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Publicada em 03 de Junho de 2024 às 18:50

Solidariedade e política: o elo necessário

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Renato Steckert de Oliveira
Renato Steckert de Oliveira
Numa viagem à Itália, no início de 1982, conversei com um italiano de Sorrento sobre o grande terremoto que abalou o sul da península pouco mais de um ano antes, em novembro de 1980, deixando 3 mil mortos e mais de 300 mil desabrigados.
Até então a Itália estava sectariamente dividida entre comunistas e democratas-cristãos, além de sofrer os rescaldos do terrorismo. De repente, disse ele, democratas-cristãos se viram arriscando suas vidas para salvar comunistas em meio aos escombros do terremoto e vice-versa. Isto, concluiu, foi fundamental para recompor o ambiente político do país.
Tenho pensado muito naquela conversa ultimamente. Recompor o sistema político com base numa tragédia e na solidariedade que ela desperta significa que os partidos incorporaram a solidariedade ao seu imaginário, bem como o que ela significa do ponto de vista político: um substrato de identidade comum a uma coletividade, identidade que só pode ser o resultado de uma história vivida em comum, apesar de todas as divergências e conflitos, e sobre a qual se processam os acordos e as tomadas de decisões políticas. Isso estava sendo perdido pelos italianos, e um terremoto os despertou.
Acho que é o que nos falta. "Nossa" História, ao invés de ser vivida, na nossa memória coletiva, como algo comum, mais parece um abismo a separar os distintos grupos que compõem a sociedade, e a permanente disposição revisionista sobre seus principais símbolos (até o hino!) mostra antes de tudo um permanente sentimento de dessolidarização, que talvez não seja derrotado por essa emergência temporária da solidariedade, posto que ela não alcançará a política.
Não estou querendo dizer que deveríamos passar o pano sobre as indizíveis brutalidades que marcaram e ainda marcam a nossa História. Assim como não podemos fazer vista grossa sobre eventuais irresponsabilidades na gestão das condições que poderiam minorar a tragédia humana das cheias - como os italianos não o fizeram depois do terremoto! A questão é saber onde vamos encontrar nossa identidade comum como sociedade, recompondo nossa vida política e dando perenidade à solidariedade que a tragédia das cheias despertou. Ou, talvez, nem bem baixadas as águas, não nos reste outro caminho senão o confronto e a violência de sempre.
Ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do RS, sociólogo e professor da Ufrgs
 

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