, quando alguém elencado para receber o auxílio para de receber, e vai bater na porta da prefeitura. Temos nossos benefícios eventuais, normalmente é o fornecimento de cestas básicas, é algum auxílio. Da pandemia para cá, o aumento de solicitação dos benefícios eventuais é muito grande.
JC - Que chances há para a aprovação da PEC 122?
Salerno - A PEC 122 foi uma das principais pautas que discutimos com o presidente (Jair Bolsonaro, PL). Apresentamos todos os dados do impacto no Brasil todo, solicitamos que o governo possa olhar com atenção essas questões. O governo, porém, tem o entendimento de que os municípios estão bem. Ele foi claro: não há o que fazer agora, as perdas estão aí e temos de nos adaptar até porque estamos entrando em período eleitora e não tem como fazer nada de compensação ou criar benefícios para os municípios. Então, o que nós pedimos é que o governo possa nos ajudar com sua base, com as lideranças, a colocá-la na pauta da Câmara e votar. Se o presidente for reeleito, poderá continuar cuidando disso. Se o governo mudar, precisaremos iniciar toda uma nova tratativa, mas também esse assunto já está sendo tratado lá dentro (do Legislativo).
JC - Sua gestão na Famurs acaba de começar. Quais bandeiras da entidade serão priorizadas neste ano?
Salerno - Bom, a nossa gestão é curta, tem um ano. Eu já havia participado na gestão do Eduardo Bonotto (PP) como presidente da Câmara Temática da Inovação. A gente começou esse trabalho, que é uma das principais pautas que vamos trabalhar dentro da entidade: vamos aproximar a inovação dos municípios cada vez mais, fazer com que os municípios possam entender um pouco mais essa questão da nova economia e o que está acontecendo. Há muitos municípios que estão avançando bastante, outros nem tanto. E, na própria gestão, também inovar para facilitar serviços, para a aproximar o cidadão da gestão pública. E, claro, temos as nossas bandeiras que são históricas: educação e saúde são pautas prioritárias. Na questão da educação a gente está montando uma equipe para trabalhar com dados, enxergar bem essa realidade dos municípios para poder recuperar a educação após esse período de pandemia. Já tínhamos um problema de defasagem (na educação), os municípios já trabalhavam com isso, mas com a pandemia isso se agravou. Na saúde, temos as pautas dos hospitais regionais, principalmente os de Santa Maria e o Hospital Regional de Palmeira das Missões.
JC - O que pode ser feito em relação a esse tema específico?
Salerno - Os outros hospitais também, os filantrópicos e de pequeno porte. É importante a gente trabalhar isso em pequenos municípios. Há milhares de veículos por mês que vêm para Porto Alegre. Claro que existem especialidades que não conseguiremos ter em uma cidade pequena, será preciso ir até Santa Maria ou Porto Alegre, mas existem políticas de regionalização muito básicas, como a questão dos partos. Hoje são poucos os hospitais que fazem partos pelo SUS, então são pautas constantes da entidade, que temos de estar sempre conversando.
JC - Que outras pautas consideradas históricas a entidade está priorizando?
Salerno - A questão dos modais de transporte, por exemplo. Nós colocamos isso na pauta da Assembleia: nós fazemos parte do grupo sobre hidrovias, que era formatado por várias entidades. Temos de trabalhar isso porque nós temos esse potencial que não é bem explorado; a questão ferroviária também: vários municípios que só tem sua sede atual por causa da ferrovia. Meu município, Restinga Seca, a sede só está naquele local por conta da ferrovia. Estamos 14 km distantes da BR-287, que é nossa principal rodovia. Tem a questão da ferrovia Norte-Sul. O Rio Grande do Sul está fora dessa pauta. Tem o caso dos efetivos da segurança pública... às vezes, acontecem acidentes em Restinga Seca e tem que se mandar o caso para Santiago, porque em Santa Maria não tem médico legista. Camaquã tem o mesmo problema.
JC - Como avalia a atuação da entidade ao longo dos anos e de tantas gestões dos prefeitos? Que avanços foram alcançados?
