Miguel Tedesco Wedy
A introdução da figura do "juiz das garantias" no ordenamento jurídico foi um grande avanço civilizatório. Um juiz que atua na investigação, toma medidas de ofício e, além disso, determina prisões, interceptações telemáticas, busca e apreensões e outros meios de prova e obtenção de prova, adentra no processo criminal já carregado de preconceitos. Tudo o que ele pensa sobre a prova e a culpabilidade do sujeito investigado já vem contaminado e delineado para o processo, que passa a ser quase que apenas uma formalidade.
Por isso, andou bem o legislador em prever tal figura e, também, o STF, em admiti-la, na ADI 6298. É uma exigência da democracia e de um processo acusatório separar o juiz que atua na investigação do juiz que atuará na instrução e julgamento. Isso reforça a proteção da imparcialidade judicial.
Contudo, ao admitir o juiz das garantias, o STF criou exceções. A primeira, aceitável, para os casos dos crimes de menor potencial ofensivo, que são julgados pelos Juizados Especiais Criminais, nos quais não há, propriamente, uma investigação preliminar.
Ainda assim, não se consegue compreender a distinção feita pelo STF para não aplicar o juiz das garantias nos casos de violência doméstica, do Tribunal do Júri e para os casos originários julgados pelos Tribunais. Nesses casos, os réus não terão direito ao juiz das garantias. Em matéria processual, eles serão cidadãos brasileiros sem os mesmos direitos, de segunda categoria. Ou seja, o mesmo juiz que atuou lá na investigação, determinou medidas cautelares, prisões, interceptações telemáticas, oitiva de testemunhas, esse mesmo juiz vai atuar até o final dos processos, com todos os preconceitos e contaminações que trouxe desde a investigação. Assim, não raro, o réu começará o processo já condenado, pois esse juiz virá encharcado com seus preconceitos de tese.
É preciso que o Brasil avance para o padrão civilizatório das grandes democracias. Quanto mais graves os crimes, maior a necessidade do juiz das garantias e da sua separação do juiz da instrução. Do contrário, como se viu na operação Lava Jato, os resultados poderão ser a impunidade ou a injustiça.
Advogado Criminalista e Decano da Escola de Direito da Unisinos