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Entrevista especial

- Publicada em 27 de Outubro de 2019 às 21:21

Ibsen Pinheiro discorda de texto que distribui cessão onerosa

Ex-deputado não ficou satisfeito com texto que distribui recursos da cessão onerosa do petróleo

Ex-deputado não ficou satisfeito com texto que distribui recursos da cessão onerosa do petróleo


Fotos MARIANA CARLESSO/JC
O ex-deputado federal Ibsen Pinheiro (MDB) não ficou satisfeito com o texto aprovado na Câmara dos Deputados no início do mês, que distribui os recursos da cessão onerosa do petróleo entre os entes federados. Ibsen foi um dos precursores do debate sobre a partilha dos recursos do petróleo, ao propor, quando era parlamentar, a distribuição equânime do dinheiro oriundo dos royalties do petróleo, na chamada Emenda Ibsen, aprovada no Congresso em 2010. A proposta destinava 30% dos royalties do petróleo aos estados; 30% aos municípios; e 40% à União - sem tratamento especial aos entes produtores.
O ex-deputado federal Ibsen Pinheiro (MDB) não ficou satisfeito com o texto aprovado na Câmara dos Deputados no início do mês, que distribui os recursos da cessão onerosa do petróleo entre os entes federados. Ibsen foi um dos precursores do debate sobre a partilha dos recursos do petróleo, ao propor, quando era parlamentar, a distribuição equânime do dinheiro oriundo dos royalties do petróleo, na chamada Emenda Ibsen, aprovada no Congresso em 2010. A proposta destinava 30% dos royalties do petróleo aos estados; 30% aos municípios; e 40% à União - sem tratamento especial aos entes produtores.
Ibsen não concorda com o fato de os estados posicionados defronte às plataformas marítimas de petróleo serem considerados produtores. Por isso, não gostou do texto aprovado no Congresso em relação à cessão onerosa, que se refere ao valor que empresas privadas pagam à União pelo direito de extrair um determinado bem, como o petróleo do pré-sal. A matéria destina 15% da verba da cessão onerosa aos estados; 15% aos municípios; 3% aos estados produtores; e o resto fica para a União.
Entrevistas com personalidades políticas são importantes para você?
Como também foi deputado Constituinte, em 1988, o emedebista reviu criticamente a formulação da Constituição Federal, que, na sua visão, é responsável por muitos problemas enfrentados pelos últimos governo federais. "É uma Constituição extremamente detalhista, o que não apenas emperra sua atualização, como também concede privilégios para setores que tiveram grande voz na Constituinte."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, também projetou que o governo Eduardo Leite (PSDB) não conseguirá colocar em dia a folha do funcionalismo neste ano. "Sem receita extraordinária, é impossível." Sobre as eleições de 2020, entende que o deputado estadual Sebastião Melo é o candidato natural do MDB à prefeitura de Porto Alegre.
Jornal do Comércio - O senhor foi um dos precursores do debate em torno da partilha dos recursos do petróleo. Esse tema voltou à pauta, com a aprovação, no Congresso Nacional, das regras de distribuição da cessão onerosa. Ficou satisfeito com o texto aprovado na Câmara dos Deputados?
Ibsen Pinheiro - Não, porque ainda trata de modo desigual os estados federados. Eles não têm que ser tratados igualitariamente, mas com equanimidade. Isto é, um critério que leve em conta o índice de desenvolvimento, a renda per capita, a população. Então qualquer critério igualitário de distribuição dos recursos do petróleo seria injusto, porque distribui o mesmo valor ao ente mais rico e ao mais pobre. Mas um critério de privilégio, como o que considera um estado produtor, é ainda mais injusto.
JC - Acredita que, se a exploração é marítima, o estado defronte à plataforma não se caracteriza como produtor?
Ibsen - Um estado só é produtor de petróleo quando a exploração ocorre em terra. Ou seja, o estado que tiver um poço de petróleo em seu território é produtor, da mesma maneira que nós, no Rio Grande do Sul, somos produtores de soja. Mas, quando se trata do petróleo no mar, nenhum dos três elementos que o compõem pertencem a qualquer estado. Quais são os elementos? Primeiro, o bem patrimonial subterrâneo pertence à União. Segundo, o território onde é feita a exploração é o mar territorial brasileiro, que também pertence à União. E, terceiro, a empresa que explora o petróleo ou pertence a União - no caso da Petrobras -, ou é contratada pela União - no caso das empresas privadas. Então não há estado federado produtor de petróleo no mar.
JC - Essa discussão já estava presente durante o debate da Emenda Ibsen...
