O novo presidente da Federasul, Anderson Trautman Cardoso (biênio 2021-2022), entende que a competitividade e o crescimento econômico do Rio Grande do Sul passam por, fundamentalmente, um aspecto: a inovação. Por isso, ele vai levantar essa bandeira em seu mandato à frente de uma das principais entidades empresariais do Estado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Cardoso também fala de outras pautas caras à Federasul, como a redução do tamanho do Estado e as privatizações. Ele aponta ainda as propostas da federação para a reforma tributária e comenta a agenda que entende ser necessária para acelerar o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul.
Jornal do Comércio - Por que a inovação é a principal bandeira da sua gestão?
Anderson Trautman Cardoso - A inovação tem sido ao longo dos anos, com o desenvolvimento de novas tecnologias, um mecanismo para alavancar a competitividade do setor empresarial. Empresas que enfrentaram a pandemia da Covid-19 e fizeram as suas transformações digitais, e mesmo aquelas que haviam feito antes, sofreram uma ação menos danosa. Também temos um desafio, dentro de nossas empresas. Debater a inovação traz a possibilidade de incrementar a competitividade do empresariado, das indústrias, dos prestadores de serviço, do comércio e do setor primário. Esse último, que é um exemplo no âmbito da inovação.
JC - Além da inovação, que outras bandeiras pretende pautar?
Cardoso - Seguimos sustentando bandeiras relacionadas aos nossos princípios, que são o empreendedorismo e a liberdade de mercado. A Federasul é uma entidade de livre associação e o principal ativo talvez seja a capilaridade, ou seja, estar presente em todo o interior do Rio Grande do Sul. O intuito dos empreendedores que fundaram a Federasul, em outubro de 1927, foi justamente ter uma oportunidade para a troca de experiências. Uma possibilidade de trabalho em conjunto no que tange aos pleitos do setor empresarial gaúcho. Entre esses pleitos, posso citar a questão da reforma administrativa e previdenciária, que nós apoiamos no ano passado, mas cujo espaço de aprovação acabou redundando no partilhamento da retirada da reforma da previdência dos militares, por exemplo, e que nós continuaremos apoiando no decorrer de 2021 para que seja aprovada.
JC - Isso em relação ao Estado...
Cardoso - Também no limite dos gastos públicos, a entidade entende que a máquina pública deve ser eficiente, assim como nossas empresas, caso contrário teremos uma sobrecarga no setor privado. O Estado precisa ser eficiente. Então pautas como teto dos gastos públicos, a própria PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do duodécimo aqui no Rio Grande do Sul, continuarão sendo apoiadas.
JC - E no plano nacional?
Cardoso - Na mesma linha. É importante termos uma reforma administrativa aprovada no Congresso e também uma reforma tributária. É necessário reduzir o tamanho do Estado. E verificar a forma mais eficaz de partilharmos a forma de arrecadação dos recursos para fazer frente a esses custos. E viabilizar, assim, o investimento em infraestrutura no País.
JC - Quais são as propostas da Federasul para reforma tributária federal?
