O secretário estadual de Segurança Pública e vice-governador, Delegado Ranolfo Vieira Júnior (PTB), defende que a reforma da Previdência estadual tenha regras diferenciadas para os profissionais da segurança. Depois que estados e municípios foram excluídos do texto da reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional, o governo Eduardo Leite (PSDB) estuda fazer mudanças nas regras previdenciárias do Rio Grande do Sul ainda neste ano.
"Acredito que algumas funções ligadas à segurança pública têm que receber uma diferenciação, sim (na reforma da Previdência estadual). Ao fazerem o juramento que todo policial faz, os profissionais juram prestar um serviço público arriscando a própria vida. Só isso já os diferencia de outras categorias", argumenta Ranolfo.
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Além disso, o secretário de Segurança comemorou o resultado do programa RS Seguro nos primeiros sete meses de 2019 - que registrou queda de 22,7% no número de homicídios (diminuição de 1.445 assassinatos, nos primeiros sete meses de 2018, para 1.109 em 2019). Segundo Ranolfo, a expectativa do governo é que, se os resultados seguirem o mesmo ritmo, o Rio Grande do Sul vai fechar o ano com 18 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. A média atual do Estado é de 29,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ranolfo defendeu Parcerias Público-Privadas (PPPs) na área da segurança, principalmente na construção de presídios e alguns serviços das casas prisionais, como a lavanderia e a cozinha. Contudo, garantiu que o serviço de segurança deve continuar sendo prestado pelos servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
Jornal do Comércio - Com a exclusão de estados e municípios da reforma da Previdência aprovada na Câmara dos Deputados, outro desafio do Palácio Piratini é realizar uma reforma previdenciária estadual, que o governador já disse que pode ser enviada à Assembleia nos próximos meses.
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Delegado Ranolfo Vieira - Não temos dúvida alguma da necessidade de fazermos a nossa própria reforma aqui, se isso for necessário. Por que digo isso? Nós temos a projeção de um déficit de R$ 12,3 bilhões na Previdência do Estado em 2019. E a projeção que a gente faz, para 10 anos, é de que possa chegar a R$ 113 bilhões. Ou seja, isso é ingovernável. Se não tomarmos nenhuma atitude, vai ficar pior do que aconteceu em Portugal e na Grécia. Então precisamos fazer alguns ajustes aqui. Queremos fazê-los ainda neste segundo semestre.
JC - O Piratini vai esperar a votação da reforma no Senado para apresentar um projeto para a Previdência estadual?
Ranolfo - Para nós, é importante o desfecho da reforma da Previdência no Congresso Nacional, se vai ou não nos atingir. Caso não nos atinja, temos que decidir o que fazer. Há a necessidade de fazer (a reforma da Previdência estadual) com muita rapidez. De qualquer forma, antes de apresentar qualquer medida, vamos conversar com os servidores, dialogando sobre a necessidade das reformas.
JC - Acredita que os profissionais da segurança devem ter uma aposentadoria diferenciada em relação às outras categorias?
Ranolfo - Acredito que algumas funções ligadas à segurança pública têm que receber uma diferenciação, sim. Participei da formatura de 147 novos soldados, no município de Osório, no início de agosto. E, lá, eu disse que eles estavam ingressando em uma atividade totalmente diferenciada de qualquer outra. Tanto é verdade que, ao fazerem o juramento que todo policial faz, juraram prestar um serviço público arriscando a própria vida. Além disso, enquanto a sociedade dorme, lá no mais distante rincão do nosso Estado, os policiais vão estar fazendo o trabalho de segurança pública. Então é uma atividade diferenciada, realizada diuturnamente, longe da família, muitas vezes. Por essas razões, (os profissionais da segurança) devem ter uma situação diferenciada daquele trabalhador normal (no momento da aposentadoria).
JC - Vai defender isso dentro do governo?
Ranolfo - Vou defender isso. Sempre defendi. Claro, alguns pontos podem ser discutidos, talvez a questão da idade (mínima para se aposentar). Mas não vou aprofundar a discussão agora. Estou fazendo uma análise mais genérica, na qual entendo que deva haver um tratamento diferenciado.