Ibsen - Muitos interpretaram a Emenda Ibsen como uma reação gaúcha a uma vantagem devida do Rio de Janeiro. Mas, na verdade, era uma reação de todos os estados a uma vantagem indevida. O Rio de Janeiro tem tanto a ver com a nossa produção de petróleo quanto Angola, no outro lado do Atlântico. Minha emenda procurou cumprir o texto constitucional, que diz que os royalties serão destinados aos estados e ao Distrito Federal.
JC - A emenda foi aprovada em dois turnos no Congresso Nacional; depois, foi vetada pela então presidente Dilma Rousseff (PT); e, finalmente, os vetos foram derrubados. Depois desse périplo no Legislativo, o texto acabou sendo questionado no STF...
Ibsen - Aí a ministra Cármen Lúcia concedeu uma liminar (ainda vigente) que não sei como ficará. O Supremo ainda não julgou. Dependendo da nova legislação, ela (a Emenda Ibsen) pode ser considerada prejudicada ou constitucional.
JC - Quanto à conjuntura nacional, o MDB tem uma posição ambígua em relação ao governo Jair Bolsonaro (PSL): embora não apoie oficialmente a gestão do presidente, o partido tem um ministro, o da Cidadania, Osmar Terra. Acredita que o MDB, que lutou contra a ditadura militar, deve apoiar Bolsonaro?
Ibsen - Achamos que não devemos romper com o governo e fazer oposição, porque as linhas gerais das suas políticas econômicas são, digamos assim, promissoras. Uma reação à hipertrofia do papel do Estado é necessária, porque isso está atrasando o País. Por outro lado, uma adesão com vínculos até empregatícios pode gerar um exagero, pode determinar uma fidelidade que vai além das políticas econômicas.
JC - O senhor foi deputado federal constituinte. Qual a sua avaliação da Carta Magna hoje, 31 anos depois?
Ibsen - A nossa Constituição de 1988 teve uma marca temporal que se revelou negativa: foi feita logo ao final do regime militar. Além disso, não foi uma constituinte exclusiva, por isso, ficou muito sensível aos setores organizados da sociedade. E os setores organizados cuidam especialmente dos seus próprios interesses, o que não lhes retira a legitimidade, mas não lhes dá prerrogativa de se confundir com o interesse geral. Por mais legítimos que sejam os interesses dos advogados, eles não se sobrepõem aos da sociedade, assim como os dos médicos, dos servidores etc. E como escrevemos a Constituição a partir do fim do regime militar, colocamos muitas coisas pensando no regime militar: "isso não pode se repetir", "isso tem que proibir", "esses direitos devem ser constitucionalizados". Isso acabou criando problemas aos governos que vieram depois. Tornou complexa e difícil a remoção de obstáculos ao desenvolvimento.
JC - Pode dar um exemplo desses obstáculos?
Ibsen - Nossos governos, de 1988 para cá, convivem com um problema de difícil encaminhamento, que é o constante crescimento das despesas e a dificuldade de incrementar a receita. Como é que você incrementa a receita? Um caminho é otimizar a cobrança de impostos ou aumentá-los. Mas você não consegue aumentar a receita, porque a resistência ao aumento e à criação de novos impostos é generalizada. Um outro caminho seria o incremento da arrecadação, através do crescimento econômico. Só que a máquina pública no Brasil, em vez de ser indutora do crescimento, trava a economia. A máquina burocrática atrasa o nosso País pelo custo, pela demora, pela dificuldade operacional.
JC - E as despesas?
Ibsen - Como se faz para reduzir a despesa? Acabando com gastos desnecessários ou privilégios, enfrentando setores que têm alta capacidade de mobilização. Temos, no País, uma hipertrofia dos interesses corporativos, o que não significa, como disse, que eles não sejam legítimos. O serviço público é um exemplo. Há um crescimento desproporcional da máquina pública, com extrema dificuldade para reduzir os quadros, diárias etc. Creio que isso foi consequência do sistema constituinte instaurado no fim do regime militar.
JC - Acredita que a Constituição deveria ser mais simplificada?
Ibsen - Sim. É uma Constituição extremamente detalhista, o que não apenas emperra sua atualização, como também concede privilégios para setores que tiveram grande voz na Constituinte.
JC - Poderia fazer uma avaliação dos primeiros 10 meses do governo Eduardo Leite? É a continuação do governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018)?
Ibsen - Creio que sim, até porque as alternativas são muito escassas. O Leite pode ser mais jeitoso. O Sartori tinha um estilo mais franco. Mas, no conteúdo, não tem nenhuma diferença fundamental entre os dois. Além disso, as duas gestões têm a mesma dificuldade de cumprir os compromissos do Estado. O governo Sartori conseguiu quase um milagre: manter o atraso do salário dos servidores no mês seguinte ao do vencimento. O governo Leite já invadiu o segundo mês.