Cardoso - Desde a Constituição de 1988 se fala em reforma tributária, porque ela foi extremamente garantista. Saímos de um período de ditadura (1964-85), então, é natural termos uma Constituição que dá muitos direitos à sociedade. O problema é que esses direitos custam ao Estado. Saímos de um patamar de carga tributária, no início dos anos 1990, de cerca de 24% do PIB, e hoje, estamos em cerca de 35% do PIB, um aumento significativo, mais de 10 pontos percentuais do PIB na extração da riqueza da sociedade e entrega para o poder público. A pergunta que fica é: valeu à pena? Faz sentido? Em muitos âmbitos sim: na saúde, tão importante no momento do enfrentamento da pandemia. No entanto, essa estrutura tributária é centrada na tributação sobre o consumo. Ela é diferente de outros países, que focam em outras bases. Nós temos a base da propriedade, temos, enfim, outras fontes de arrecadação, não apenas o consumo. Essa arrecadação está centrada no consumo, ela é regressiva, por que as pessoas com diferentes capacidades de arrecadação - diferentes capacidades contributivas - vão ter o mesmo patamar, quando se trata de consumo de tributação na compra de seus insumos. Aqui um item fácil - itens de cesta básica, a tributação é a mesma, desde a pessoa com maior capacidade econômica até aquela menos favorecida. Esse é um debate que temos de travar. Como é que vamos acertar essa questão da regressividade e a tributação sobre o consumo no Brasil? Bom, temos na PEC 45 algumas propostas, digamos, bastante ousadas. É uma PEC que se centra neste problema - a Proposta de Emenda Constitucional número 45 que busca semelhança no que há de mais moderno em tributação sobre o consumo, que é aquela que se chama uma tributação sobre o consumo que tem caráter unicamente fiscal, ou seja, arrecadação. Ela não tem um caráter extrafiscal, um caráter de modular ou de incentivar a aquisição de um determinado item e, por isso, ela centra em uma alíquota única. Essa alíquota única hoje, obviamente, não estaria na Constituição, então a proposta não traz esse percentual, mas se estima em torno de 25%. Se nós olharmos para todos os itens - desde a nova economia, como falamos, inovação, novos modelos de negócios -, a nova economia, que é tão importante de ser incentivada, hoje, em muitos casos, ela não é tributada pelo imposto sobre o valor agregado, ai falando, ISS, ICMS, IPI - Pis e Cofins acabam incidindo sobre as receitas delas decorrente -, mas esses três primeiros não. E quando vemos uma carga de 25% sendo colocada sobre ela, que são mais de 10 pontos percentuais, além dessas duas contribuições, que me referi, é uma carga, talvez, impeditiva inclusive para algumas modalidades de negócio se tornarem competitivas no País. Olhando a mobilidade desse tipo de economia, nos parece que não é o mais acertado, então nesse ponto, qual é a reforma tributária federal, que a Federasul entende adequada? É uma reforma que mude a tributação, melhore e aprimore o sistema tributário, reduza a burocracia, mas que tenham o cuidado com setores que entendemos extremamente relevantes, como o setor de tecnologia, o próprio setor de serviços, que vem crescendo enormemente. E nos moldes em que está sendo proposta a PEC 45, ela acabaria tendo um impacto negativo sobre esses setores. Então, olhando sobre a proposta que está em tramitação no Congresso Nacional, especificamente a PEC 45, entendemos que ela é boa, mas mereceria ainda alguns aperfeiçoamentos. E a Federasul, por intermédio da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), temos dialogado com o Congresso Nacional sobre o tema da reforma tributária, inclusive com a própria comissão mista, integrada por 25 deputados e 25 senadores, que debate as duas propostas: a PEC 45 e a PEC 110, originária do Senado para se chegar em um texto único. A Federasul tem participado ativamente desse debate e vai continuar ao longo do primeiro semestre.
JC - Quais são as propostas da Federasul para reforma tributária em nível estadual?
Cardoso - Considerando que estamos em estágio avançado de uma reforma tributária federal, me parece pouco pertinente um debate sobre uma reforma tributária estadual. Tivemos um debate no ano passado. Podemos tomar o exemplo de São Paulo que aprovou os termos aqui propostos, e eles tiveram diversos problemas, e tiveram de suspender algumas das medidas. Então, em um país como o Brasil é muito difícil mudarmos um sistema tributário a partir somente de um estado.
JC - Presidentes da Federasul tiveram participação de destaque na política, como Paulo Afonso Feijó, vice-governador pelo DEM (governo Yeda, 2007-2010), e José Paulo Cairoli, vice pelo PSD (governo Sartori, 2015-2018). O que acha da participação de empresários na política partidária?
Cardoso - A Federasul é uma entidade cuja capilaridade, naturalmente, traz ao presidente e à diretoria informações e preocupações do setor empresarial de todo o Estado, então, é uma entidade política, e é natural isso. Acabamos de falar sobre pautas políticas. Esse diálogo com o poder público também aproxima o gestor da entidade, das autoridades públicas responsáveis pela solução daqueles problemas que se identificam dentro da entidade. Vejo como natural a participação, até enalteço. É muito bom termos dirigentes empresariais participando de atividade política partidária, mas a entidade não é uma entidade partidária. Ela não se alia a nenhum partido, mas, sim, é aberta para o diálogo com todos os partidos.
JC - Quais são as metas e projetos da Federasul em sua administração?
