O primeiro ministro britânico Boris Johnson renunciou ao cargo nesta quinta-feira (7). Em meio um escândalo sexual envolvendo um aliado, e após ser abandonado por ministros e parlamentares de seu Partido Conservador, o ministro vinha lutando pelo seu cargo nos últimos dias. “Até o novo líder aparecer estarei aqui como interino”, afirmou Johnson durante sua declaração na manhã dessa quinta-feira.
Nos últimos dias, dois secretários de peso, Rishi Sunak e Sajid Javid, das Finanças e de Saúde, puxaram a fila de renúncias, seguida por mais de 50 membros de sua gestão. A pressão cresceu na quarta (6), quando um grupo de pessoas próximas a ele, entre as quais outros ministros, foi até Downing Street para pedir que Boris enfim cedesse, encerrando um período de quase três anos à frente do Reino Unido.
Eleito para entregar o Brexit, a separação dos britânicos da União Europeia, o conservador cumpriu a promessa. Também foi o primeiro líder no mundo a entregar vacinas contra o coronavírus à população, numa virada que chegou a apagar os trancos iniciais, quando demorou a decretar lockdown e outras restrições, levando o país a ser um dos mais atingidos pela pandemia no continente.
Mas, de todos os rótulos, o que mais grudou foi o de mentiroso. O "partygate", episódio no qual vazamentos em série revelaram festas na sede do governo num momento da Covid em que os ingleses estavam proibidos de se reunir em ambientes fechados, deixou explícita a maior crítica feita pela oposição e até por membros de seu partido, a de que negava fatos que sempre se revelavam verdadeiros.
Foram dezenas de comemorações, de festa de Natal a festa de aniversário --do próprio premiê. Funcionários do gabinete chegaram a realizar um convescote na véspera do funeral do príncipe Philip (1921-2021), o que depois gerou um pedido de desculpas de Boris à rainha Elizabeth 2ª.
Pouco mais de um mês atrás, Boris escapou de um voto de desconfiança. Precisava do apoio de 180 dos 359 parlamentares de sua sigla --obteve 211 votos, mas viu 148 correligionários se posicionarem contra ele, prenunciando uma vitória de Pirro. Em tese, a conquista garantiria um ano sem que ninguém pudesse acionar o mecanismo para derrubá-lo outra vez, mas bastou uma nova crise para que especulassem uma revisão das regras. Só a ameaça de uma nova votação acabou impulsionando a renúncia.
Nascido em Nova York, Alexander Boris de Pfeffel Johnson, 58, o primeiro-ministro que levou o brexit a cabo, passou o final da infância e o começo da adolescência em Bruxelas, onde fica a sede da União Europeia.
Ainda que tenha chegado ao poder na onda de populistas de direita, ao fim não tinha muitas semelhanças com o ex-presidente americano Donald Trump, a quem analistas costumavam relacioná-lo. Além do perfil intelectualizado, não é moralista, não discrimina pessoas LGBTQI+ e já admitiu ter experimentado maconha e cocaína, ou seja, diverge frontalmente da pauta de comportamento conservadora.
Antes de se tornar ex-primeiro ministro, formou-se na Universidade de Oxford, e, em 2001, deixou uma longa carreira como jornalista e escritor para ser eleito deputado. Depois, entre 2008 e 2016, foi prefeito de Londres e, na sequência, por dois anos, chanceler do governo de Theresa May, a quem sucedeu.
Durante seu mandato, a política externa, em especial nos últimos cinco meses, foi um traço forte de Boris, que por vezes usou a Guerra da Ucrânia como escudo para desviar das crises. Um dos líderes mais vocais contra a Rússia de Vladimir Putin, visitou Kiev duas vezes, prometeu armas e ajuda ao país ora invadido.
Mal os rumores de que ele iria renunciar surgiram na imprensa, Moscou se apressou para afirmar, por meio de seu porta-voz, Dimitri Peskov, esperar que "pessoas mais profissionais, que decidam pelo diálogo," assumam o poder no Reino Unido. "Ele não gosta de nós, nós não gostamos dele."
Agora, qualquer que seja o novo premiê britânico, é muito improvável que a posição britânica vá mudar, mas o líder ucraniano, Volodimir Zelenski, perde um aliado que quase nunca vacilou em demonstrar apoio.
De forma um pouco mais comedida, Boris também foi crítico da China, chamando-a de "desafio sistêmico" ao anunciar a estratégia de segurança, defesa, desenvolvimento e política externa do país em 2021.
A preocupação ficou mais visível no Aukus, parceria entre Austrália, Reino Unido e EUA para garantirá à nação na Oceania submarinos nucleares numa área em que Pequim quer aumentar sua influência.
No plano doméstico, Boris renuncia no momento em que ventos independentistas voltam a soprar da Escócia e com o Protocolo da Irlanda, fruto do divórcio entre UE e Reino Unido, ainda a resolver. O resultado da contenda em torno do mecanismo para evitar um "fronteira dura" entre as Irlandas pode azedar de vez a relação do Reino Unido com o bloco europeu, sinal de que o brexit deixou cicatrizes.
Em meio a tantas questões e escândalos, por muito tempo Boris foi visto como um sobrevivente. Em seu governo, foi de fato um. Chegou a ir para a UTI após ser contaminado pela Covid. Depois, permaneceu no poder até quando todos já davam a derrota como certa. Ficou mais do que os críticos imaginavam e menos do que o seu alter ego no romance que escreveu, "Seventy Two Virgins", conseguiu.
Na obra, o personagem triunfa ao tentar ofuscar as más notícias que o aguardava. Para Boris, não deu.