Giulia Baretta Axelrud
Desde o primeiro final de semana de maio, o tempo anda diferente aqui no Rio Grande do Sul. Além da chuva, que caiu quase sem trégua, os relógios passaram a andar muito rápido para alguns e muito devagar para outros.
Muito rápido para quem tentou fugir da enchente só com a roupa do corpo. Muito devagar para quem esperou o resgate com a família no telhado. A desesperança só não foi maior graças aos milhares de voluntários que abdicaram do próprio tempo para se dedicar aos outros.
Agora, como em um domingo que não termina, o sentimento é de ansiedade pelo dia seguinte. Em Porto Alegre, o tempo praticamente parou. Mais de vinte dias depois do início das cheias, as pessoas ainda esperavam em câmera lenta o Guaíba baixar e a água chegar às torneiras. Centenas de milhares esperam voltar para casa ou recomeçar suas vidas. Empresas estão inundadas, esperando para saber se vai ter maquinário ou estoque.
Mas, mesmo com tantas coisas fora do controle, a passividade não é natural para esse povo, como já vimos no ano passado com a construção da ponte pela população em Nova Roma do Sul.
Desta vez, heróis anônimos estão por todos os lados, doando até aquilo que pode fazer falta na própria casa. Em Três Coroas, as pessoas se uniram para arrumar uma fábrica de calçados, que já voltou a produzir. Em Santa Catarina, comunidades "adotaram" cidades gaúchas para a reconstrução.
Os inúmeros elogios aos cidadãos e as incômodas críticas ao governo são mais do que justos. Tem especial direito à crítica um povo que constrói pontes por conta própria, enquanto o Estado fracassa na simples manutenção de bombas e comportas.
O que houve aqui não foi inédito, aconteceu em 1941 e, uma amostra, em 2023. Mas não deu tempo (sim, o tempo!) de revisar o sistema e planejar alternativas, mesmo havendo tecnologias suficientes para que a tragédia não fosse tão grande.
Como não se perguntar o que fazia o Estado nesse período?
Agora o tempo que não foi devidamente usado por quem era responsável é duramente tirado da população. Serão anos de recuperação, além da perda incalculável das vidas que se foram.
Felizmente, conformar-se nunca foi uma opção para o gaúcho. Os tempos andam diferentes no Rio Grande do Sul, acima de tudo, porque é hora de reconstrução. É tempo de quem faz, e nada mais.
CEO da Snaq, associada honorária e ex-presidente do Instituto de Formação de Líderes (IFL)