JC - Falando nos profissionais da Segurança, qual o tamanho do efetivo da Brigada Militar, depois da formatura dos policiais que estavam na academia?
Ranolfo - Tenho o cuidado de não definir publicamente o tamanho do efetivo, por uma questão de segurança. Mas posso dizer que, com a entrada desses novos policiais, a Brigada deverá ficar com 50% do efetivo que deveria ter. Os 2 mil policiais novos são importantes? Claro que são. Mas não resolvem. O déficit do efetivo é um problema histórico, justamente pela situação fiscal do Estado.
JC - No início de agosto, o senhor apresentou os primeiros resultados do programa RS Seguro, que apontou redução do número de homicídios. O que mais destaca entre os resultados?
Ranolfo - Dos 497 municípios do Estado, 18 deles acumulam 45% da população gaúcha. Nos últimos 10 anos, 73% das mortes violentas aconteceram nesses municípios; 89% do roubo a veículo; 88% do roubo a pedestres. Então estamos priorizando a segurança e a prevenção nessas cidades. Ao divulgarmos os dados criminais relativos ao mês de julho, e esses dados são evidências científicas, constatamos que é o melhor mês de julho dos últimos 10 anos. Em algumas áreas, o acumulado dos sete meses de 2019 também aponta para o melhor resultado da última década, como, por exemplo, a incidência de latrocínios. Estamos satisfeitos com esses números? Claro que não, mas as estatísticas apontam que estamos no caminho certo.
JC - Quais são as metas do governo?
Ranolfo - Tanto a ONU (Organização das Nações Unidas) quanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) têm o entendimento de que até 10 homicídios por grupo de 100 mil habitantes é uma situação de razoabilidade. Acima disso, segundo essas mesmas organizações, se trataria de uma endemia. Qual a situação que temos no Brasil hoje? Segundo o Atlas da Violência 2019, uma publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que traz os dados de 2017, o Brasil tem uma taxa de homicídios de 30,3 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul tem 29,3 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Pela diminuição dos homicídios apresentada nesses primeiros sete meses de governo, se tudo continuar no mesmo ritmo, projetamos uma taxa de homicídios de 18, 19 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Embora não estejamos satisfeitos, pois 18 está muito acima dos 10 que é o limite razoável segundo os estudiosos, esses dados apontam que estamos caminhando para o rumo certo.
JC - Como está o andamento das PPPs na área da segurança?
Ranolfo - Queremos firmar parcerias público-privadas na segurança pública, especialmente na área de presídios, com todo o cuidado para que a segurança do sistema prisional continue sendo prestada por servidores públicos, por agentes penitenciários. Vamos fazer PPPs para a construção de novos espaços, de novas vagas, para a administração e outros serviços que não sejam de segurança, como o fornecimento de refeições.
JC - Os servidores da Susepe fariam a parte operacional da segurança dentro dos presídios...
Ranolfo - Exatamente. Temos a convicção que a segurança do estabelecimento penal deve ficar a cargo dos servidores, do Estado. Podem ser terceirizadas a comida, a manutenção, a lavanderia. Todos os demais serviços podem ser terceirizados, mas não abrimos mão de fazer a segurança do sistema prisional.
JC - Uma das propostas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é a flexibilização do porte de armas aos cidadãos. Na sua opinião, isso ajuda ou atrapalha a segurança pública?
Ranolfo - Aquele cidadão que demonstrar a necessidade de portar uma arma de fogo, que tiver aptidão psicológica para isso, que apresentar conhecimento técnico de armamento de fogo, eu não vejo por que não possa portar uma arma.
JC - Mas essas são as exigências atuais. O senhor defende manter as regras, então...
Ranolfo - Pode até flexibilizar um pouco as regras atuais. Mas tem que respeitar alguns requisitos básicos. O Estado não pode dar uma arma para quem desconhece o manuseio da arma de fogo, nem para quem não tem equilíbrio psicológico razoável.
JC - Não concorda, por exemplo, com o formato dos Estados Unidos, onde, em alguns lugares, qualquer cidadão pode comprar uma arma?