Salerno - Sempre há avanços. Não tenho de falar só da Famurs, mas do movimento municipalista como um todo. Na questão das receitas, por exemplo, o movimento liderado pela CNM junto com as entidades regionais, conseguiu o adicional de 1% no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que vai gradativamente crescendo até 2025. Isso foi histórico. Existem várias conquistas no sentido da arrecadação, o reajuste de 30% do Programa Estadual de Transporte Escolar, que é uma questão que discutimos de maneira permanente. Nesse sentido, existe outra questão: há municípios que têm uma área territorial muito grande e vamos levantar esse tema. Alegrete, por exemplo, tem uma área muito grande. Enquanto São João do Polêsine tem 90 km2, Restinga Seca tem 968 km2. Existem discrepâncias que, se o recurso for dado só pelo número de alunos, fica mais difícil, então são pautas que precisamos trabalhar. Se pegarmos o Programa Avançar, na maioria dos municípios, o programa colocou recursos maiores do que os das emendas parlamentares. Então temos muitos avanços que são construídos com o Estado e União, e temos também essa relação com o Tribunal de Contas, o Ministério Público. A Famurs é a representação dos municípios, então temos de ter a capacidade de conversar, de ter um diálogo franco. Se não tivermos a capacidade de resolver algo conversando, fazer isso brigando é muito mais difícil.
JC - Falando de inovação, qual a realidade da maior parte dos municípios gaúchos nesse quesito? Há municípios que possuem hubs de tecnologia, e há outros que são baseados em uma economia totalmente rural. O que eles têm em comum?
Salerno - Nós temos duas questões: primeiro a inovação na gestão, poder usar ferramentas na gestão para melhorar ao atendimento ao cidadão, diminuir custos, diminuir impressão, papel, essas coisas todas que fazem parte do dia a dia, diminuir a burocracia também. E tem a questão de poder aproveitar esses hubs (de inovação tecnológica) que hoje não estão somente na Região Metropolitana: temos um na região da Serra, com avanços importantes, ou nas regiões onde há universidades... tivemos agora o edital da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) que abriu dez projetos, se não me engano. A Universidade Federal de Santa Maria foi o primeiro deles, com um projeto para um parque tecnológico na área do agronegócio. Então estamos avançando nisso também: tem muita tecnologia no agro, muita pesquisa acontecendo e o importante é ter isso conectado: o poder público, a iniciativa privada, as universidades... isso traz desenvolvimento para todas as regiões. Nós temos um convênio com a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), financiamos parte de uma pesquisa...
JC - A Famurs financiou?
Salerno - Não, o município de Restinga Seca. Nós fizemos uma parceria onde conseguimos desenvolver junto com a Unisc, filtros para retirar o excesso de flúor das águas naturais subterrâneas. Então isso é uma inovação, corrigir um problema que é antigo. Agora estamos desenvolvendo outro (método) para tirar o excesso de ferro. Havia um poço há mais de 20 anos de onde as pessoas tiravam água para beber e lavar a roupa, e havia dias em que era impossível, porque as roupas ficavam todas amareladas. Isso é inovação. Há outras questões em que temos de avançar, no Marco Legal da Inovação, na Lei Geral de Proteção de Dados. São desafios que termos, em que todos os municípios têm de se adaptar de uma maneira ou de outra.
Perfil
Paulinho Salerno (MDB), 38 anos, é natural de Restinga Sêca, onde nasceu em 15 de janeiro de 1984. Com formação de técnico em agropecuário pelo então Colégio Agrícola de Santa Maria, Salerno é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Maria e bacharel em direito pela Faculdade Metodista de Santa Maria. É filiado ao MDB desde os 16 anos, quando já atuava no movimento estudantil. Salerno iniciou sua trajetória política como vereador, de 2005 a 2008, e antes de assumir a prefeitura de Restinga Seca, em 2016, atuou como vice-prefeito, entre 2009 e 2012. Foi reeleito para a prefeitura em 2020, com 77% dos votos. Na Famurs, durante a gestão Eduardo Bonotto, Salerno presidiu a Câmara Temática de Inovação. Salerno também trabalhou na Casa Civil do governo de José Ivo Sartori (MDB) e foi diretor-executivo do Zoológico de Sapucaia do Sul.