JC - Leite prometeu colocar em dia a folha salarial do funcionalismo ainda neste ano. O senhor acha que é possível?
Ibsen - Sem receita extraordinária, é impossível.
JC - E a receita extraordinária da venda das ações do Banrisul e da IPO (sigla em inglês de Oferta Pública Inicial) da Companhia Riograndense de Saneamento ficou para o ano que vem...
Ibsen - E, depois que esse dinheiro acabar, volta a mesma circunstância. Você vende ações, paga um mês ou dois. Se você vende a Sulgás, a CEEE e a CRM, paga mais um mês ou dois. Por isso, a receita extraordinária é para período extraordinário. É necessário reduzir as despesas com pessoal. O governo está propondo a extinção de vários benefícios dos servidores. Embora ressalve os atuais direitos adquiridos, ainda assim, os servidores são contra. Nenhum dos atuais será afetado, mas eles são contra o princípio. Então, como já disse, é muito difícil aprovar mudanças que são indispensáveis.
JC - Há vários nomes dentro do MDB porto-alegrense cotados para concorrer à prefeitura da Capital em 2020. Entre eles, o do deputado estadual Sebastião Melo, que foi o candidato à prefeitura em 2016; e o do ex-secretário de Segurança e ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer, que transferiu seu título eleitoral para Porto Alegre. Qual é o nome mais competitivo dentro do partido?
Ibsen - Acho que o MDB tem dois grandes nomes que são cogitados: Sebastião Melo e Cezar Schirmer. Melo foi um deputado bem votado e que tem tido uma boa atuação. Por outro lado, o Schirmer foi secretário estadual de Segurança, além de ter chegado a vários postos. Esses nomes têm mais destaque do que outros, como o do (vereador) Valter Nagelstein, o da (vereadora) Comandante Nádia etc. Entre Melo e Schirmer, creio que o candidato natural é o Melo, porque foi o candidato a prefeito em 2016, e, depois do resultado da eleição, houve uma percepção muito grande de arrependimento entre a população.
JC - Inclusive, a campanha que levou Melo à Assembleia Legislativa trabalhou com a ideia de que as pessoas que se arrependeram do voto em Porto Alegre tinham uma segunda chance de votar no emedebista...
Ibsen - Isso mesmo. Por isso, entendo que o candidato que tem mais naturalidade é o Sebastião Melo. Mas qualquer um dos dois - Melo ou Schirmer - representaria bem o partido na eleição.
JC - A ida de Schirmer para o governo federal, no qual assumiu um cargo na gestão Bolsonaro, deixa o caminho livre para o Melo?
Ibsen - Não saberia dizer qual é a intenção do Schirmer (ao assumir o cargo em Brasília). Ele nunca se colocou como candidato. O que ele fez foi transferir o título para cá. Aliás, não foi a primeira vez. Ele já era eleitor em Porto Alegre em 1992. Nesse ano, ele foi o nosso candidato à prefeitura e foi para o segundo turno com o Tarso Genro (PT). Lembro bem, porque, naquela eleição, eu era o candidato natural do partido. Nem teria disputa. Mas eu era o presidente da Câmara dos Deputados e estávamos em pleno processo de impeachment do (Fernando) Collor (de Mello). Para se ter uma ideia, a votação do impeachment aconteceu no dia 29 de setembro de 1992, e a eleição ocorreu quatro dias depois, em 3 de outubro, então eu não podia ser candidato. Aí, fizemos um apelo ao Schirmer para transferir o título para cá e ser o candidato. Mais tarde, ele transferiu o título para Santa Maria, onde se elegeu prefeito.

Perfil

Ibsen Valls Pinheiro tem 84 anos e é natural de São Borja. Graduado em Direito pela Pucrs, trabalhou como advogado, procurador, promotor de Justiça e jornalista. O início da militância foi no Partido Comunista Brasileiro. Instaurado o bipartidarismo pela ditadura militar, em 1966, filiou-se ao MDB. Na sigla, elegeu-se vereador (1977), deputado estadual (1979) e deputado federal (1982) por três mandatos consecutivos. Em 1991, como presidente da Câmara dos Deputados, comandou o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (então PRN, hoje no Pros). Em 1994, acusado de envolvimento em irregularidades, foi cassado. Em 2004, elegeu--se novamente vereador de Porto Alegre. Em 2006, conquistou mais uma vez uma vaga na Câmara dos Deputados. Foi presidente do MDB gaúcho entre 2010 e 2012. Em 2014, foi eleito suplente de deputado estadual e assumiu com a saída de titulares para o secretariado estadual. Em abril de 2018, foi à tribuna da Assembleia para anunciar que deixaria o cargo e não concorreria mais.