Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 08 de Julho de 2024 às 19:12

Tragédias climáticas e impactos na saúde mental

ARTE/JC
Compartilhe:
JC
JC
Bruno Luiz Guidolin
Bruno Luiz Guidolin
O som da chuva nunca mais será o mesmo para os gaúchos. Pelo menos nos próximos tempos, o ruído que, até então, trazia conforto e relaxamento, virou sinônimo de ansiedade e incertezas em relação ao que está por vir. A catástrofe climática de maio causou muito mais do que perdas de vidas e materiais: deixou cicatrizes emocionais profundas em toda uma população - direta ou indiretamente afetada.
As mudanças climáticas têm impactado muito mais em nossa rotina do que podemos mensurar. Para além daquilo que conseguimos enxergar e sentir - como chuvas, enchentes, temporais e temperaturas extremas -, existem questões que aparecem sutilmente, vindas do âmago das nossas mentes.
Há alguns anos, a Associação Americana de Psicologia e a ONG ecoAmerica cunharam o termo "ecoansiedade", que significa medo crônico da destruição ambiental. Anos antes, o filósofo e professor de sustentabilidade Glenn Albrecht identificou um conjunto de sintomas peculiares em uma comunidade australiana, o qual chamou de solastalgia, que seria uma angústia associada a mudanças no ambiente em que se vive.
Agora, pensemos no que aconteceu com milhares de gaúchos. Perder uma casa não é algo trivial. Ultrapassa os danos materiais. Em maio, as águas invadiram a intimidade de muitos. Arrastaram consigo memórias - fotos, roupas, objetos e o que mais pudesse carregar. Tiraram, por fim, a segurança daqueles que tinham as suas residências como porto seguro e lugar de aconchego.
Embora a ecoansiedade ainda não seja considerada um diagnóstico clínico, é preciso estar atento a todo e qualquer sintoma de prejuízo da vida habitual. O período no qual estamos agora, intitulado de "reconstrução", também é tempo para se auto reconstruir. Compreender os próprios sentimentos faz parte do longo processo que temos pela frente.
Assim como nos preocupamos com a restauração de bens materiais, é fundamental olharmos para a reestruturação emocional daqueles que, de uma forma ou de outra, foram afetados pelas enchentes. Cuidar da saúde mental da população é uma das mais importantes iniciativas que poderemos ter. É, também, um passo rumo à reconstrução, mas, desta vez, da nossa essência como seres humanos.
Médico psiquiatra e coordenador do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas Ijuí
 

Notícias relacionadas