Cardoso - As grandes bandeiras são, de um lado, reforma administrativa federal e reforma tributária. Essas são pautas importantíssimas para retomada do desenvolvimento econômico do nosso estado e do nosso País. Temos pautas importantes já em tramitação na Assembleia Legislativa, teto dos gastos públicos, PEC do Duodécimo, reforma da previdência dos militares. Queremos apoiar muito o governo do Estado nessa pauta de privatizações. Temos desafios grandes em setores importantíssimos, setor de energia elétrica, setor de gás. A entidade entende que a privatização é o caminho para ter novos investimentos nesses setores, que são tão essenciais para nossa economia. Sobre o ponto de vista interno da entidade, estamos trazendo esses temas para o debate, como inovação, sustentabilidade, diversidade e educação, que não é um tema novo, mas que merece destaque, especialmente diante da queda dos índices aqui no Estado ao longo dos anos. A forma de manutenção de talentos no Estado também é algo importante para os debatermos. Temos setores que são extremamente destacados que queremos focar. O setor de saúde é um deles. De que forma podemos construir clusters, ecossistemas dentro do Estado, que possibilitem o desenvolvimento desses setores.
JC - De modo mais imediato, quais são as ações da Federasul para 2021?
Cardoso - Hoje, temos uma capilaridade de cerca de 170 entidades filiadas no interior do Estado, que representam cerca de 80 mil empresas filiadas. Olhando para a retomada, falando sobre algumas pautas que são essenciais que são as reformas administrativa e tributária no nível federal; aqui, o enfrentamento dessas pautas que contribuem para o enfrentamento do déficit no Estado. Agora, falando em retomada em um ano de pandemia, é fundamental a vacinação contra à Covi-19. E que todos tomem a vacina e sigam as orientações das autoridades de saúde e os cronogramas de saúde, mas é necessário que todos se engajem nesse processo.
JC - A Federasul defende a ampliação das Parcerias Público-Privadas (PPP). O que o senhor pode destacar sobre este tema?
Cardoso - Esse é um tema extremamente relevante. Qual é a alternativa de um estado que não tem capacidade de investimento? Esse é o primeiro ponto. Por que chegamos a esse patamar? Vamos chegar na velha discussão: qual é o tamanho do Estado, como vamos enxugar a folha de pagamento? Porque a folha é talvez o grande promotor desta incapacidade de investimentos. Mas chegamos em um patamar. Temos a necessidade de manter o Estado competitivo. O Estado ganha competitividade através de investimentos em infraestrutura em setores essenciais, sem isso, ele perde sua competitividade. Ao longo dos últimos anos, é o que temos visto no Rio Grande do Sul. Elevamos as alíquotas, inclusive de ICMS, para atacar um problema, que é o déficit público, mas não conseguimos aumentar a capacidade de investimentos. Só estamos cobrindo um rombo, e parcialmente. Então, esse caminho não vai solucionar o problema. Santa Catarina e Paraná, que competem diretamente conosco, têm sido muito mais agressivos e estão conseguindo levar grande parte dos empreendedores do Rio Grande do Sul a alocar investimentos nesses estados. Precisamos retomar a competitividade, precisamos de parceiros. O investidor privado vem com essa ótica. Uma concessão de um serviço de distribuição energia elétrica tem essa ótica, vai manter um prazo, vai arrecadar. Energia elétrica é relevante, e temos gás e outras áreas, como saneamento. Enfim, oportunidades de termos parceiros que melhorem a infraestrutura, permitindo que o Rio Grande do Sul tenha investimentos em setores que ele não poderia, por sua capacidade financeira, fazer nesse momento. Não temos alternativas, temos de acelerar esse processo para que consigamos colher os frutos o mais breve possível.
Perfil
Anderson Trautman Cardoso tem 43 anos e é natural de Soledade (RS). Filho de uma bancária e de um funcionário público, mudou-se para São Leopoldo em 1994 para cursar Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), graduando-se no ano de 1999. É especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Estudou, ainda, na Yale University (Management Program for Lawyer) e no Insead (Programa de Gestão Avançada, em parceria com a Fundação Dom Cabral), uma das melhores escolas de negócios do mundo. O novo presidente da Federasul atua em entidades empresariais há mais de duas décadas, tendo sido vice-presidente Jurídico da Federasul, além de Conselheiro da Federação do Comércio do Rio Grande do Sul (Fecomercio) e integrante do Comitê Jurídico da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB). É membro da Fundação Escola Superior de Direito Tributário, do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e da International Fiscal Association.