Ranolfo - Considero muito arriscada essa possibilidade. Não quero nem falar dos Estados Unidos. Não vou comparar o Brasil com país algum. Acho que não podemos ter a plena liberdade de comprar uma arma, como se compra o pão na esquina. Não podemos chegar ao estabelecimento, adquirir uma arma, botar na cintura e sair andando pela rua. Tem que respeitar os requisitos que mencionei: a necessidade de portar arma, o equilíbrio psicológico e o conhecimento técnico para utilizar essa arma.
JC - Além da área da segurança, o que o senhor destacaria nos primeiros oito meses do governo Eduardo Leite?
Ranolfo - Na questão da saúde, estabelecemos um cronograma para repassar em dia os recursos destinados a hospitais e municípios. Além disso, estabelecemos um calendário de até 16 meses para quitar o repasse atrasado dos municípios. Portanto, devemos quitar essa dívida ainda no mandato dos atuais prefeitos. Também destaco o programa RS Parcerias, que busca implementar parcerias público-privadas, como uma maneira de conseguirmos fazer investimentos. Já publicamos os editais para a concessão da RS-287, da RS-324, da Estação Rodoviária de Porto Alegre e do jardim zoológico de Sapucaia do Sul. Ainda na questão da infraestrutura, a Secretaria Estadual de Logística e Transporte anunciou R$ 300 milhões prospectados no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para serem aplicados no sistema rodoviário estadual. Temos plena convicção da necessidade de maior investimento nessa área, mas é um começo. Também tivemos êxito na Assembleia Legislativa na aprovação da venda de três estatais - CEEE, CRM e Sulgás. Isso nos aproxima de um dos principais objetivos que temos no segundo semestre: a efetiva assinatura do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União.
JC - Depois da aprovação das privatizações, o que falta para assinar o RRF?
Ranolfo - Temos mantido um diálogo com a equipe do ministro da Economia Paulo Guedes, tentando demonstrar que estamos fazendo a lição de casa. É fundamental a assinatura do acordo de recuperação fiscal para a sobrevivência do Estado. Com o RRF, abriremos um novo espaço fiscal, o que vai nos dar a possibilidade de tomar outras atitudes. Essa, junto com outras ações, vai nos dar condições de, por exemplo, mantermos o nosso propósito de colocar em dia a folha de pagamento dos servidores públicos do Executivo, até o final do primeiro ano de governo.
JC - O governo vai conseguir colocar os salários em dia mesmo em um cenário sem a adesão ao RRF?
Ranolfo - Estamos buscando a adesão ao regime, que seria uma das formas de nos assegurar uma possibilidade maior (de colocar em dia a folha). Mas só o regime, isoladamente, não vai nos trazer esse resultado. É uma série de realizações conjuntas que vai nos dar essa possibilidade.
JC - O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), criticou o RRF em uma agenda em Porto Alegre. Ele também disse que, neste segundo semestre, o Palácio do Planalto pretende lançar um outro formato de ajuda federal, mais adequado à realidade do Estado. O governo pode esperar essa outra medida da União?
Ranolfo - Na primeira semana de agosto, em um almoço na Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), no qual ele foi o palestrante, pedi a continuidade do apoio político dele para que a gente consiga assinar o RRF. Ele se manifestou favorável. Não tenho conhecimento dessa outra manifestação dele.
Perfil
Ranolfo Vieira Júnior (PTB) é natural de Esteio e tem 53 anos. Servidor público há mais de 30 anos, é delegado de polícia desde 1998 e dirigiu o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) por seis anos. Entre 2011 e 2014, foi chefe de polícia do Rio Grande do Sul, durante a gestão do governador Tarso Genro (PT), período em que criou o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa. No período, presidiu o Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil do Brasil. Em 2014, concorreu à Assembleia, ficando como suplente. Coordenou a bancada do PTB no Parlamento. Foi secretário de Segurança Pública e Cidadania de Canoas em 2017, na gestão de Luiz Carlos Busato (PTB). É formado em Direito, tem especialização em Gestão de Segurança na Sociedade Democrática e foi professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas e da Academia da Polícia Civil (Acadepol-RS). Empossado vice-governador na gestão de Eduardo Leite (PSDB), também assumiu as pastas de Segurança Pública e de Administração Penitenciária - esta por três meses.